"NÃO HÁ NADA NOVO SOB O SOL, E A ETERNA REPETIÇÃO DAS COISAS É A ETERNA REPETIÇÃO DOS MALES. QUANTO MAIS SE SABE, MAIS SE PENA. E TANTO O JUSTO QUANTO O PERVERSO, NASCIDOS DO PÓ, EM PÓ SE TORNAM."
Um dos dois ministros que se aposentaram do STF desde
o final do ano passado vem causando constrangimento a alguns de seus ex-pares
por não cumprir a quarentena. Pelas regras do jogo, magistrados que se
aposentam não podem advogar, por um período de 3 anos, nas cortes onde
trabalhavam. Segundo a revista
eletrônica Crusoé, o ex-togado em questão não só vem atuando informalmente
em processos (sem deixar seu nome registrado nos autos) com tem procurado
ex-colegas para "embargos
auriculares".
A matéria não dá nomes aos bois, mas a informação a seguir
pode servir de pista: O narcotraficante André de Oliveira Macedo,
conhecido como André do Rap e apontado com uma das principais lideranças
do PCC, foi intimado pela Justiça Federal de São Paulo a pagar uma multa
de R$ 2,4 milhões por tráfico internacional de drogas. A intimação foi
feita por edital, já que o anjinho se encontra foragido há cerca de um ano e
seu paradeiro é desconhecido.
Ganha uma dose extra de CoronaVac e um sonho de
padaria quem adivinhar quanto tempo vai levar para esse mandachuva do PCC
preencher o DARF e pagar a multa. As alternativas são: 1) de hoje a
três dias; 2) de amanhã a uma semana; 3) no dia de São Nunca.
Só para relembrar: a condenação de André do Rap havia sido confirmada tanto no TRF-3 como no STJ, mas isso não serviu para absolutamente nada. Com base numa tramoia legal enfiada dentro da lei que o Congresso aprovou em 2019 juntamente com o vergonhoso "pacote anticrime", o então decano do voto vencido e das causas perdidas resolveu simplesmente mandar soltar o sujeito.
Em suma, a defesa do criminoso recorreu ao ministro dos tempos estranhos e foi prontamente atendida — com uma rapidez que, se fosse aplicada para os cidadãos comuns, faria do STF o tribunal mais eficiente do mundo. Depois que o meliante já estava devidamente longe, o plenário da Corte, bravamente, se insurgiu contra a decisão “monocrática” do decano e decretou que a prisão estava confirmada. Só que aí já não havia muito o que fazer. Faltou explicar por que o STF ainda estava mexendo com um criminoso condenado em terceira instância.
Observação: Ao fim e ao cabo, todos se deram muito bem. O eminente ministro fez o que queria. Um ex-assessor seu, sócio da advogada que entrou com o habeas corpus em favor do condenado, ficou obviamente feliz. Os outros ministros fizeram papel de justiceiros a custo zero, proibindo que se soltasse um inimigo da sociedade depois que ele tinha sido solto. “André do Rap”, enfim, achou isso tudo uma beleza. É o império da lei à brasileira. Serve para todo mundo — menos para a população, que paga o salário de todos eles e que tem o direito de ser protegida pela Justiça.
Augusto Nunes costuma dizer que o Brasil tem muitas
leis e pouca vergonha na cara. Talvez fosse o caso de se propor uma emenda à
Constituição que acrescentasse dois artigos: 1) Todo brasileiro precisa ter
vergonha na cara; 2) Revoguem-se quaisquer disposições em contrário. O problema
é que isso teria de ser feito pelo Congresso Nacional. Não à toa, a reprovação ao
desempenho do Parlamento vem
piorando entre os brasileiros. E o mesmo se verifica em relação chefe
do Executivo Federal, cuja reprovação aumentou
de 51% em julho para 53% em setembro. A aprovação à gestão Bolsonaro,
que havia ficado estável entre maio e julho, em 24%, agora recuou para 22%,
atingindo também o pior resultado desde o início de seu governo.
