sexta-feira, 3 de setembro de 2021

A JUSTIÇA TARDA MAS NÃO CHEGA

 


Bibo Pai parece achar que o STF conspira contra sua presidência e seus aliados, mas Bobi Filho não tem do que se queixar, pois acaba de brindado pela corte com mais uma protelação do julgamento sobre o foro privilegiado no caso da rachadinha.

Qualquer inocente convencional que fosse acusado de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro exigiria ser julgado rapidamente, para restaurar sua honorabilidade. Mas Flávio Rachadinha prefere apostar na Justiça que que tarda, mas não chega. Ou por outra: interessa-lhe livrar-se do imbróglio por meio da prescrição dos crimes.

O julgamento do recurso em que FB reivindica o privilégio de ser tratado como um denunciado especial estava pautado para a última terça-feira, mas, a pedido da defesa, a 2ª Turma da corte concedeu um novo adiamento, consolidando a percepção de que o anseio de Zero Um por uma sentença absolutória é zero.

Originalmente, Bobi ralava na 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, comandada pelo juiz Flávio Itabaianaum magistrado que mastiga marimbondos. Em junho de 2019, sua defesa conseguiu levar o processo para o TJ-RJ — o foro privilegiado dos deputados estaduais. O MP recorreu e Flávio correu para Gilmar Mendes, que lhe concedeu uma liminar que travou a encrenca "até o julgamento do mérito da reclamação".

Agora, decorridos sete meses, o processo foi levado à pauta pelo magistrado de estimação de Bolsonaro, atual presidente da 2ª Turma — que, aliás, foi diagnosticado com Covid e, portanto, está na solitária, digo, cumprindo isolamento (o que não o impede de prestar a costumeira vassalagem a seu suserano, ainda que por videoconferência). Assim, o julgamento foi adiado sine die.

Não é a primeira vez que o STF assegura a ao primogênito do capitão a contagem de tempo para a obtenção do Bolsa Prescrição. Em 2019, o então presidente da Corte Dias Toffoli já havia trancado o processo por seis meses. Ou seja: juntos, Gilmar e Toffoli adicionaram mais de um ano ao projeto da prescrição.

Bobi desfruta da solidariedade de outra Corte brasiliense, o STJ. Em fevereiro, a 5ª Turma da corte anulou as quebras de sigilo bancário e fiscal determinadas pelo juiz Itabaiana. Foram à lata de lixo documentos que atestaram o escoamento irregular de mais de R$ 6 milhões em verbas públicas pela fenda aberta no gabinete do então deputado na Alerj.

Enquanto brinca de esconde-esconde com os tribunais superiores de Brasília, o filho do pai vai reforçando o patrimônio. Há cinco meses, ele adquiriu na Capital Federal mansão escriturada por R$ 5,97 milhões. Uma evidência de que depois da impunidade vem a bonança. Bibo não gosta do Supremo, mas Bobi adora.

Mudando de pata para ganso, o "mito" dos bolsomínions soa como se planejasse proclamar a independência do Bolsonaristão. Seu governo ganhou a aparência de um bunker, onde abrigam-se Bolsonaro & Filhos, o Centrão e generais de pijama que se dispõem a fazer qualquer coisa para proteger o capitão.

Nesse bunker fica também a fábula que Bolsonaro chama de "meu Exército." Não há espaço para vozes dissonantes. Ali, o governo opera com uma verdade própria, desligando-se da realidade. O problema é que a realidade não deixa de existir porque o bunker presidencial a ignora.

Cada pronunciamento de um presidente que se equipa para o feriado de 7 de Setembro como se marchasse para uma zona de guerra ganha a aparência de um tiro de fuzil que atinge o interesse nacional. Bolsonaro age como se estivesse em conflito permanente com o país que ele deveria presidir. É como se planejasse proclamar na próxima terça-feira que o Bolsonaristão se tornou um país independente do Brasil.

No curtíssimo intervalo de cinco dias, o capitão defendeu duas vezes a tese segundo a qual as pessoas precisam se armar. Nesta quarta-feira, o avião presidencial foi retirado do hangar para transportar mandatário até o Rio de Janeiro, onde ele participou de um evento organizado pela Marinha para homenagear atletas militares que conquistaram medalhas nas Olimpíadas de Tóquio.

Bolsonaro discursou. A ocasião era festiva. Mas o "mito" injetou no seu pronunciamento um raciocínio de caserna. "Com flores não se ganha a guerra", declarou. "Se você fala de armamento... Se você quer paz, se prepare para a guerra", disse sua excelência, parafraseando Sun Tzu (se é verdade que o presidente nunca leu um livro na vida, como afirma o historiador e professor Marco Antonio Villa, então alguém deve ter lido A Arte da Guerra para ele).

Na última sexta-feira, Bolsonaro havia chamado de "idiota" quem prefere o feijão aos fuzis. "Tem que todo mundo comprar fuzil, pô", afirmou aos devotos que o aguardavam no cercadinho do Alvorada. "Povo armado jamais será escravizado. Tem idiota que diz: 'Ah, tem que comprar feijão.' Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar." O timbre bélico soa nos dias que antecedem os protestos que o próprio presidente convocou para o feriado do Dia da Independência. Bolsonaro parece preparar o Bolsonaristão para o pior.

O presidente demora a perceber, mas seus ataques frontais à inteligência brasileira têm o efeito de disparos contra o próprio pé. No limite, Bolsonaro está em guerra contra os seus interesses políticos. O IBGE informa que a economia estagnou no segundo trimestre. A falta de chuvas e de planejamento produziram um aumento médio de quase 7% nas contas de luz. A inflação e o câmbio sobem. Há no olho da rua 14 milhões de desempregados. Algo como 19 milhões de brasileiros passam fome. Até a Fiesp, com sua indignação de gaveta, já notou que o Bolsonaristão não é um bom lugar para se viver.

Bolsonaro ergue barricadas contra o que chama de "orquestração" contra o seu mandato. De fato, cresce o número de pessoas que levam a boca ao trombone. Mas a verdadeira orquestra funciona no bunker do Planalto e nos seus arredores.

O PGR levando na flauta, o Centrão montado na gaita, Paulo Guedes desafinando na caixa... Bolsonaro está na regência. E os fundamentalistas do Bolsonaristão dançam conforme a música. Um chorinho bem brasileiro.

Com Josias de Souza.