sábado, 25 de setembro de 2021

SOBRE POLÍTICOS E FRALDAS


SEM A POLÍTICA, SERIA IMPOSSÍVEL VIVER EM SOCIEDADE; COM "ESTA" POLÍTICA, VIVER NO BRASIL FICA MAIS DIFÍCIL A CADA DIA.

Atribui-se a Aristóteles a divisão do Estado em três poderes independentes e a Montesquieu a tripartição e as atribuições do modelo mais aceito atualmente. A ideia era evitar a concentração do poder, que, por óbvio, tende a gerar abusos. Na prática, porém, a teoria é outra.

Num passado não muito remoto (quando éramos felizes e não sabíamos), o parágrafo único do artigo 1º da Constituição tinha a seguinte redação: “Todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido”. Na versão que passou a viger a partir de 1988, o texto passou a ser: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

A “Constituição Cidadã” nos tirou o país que tínhamos e nos transformou em escravos de nossos “representantes” — que continuamos elegendo, diga-se, para que exerçam o poder em nosso nome. O problema é que eles fazem o que bem querem, como querem e quando querem, sem prestar contas a ninguém e quase sempre em benefício próprio, seja para aumentar a burocracia que os mantém, seja para angariar votos para a próxima eleição, seja para proteger os seus “companheiros representantes”.

Dentro de pouco mais de um ano o esclarecidíssimo eleitorado canarinho voltará às urnas para escolher presidente e vice, governadores, deputados federais e estaduais e 1/3 dos senadores da República (outros 2/3 foram eleitos em 2018). Pelo andar da carruagem, essa "festa da democracia" deve ocorrer ainda em meio a pandemia sanitária (menos de 40% dos brasileiros foram imunizados até agora), sem as reformas estruturantes prometidas, com desemprego, desalento e estagflação, crises hídrica e energética batendo as portas, dólar acima de R$ 5, denúncias de corrupção em todos os escalões do governo (governo esse que diz ter acabado com a Lava-Jato porque "não existe mais corrupção") e uma corja de políticos que só pensam em si mesmos.

A boa notícia é que a calamidade pavorosa que se aboletou no Planalto — cujo único projeto de governo é se reeleger — não deve se reeleger. A má notícia é que a tão ambicionada "terceira via" parece cabeça de bacalhau: todo mundo sabe que existe, mas ver, que é bom, ninguém vê. Pesquisas apontam como franco-favorito o ex-presidente corrupto foi condenado a 25 anos de cadeia, passou míseros 580 dias atrás das grades e, ungido ex-corrupto por um supremo milagre, agora posa de candidate to be.

Partidos como PSDB, DEM, PSB, PDT e Podemos definiram o mês de janeiro como prazo final para decidir sobre a viabilidade de uma candidatura capaz de romper a polarização entre a tragédia e a catástrofe. Hoje, Lula beira inacreditáveis 45% das intenções de voto, e Bolsonaro, incríveis 25%.

O governador paulista João Doria espera anunciar o apoio dos tucanos do Rio Grande do Norte e do Espírito Santo que, somados aos de outros quatro Estados, representam 467 mil filiados (ou 35% do total). Outros 10% fecharam com seu colega gaúcho Eduardo Leite e o restante segue em aberto, assim como a disputa interna — tanto o senador Tasso Jereissati quanto o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio devem se inscrever, mesmo sem disposição real para seguirem até o fim.

A ideia é ungir candidato da terceira via o nome mais bem colocado nas sondagens — desde que tenha dois dígitos na preferência do eleitorado —, mas é difícil imaginar Giro Gomes apoiando Doria ou abrindo espaço para Sergio Moro (nas pesquisas, Ciro, Moro e Datena são as únicas alternativas que registram cerca de 10% de intenções de voto, mas o problema desse acordo é que ele é afiançado só na palavra. Mas há outros problemas bem mais complicados).

Com Lula e Bolsonaro consolidados como favoritos, muitas legendas preferem concentrar as energias e principalmente os recursos do fundo partidário e do fundo eleitoral nas campanhas para deputado federal (quanto maior a bancada de um partido na Câmara, mais verba pública ele recebe e mais força tem para negociar com o presidente eleito).

O Democratas tenciona anunciar uma fusão com o PSL, que se apresentará como hospedeira do candidato de terceira via para os eleitores que votaram em Jair Bolsonaro em 2018 e se sentem órfãos. De quebra, o novo partido reunirá a maior bancada na Câmara — com mais de oitenta parlamentares —, os governadores de Goiás, Mato Grosso e Tocantins e a maior fatia do fundo partidário, com mais de RS$ 150 milhões por ano. No PSB há quem apoie Lula, Ciro e até cogite um nome de centro. “A prioridade número 1 agora tem de ser derrotar Jair Bolsonaro”, avalia o presidente da sigla, Carlos Siqueira.

Moro, Pacheco, Mandetta, Simone Tebet e Alessandro Vieira foram anunciados como potenciais candidatos. O escolhido será o que tiver os melhores índices em janeiro, mas Moro ainda não anunciou se pretende concorrer no ano que vem. Cortejado pelo Podemos para disputar a Presidência (ou uma cadeira no Senado por São Paulo), o ex-juiz deve participar de mais uma rodada de reuniões políticas neta semana. Numa pesquisa circunscrita aos eleitores paulistas, ele aparece com 9% na corrida presidencial, atrás de Lula, com 26%, e de Bolsonaro, com 18%. Dória tem 14% e Ciro Gomes, 9%, mas a rejeição a Moro é de apenas 7%.