Falando no mandatário de fancaria, saberemos na tarde de
hoje se ele voltará a ativa amanhã. Caso teste positivo para a Covid, ficará quarentemado
por mais dez dias, o que pode atrapalhar — ou pelo menos postergar — a comemoração
de seus mil
dias de desgoverno. A pergunta é: há o que comemorar? Ainda segundo o Datafolha,
57% dos brasileiros nunca confiam no que diz o "mito" dos despirocados.
Apenas 15% sempre confiam. O
sociopata é um farsante, como definiu o ministro do STF e
presidente de turno do TSE, Luís Roberto Barroso. Os eleitores
entenderam que o mandatário carece de credibilidade para combater a epidemia,
ajeitar a economia e até para dar um golpe.
Mas tudo indica que o Brasil vai perder mais um ano e meio
com um presidente trapaceiro que perdeu a capacidade de governar. Tanto Collor
quanto Dilma caíram por muito menos. O que falta para extirpar o câncer
da vez? Vaga na UTI da Prevent
Senior para o pós-operatório? Gaze e esparadrapo para os curativos?
Será que até isso o quadrilhão da Saúde e seus asseclas roubaram?
No discurso
de abertura da reunião do G20, o mandatário brazuca, Bolsonaro
apresentou dados
distorcidos sobre o meio ambiente e a economia, além de tornar a defender
tratamentos contra a Covid que não têm eficácia comprovada (ou melhor,
cuja ineficácia já foi atestada pela Ciência). Sua fala — uma peça de ficção
desmentida pela realidade de seu governo — provocou reações adversas, dentro e
fora do Brasil. Para o relator da CPI do Genocídio (de quem a gente pode
gostar ou não, mas isso não vem ao caso agora), por exemplo, o capitão
protagonizou "um
triste espetáculo"; para o jornal The New York Times, ele
"minimizou repetidamente a ameaça que o vírus representava".
Isso sem mencionar as atitudes grosseiras, as fotografias
vulgares, a vergonha de se apresentar ao mundo com orgulho e zombaria como o único
governante a não se imunizar contra a Covid. O ministro Marcelo
Queiroga, que também fez parte da comitiva presidencial, merece um espaço à
parte neste compilado: além de protagonizar momentos constrangedores, como fez
ao exibir o dedo do meio para manifestantes (veja
o vídeo aqui), ele testou positivo para o vírus em plena viagem —
e logo após ter cumprimentado Boris Johnson com aperto de mão.
Infectologistas ouvidos pelo g1 criticaram a decisão
da primeira-dama de tomar vacina contra a Covid nos Estados Unidos. Para Jamal
Suleiman, do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, é preciso dizer
a população que as vacinas oferecidas pelo PNI são seguras. Renato
Kfouri, da Sociedade Brasileira de Imunização, classificou de "absurda"
decisão de Michele Bolsonaro. Para o vice-presidente da CPI, senador
Randolfe Rodrigues, essa atitude desvaloriza o trabalho da Anvisa.
Em entrevista
publicada na edição de Veja desta semana, Bolsonaro reconheceu
que a inflação está "acima do razoável", culpou a pandemia
pela crise econômica e afastou a possibilidade de demitir o ministro Paulo
Guedes. Na avaliação do colunista Matheus Leitão, uma das
importantes revelações da entrevista do presidente é que nem
mesmo sua própria família segue o seu negacionismo distópico e sua odiosa
campanha contra a vacinação.
Voltando ao impeachment do capitão das trevas, as
manifestações de 12 de setembro foram pífias. Mas não se deve confundir o tamanho
atual da mobilização com o do repúdio ao governo e à pessoa do governante. Convém
ter em mente que o movimento que resultaria na queda da estocadora de vento
começou com volume modesto de gente nas ruas. Vale também destacar que seria
injusto comparar diretamente os movimentos dos últimos dias 12 e 19, pois um
era populista por inteiro e o outro, uma ideia — com sua impessoalidade e
outros limites.
