Bibo
Pai parece achar que o STF conspira contra sua presidência e
seus aliados, mas Bobi
Filho não tem do que se queixar, pois acaba de brindado pela corte com mais
uma protelação do julgamento sobre o foro privilegiado no caso da rachadinha.
Qualquer inocente convencional que fosse acusado de
corrupção, peculato e lavagem de dinheiro exigiria ser julgado rapidamente,
para restaurar sua honorabilidade. Mas Flávio
Rachadinha prefere apostar na Justiça que que tarda, mas não chega. Ou
por outra: interessa-lhe livrar-se do imbróglio por meio da prescrição dos
crimes.
O julgamento do recurso em que FB reivindica o
privilégio de ser tratado como um denunciado especial estava pautado para a
última terça-feira, mas, a pedido da defesa, a 2ª Turma da corte
concedeu um novo adiamento, consolidando a percepção de que o anseio de Zero
Um por uma sentença absolutória é zero.
Originalmente, Bobi ralava na 27ª Vara Criminal do
Rio de Janeiro, comandada pelo juiz Flávio Itabaiana — um magistrado
que mastiga marimbondos. Em junho de 2019, sua defesa conseguiu levar o
processo para o TJ-RJ — o foro privilegiado dos deputados estaduais. O MP
recorreu e Flávio correu para Gilmar Mendes, que lhe concedeu uma
liminar que travou a encrenca "até o julgamento do mérito da reclamação".
Agora, decorridos sete meses, o processo foi levado à pauta
pelo magistrado de estimação de Bolsonaro, atual presidente da 2ª
Turma — que, aliás, foi
diagnosticado com Covid e, portanto, está na solitária, digo, cumprindo
isolamento (o que não o impede de prestar a costumeira vassalagem a seu
suserano, ainda que por videoconferência). Assim, o julgamento foi adiado sine
die.
Não é a primeira vez que o STF assegura a ao primogênito
do capitão a contagem de tempo para a obtenção do Bolsa Prescrição. Em
2019, o então presidente da Corte Dias
Toffoli já havia trancado o processo por seis meses. Ou seja: juntos, Gilmar
e Toffoli adicionaram mais de um ano ao projeto da prescrição.
Bobi desfruta da solidariedade de outra Corte
brasiliense, o STJ. Em fevereiro, a
5ª Turma da corte anulou as quebras de sigilo bancário e fiscal determinadas
pelo juiz Itabaiana. Foram à lata de lixo documentos que atestaram o
escoamento irregular de mais de R$ 6 milhões em verbas públicas pela
fenda aberta no gabinete do então deputado na Alerj.
Enquanto brinca de esconde-esconde com os tribunais
superiores de Brasília, o filho do pai vai reforçando o patrimônio. Há cinco
meses, ele adquiriu na Capital Federal mansão
escriturada por R$ 5,97 milhões. Uma evidência de que depois da
impunidade vem a bonança. Bibo não gosta do Supremo, mas Bobi
adora.
Mudando de pata para ganso, o "mito" dos
bolsomínions soa como se planejasse proclamar a independência do
Bolsonaristão. Seu governo ganhou a aparência de um bunker, onde abrigam-se
Bolsonaro & Filhos, o Centrão e generais de pijama que se
dispõem a fazer qualquer coisa para proteger o capitão.
Nesse bunker fica também a fábula que Bolsonaro chama
de "meu Exército." Não há espaço para vozes dissonantes. Ali,
o governo opera com uma verdade própria, desligando-se da realidade. O problema
é que a realidade não deixa de existir porque o bunker presidencial a ignora.
Cada pronunciamento de um presidente que se equipa para o
feriado de 7 de Setembro como se marchasse para uma zona de guerra ganha
a aparência de um tiro de fuzil que atinge o interesse nacional. Bolsonaro
age como se estivesse em conflito permanente com o país que ele deveria
presidir. É como se planejasse proclamar na próxima terça-feira que o Bolsonaristão
se tornou um país independente do Brasil.
No curtíssimo intervalo de cinco dias, o capitão defendeu
duas vezes a tese segundo a qual as pessoas precisam se armar. Nesta
quarta-feira, o avião presidencial foi retirado do hangar para transportar mandatário
até o Rio de Janeiro, onde ele participou de um evento organizado pela Marinha
para homenagear
atletas militares que conquistaram medalhas nas Olimpíadas de Tóquio.
Bolsonaro discursou. A ocasião era festiva. Mas o
"mito" injetou no seu pronunciamento um raciocínio de caserna.
"Com flores não se ganha a guerra", declarou. "Se você
fala de armamento... Se você quer paz, se prepare para a guerra",
disse sua excelência, parafraseando Sun Tzu (se é verdade que o
presidente nunca leu um livro na vida, como afirma o historiador e professor
Marco Antonio Villa, então alguém deve ter lido A Arte da
Guerra para ele).
Na última sexta-feira, Bolsonaro havia chamado de
"idiota" quem prefere o feijão aos fuzis. "Tem que
todo mundo comprar fuzil, pô", afirmou aos devotos que o aguardavam no
cercadinho do Alvorada. "Povo armado jamais será escravizado. Tem
idiota que diz: 'Ah, tem que comprar feijão.' Cara, se não quer comprar fuzil,
não enche o saco de quem quer comprar." O timbre bélico soa nos dias
que antecedem os protestos que o próprio presidente convocou para o feriado do Dia
da Independência. Bolsonaro parece preparar o Bolsonaristão
para o pior.
O presidente demora a perceber, mas seus ataques frontais à
inteligência brasileira têm o efeito de disparos contra o próprio pé. No
limite, Bolsonaro está em guerra contra os seus interesses políticos. O IBGE
informa que a economia estagnou no segundo trimestre. A falta de chuvas e de
planejamento produziram um aumento médio de quase 7% nas contas de luz. A
inflação e o câmbio sobem. Há no olho da rua 14 milhões de desempregados. Algo
como 19 milhões de brasileiros passam fome. Até a Fiesp, com sua
indignação de gaveta, já notou que o Bolsonaristão não é um bom lugar
para se viver.
Bolsonaro ergue barricadas contra o que chama de
"orquestração" contra o seu mandato. De fato, cresce o número
de pessoas que levam a boca ao trombone. Mas a verdadeira orquestra funciona no
bunker do Planalto e nos seus arredores.
O PGR levando na flauta, o Centrão montado na
gaita, Paulo Guedes desafinando na caixa... Bolsonaro está na
regência. E os fundamentalistas do Bolsonaristão dançam conforme a
música. Um chorinho bem brasileiro.
Com Josias de Souza.