quarta-feira, 29 de setembro de 2021

NADA ESTÁ TÃO RUIM QUE NÃO POSSA PIORAR


A HORA DO SIM É UM DESCUIDO DO NÃO.

Bolsonaro nunca demonstrou apreço pela verdade, mas até os ponteiros de um relógio quebrado mostram a hora certa duas vezes por dia: em abril de 2019, parafraseando o general Figueiredo, o capitão reconheceu que não nasceu para ser presidente

Não foi uma revelação bombástica (na verdade, não foi sequer uma "revelação", e sim a mais pura exaltação do óbvio), mas serviu de salvo-conduto para o capitão-negação continuar mentindo sem ser acusado de jamais ter dito uma verdade em toda sua torpe existência.

Anteontem, durante o lançamento do programa Crédito Caixa Tem, o mandatário de fancaria que apresentou ao mundo um país que não existe (no discurso de abertura da 76ª  Assembleia Geral da ONU) reconheceu que o Brasil enfrenta problemas econômicos. "Alguém acha que eu não queria a gasolina a R$ 4? Ou menos? O dólar R$ 4,50 ou menos? Não é maldade da nossa parte. É uma realidade. E tem um ditado que diz: 'Nada não está tão ruim que não possa piorar'. Nós não queremos isso". Mas a frase mais marcante foi: "Nada não está tão ruim que não possa piorar."

Bolsonaro cometeu algo muito parecido com um sincericídio, conquanto tenha tomado o cuidado de zelar pela polarização grudando no petismo uma imagem de boi da cara preta. Já Paulo Guedes soou como se a reeleição do chefe fossem favas contadas.

Com o tanque vazio, o Posto Ipiranga encostou na sua lojinha de conveniências uma tenda de quiromancia e ladrilha o futuro com pedrinhas de brilhante. Segundo Guedes, o plano para os próximos dez anos é "continuar com as privatizações, Petrobras, Banco do Brasil, todo mundo entrando na fila...". Guedes parece supor que o Brasil é um país de bobos. Alguém vai acabar perguntando: Que foi feito do primeiro semestre de 2021, futuro do segundo semestre de 2020? Que fim levou 2020 inteiro, futuro de 2019?

Reprovado por 53% dos eleitores, Bolsonaro enxerga pelo retrovisor somente o passado dos governos petistas e usa-o para instilar medo no futuro. Sem citar nominalmente o "ladrão de nove dedos", o sultão do Bolsonaristão afirma que o Brasil pode virar uma Venezuela caso o PT volte ao poder.

Bolsonaro é alvo de inquéritos no STF e no TSE. Está prestes a ser acusado pela CPI da Covid de praticar crimes em série na pandemia. Insinua que, se ficar "fora de combate", o retorno de Lula, favorito nas pesquisas, é "previsível". E "não serão mais 14 anos" de PT, disse ele, "serão pelo menos 50".

O discurso do capitão passa por um processo de infantilização, mas há método nessa estratégia. Como nas velhas cantigas de ninar entoadas para fazer criancinhas dormir incutindo-lhes o terror, ele incute na conjuntura o medo de que uma assombração de "esquerda" pode ressurgir a qualquer momento para pegar os eleitores que têm medo de careta.

Mantidas as atuais condições de temperatura e pressão, o antipetismo de 2018 terá em 2022 a companhia do antibolsonarismo. E o eleitor brasileiro, mais crescidinho, talvez já não se anime a trocar um boi da cara preta por outro.

Com Josias de Souza