De acordo com o jornalista Carlos
Andreazza, a manifestação bolsonarista foi produto de longa jornada de
divulgação, com coordenação profissional, centralizada no "mito" e
difundida por ele desde o Planalto, alçada mesmo à condição de agenda de
governo, e com muito dinheiro. Parte de um programa desdobrado desde 2019,
considerado que o presidente nunca teve outra atividade, uma vez empossado,
senão operar, à margem da política, por continuar na cadeira. Um conjunto —
incluídos os atos golpistas — que compõe a campanha por ficar no poder, não
necessariamente por meio de eleição, tocada sob a linguagem do populismo
autoritário, a do 7 de Setembro permanente, e dedicada ao culto do
mito. Ali se mobilizou tudo o que Jair Bolsonaro tem, contando a caneta
de presidente, para colocar povo na rua. Ali era Bolsonaro e sua
plataforma: o cultivo do caos, em busca de conflagrações, por meio da forja
artificial de inimigos.
A manifestação do dia 12 tinha uma proposta, um conceito
conhecido, o impeachment — mas veio desprovida de uma cara, na contramão do
espírito do tempo. E a pregação pelo impeachment, per se, como
bandeira sem rosto, engaja pouco. Há um cansaço relativamente ao tema, alguma
prevenção, quiçá preguiça; talvez ainda muito viva a lembrança dos sobressaltos
por ocasião do impedimento de Dilma, de que derivaram as instabilidades que
resultariam em Bolsonaro.
O impeachment, como mobilizador das ruas, não atrai. Hoje:
não agrega; sendo mais provável que aguce ressentimentos. O domingo mostrou
essa baixa capacidade de magnetizar, o que ao mesmo tempo corrobora e fortalece
a indisposição de Arthur Lira para disparar o processo. O tamanho do
impeachment, medido nas ruas, facilita a vida de Lira, sócio do governo, um
tipo cujos negócios não são afetados pelo golpismo bolsonarista — que não “degola
todo mundo”, que sabe que “não existe mais país isolado”. Está bom para ele.
E há o aspecto eleitoral. O calendário é implacável. Estamos
a quase um ano da eleição. (Era 2015 — faltavam três anos até a disputa —
quando o empenho contra Dilma pegou tração; e ela, fator relevante, não poderia
disputar novo mandato.) A campanha pela Presidência é o que está nas ruas e é o
que põe gentes nas pistas, ainda que embalada por estandartes como o do
golpismo bolsonarista — linguagem incorporada à gramática eleitoral — e do
“Fora Bolsonaro” lulopetista.
Quem põe gente nas ruas hoje: Bolsonaro e Lula.
São as personas, estúpido! Sem o que — sem uma face catalisadora —, o
impeachment será só mais uma expressão do anti. E vão muito reduzidas as
margens para um anti — o anti puro — que não se abrigue mais confortavelmente
em Bolsonaro ou Lula.
O impeachment, para ser factível, dependeria —
obrigatoriamente — da adesão da esquerda lulopetista. Parece improvável. O PT,
de natureza hegemônica, faz cálculo legítimo. Arriscado, se pensarmos no
processo contínuo de desconstrução da ordem republicana despachado — contra o
sistema eleitoral, ressalte-se — pelo bolsonarismo, mas legítimo. Avalia que
suas melhores chances de vencer — e as pesquisas sustentam a projeção — estão
em enfrentar Bolsonaro. Por que quererá, sob análise objetiva, tirar do
páreo o adversário preferencial?
A perspectiva eleitoral, pois, é a outra parede a espremer —
a encaixotar — o impeachment. O “Fora Bolsonaro”, hoje, é mais forte
como extração das urnas. Estamos em campanha. Sob esse aspecto, o dia 12 também
exibiu a fraqueza — a inexistência, para ser preciso — do que se chama de
terceira via, refém de conjugar o nem-nem.
E, no jogo do nem-nem, Bolsonaro tem Lula, Lula tem Bolsonaro. Esse arranjo se basta. Enraíza um segundo turno por inércia. Não desprezo que haja demanda por alternativa. Há. Reconheço que Ciro Gomes — goste-se ou não do que propõe — tem um projeto, mas também ele vai amassado entre um eleitorado de esquerda, que se inclina a Lula, e as dificuldades atuais do impeachment; que, sem avançar, obrigaria um tipo volumoso de eleitor, que votou em Bolsonaro e ora o despreza, a testar a flexibilidade do sentimento antilulista.
Que Deus nos ajude.