 O PSD cogita filiar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e lançar sua candidatura à Presidência. Com atuação destacada na CPI do Genocídio, os senadores Alessandro Vieira e Simone Tebet também devem entrar no jogo. Todos os três são desconhecidos e têm baixa rejeição, o que lhes daria potencial para crescer nas pesquisas. Hoje, no entanto, estão na lanterna das intenções de voto. A pouco mais de um ano da eleição, a terceira via, por enquanto, só existe na cabeça de quem torce por ela.

Bolsonaro já deveria ter sido expelido do cargo (Collor e Dilma o foram por muito menos). Para evitar, deu as chaves do reino e do cofre ao Centrão, visando evitar um processo de impeachment enquanto o autogolpe não vem.

Em que pesem os seus muitos defeitos, o STF tem atuado como principal trincheira de defesa da democracia. O Congresso Nacional e o PGR estão fazendo um papelão. O deputado-réu Arthur Lira — alçado à presidência da Câmara com recursos de um mui suspeito orçamento paralelo — mantém sob seu buzanfã 136 pedidos de impeachment contra Bolsonaro, alimentando a tentação golpista do capitão e tornando-se um dos maiores responsáveis pelo caos em que o País mergulha. Enquanto isso, Augusto Aras passa pana para o chefe (no melhor estilo "Pazuello um manda e o outro obedece") e Rodrigo Pacheco ensaia uma reprimenda chocha.  

"Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos, pelo mesmo motivo" (essa máxima é atribuída ora a Eça de Queiroz, ora a Benjamin Franklin, mas não se sabe ao certo que a proferiu), e as eleições majoritárias de 2022 seriam o momento adequado para fazer uma faxina no Congresso se o eleitorado canarinha valesse mais que dois merréis de mel coado. Só que não.

Depois de assinar a patética carta redigida por aquele que lhe entregou a faixa, Bolsonaro foi cobrado por Arthur Lira e Ciro Nogueira — na avaliação dos mandachuvas do Centrão, o capitão deveria ter ouvido antes “quem carrega o piano” do governo no Congresso.

Segundo a Coluna Esplanada, Temer acalenta o sonho de se apresentar como opção de terceira via em 2022, e o ex-deputado Carlos Marun, que em 2017 festejou o enterro da segunda flechada de Janot dançando e cantando no plenário da Câmara deve coordenar seu "projeto de governo de centro" (uma edição revista e atualizada de sua "Pinguela para o Futuro").

Como ficou claro há muito tempo, não se poderia mesmo esperar algo diferente. O Brasil de hoje é governado como uma usina de processamento de esgoto, onde entra merda por um lado e sai merda pelo outro. O que mais poderia sair? Entre a porta de entrada, que é aberta nas eleições, e a de saída, quando se muda de governo, a merda muda de aparência, troca de nome, recebe nova embalagem — mas continua sendo merda.

Reprocessou-se o governo de Lula, deu no governo de Dilma; reprocessou-se o governo de Dilma, deu no de Temer. Não houve, de 2003 para cá, troca do material processado pela usina. Não houve alternância no poder, e isso inclui o moribundo governo Temer. Continuou igual, nos três, a compostagem de políticos “do ramo”, empreiteiras de obras públicas, escroques de todas as especialidades, fornecedores do governo, parasitas ideológicos, empresários declarados “campeões nacionais” pelos petralhas e pelos cofres do BNDES.

O ministério de notáveis alardeado por Temer revelou-se uma notável corja de corruptos, e a eles se juntaram os empresários  Joesley e Wesley Batista, Emílio e Marcelo Odebrecht, Eike Batista e tantos outros "nacionalistas" dos governos petistas que construíram a calamidade moral, econômica e administrativa que está aí até hoje. Temer era parte integral da herança que Lula deixou para os brasileiros. Tanto quanto Dilma, ele era pura criação do ex-presidente e só chegou lá porque o PT o colocou na vice-presidência.

Com Lula e o PT à frente e bilhões de reais atrás, essa formidável escória nos deixou o país que esperávamos mudar com a derrota do bonifrate Haddad em 2018, mas que acabou piorando ainda com a posse de Bolsonaro em 2019. Um país assim não pode funcionar, mas o único Brasil possível, para eles, é o que tem como única função colocar a máquina pública a serviço de seus bolsos.

Observação: Há situações em que é preciso fazer escolhas ruins para evitar que coisas ainda piorem aconteçam, mas tudo tem limite. Também é preciso ter em mente que de nada adianta trocar a roda da carroça quando o problema são os burros. E que título de eleitor em mão de apedeuta é como isqueiro em mão de chimpanzé trancado num paiol de pólvora. Simples assim.

Não é o Supremo que tem o dever constitucional de fiscalizar os atos do presidente da República e de destituí-lo em caso de abuso. É o Congresso Nacional. É hora de Lira, Pacheco e demais parlamentares se mostrarem dignos da herança de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves. É hora de parar de lero-lero e aprovar o impeachment de Jair Bolsonaro. A crise não acabará enquanto ele continuar no Palácio do Planalto.