SEM A POLÍTICA, SERIA IMPOSSÍVEL VIVER EM SOCIEDADE; COM "ESTA" POLÍTICA, VIVER NO BRASIL FICA MAIS DIFÍCIL A CADA DIA.
Atribui-se a Aristóteles a divisão do
Estado em três poderes independentes e a Montesquieu a
tripartição e as atribuições do modelo mais aceito atualmente. A ideia era evitar a concentração do poder, que, por óbvio, tende a gerar abusos. Na
prática, porém, a teoria é outra.
Num passado não muito remoto (quando éramos felizes e não
sabíamos), o
parágrafo único do artigo 1º da Constituição tinha a seguinte
redação: “Todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido”. Na
versão que passou a viger a partir de 1988, o texto passou a ser: “Todo o
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição.”
A “Constituição Cidadã” nos tirou o país que tínhamos
e nos transformou em escravos de nossos “representantes” — que
continuamos elegendo, diga-se, para que exerçam o poder em nosso nome. O
problema é que eles fazem o que bem querem, como querem e quando querem, sem
prestar contas a ninguém e quase sempre em benefício próprio, seja para
aumentar a burocracia que os mantém, seja para angariar votos para a próxima
eleição, seja para proteger os seus “companheiros representantes”.
Dentro de pouco mais de um ano o esclarecidíssimo eleitorado
canarinho voltará às urnas para escolher presidente e vice, governadores,
deputados federais e estaduais e 1/3 dos senadores da República (outros 2/3
foram eleitos em 2018). Pelo andar da carruagem, essa "festa da
democracia" deve ocorrer ainda em meio a pandemia sanitária (menos de 40%
dos brasileiros foram imunizados até agora), sem as reformas estruturantes
prometidas, com desemprego, desalento e estagflação,
crises hídrica e energética batendo as portas, dólar acima de R$ 5,
denúncias de corrupção em todos os escalões do governo (governo esse que diz
ter acabado com a Lava-Jato porque "não existe mais corrupção")
e uma corja de políticos que só pensam em si mesmos.
A boa notícia é que a calamidade pavorosa que se aboletou no
Planalto — cujo único projeto de governo é se reeleger — não deve se reeleger. A
má notícia é que a tão ambicionada "terceira via" parece
cabeça de bacalhau: todo mundo sabe que existe, mas ver, que é bom, ninguém vê.
Pesquisas apontam como franco-favorito o ex-presidente corrupto foi condenado a
25 anos de cadeia, passou míseros 580 dias atrás das grades e, ungido ex-corrupto
por um supremo milagre, agora posa de candidate to be.
Partidos como PSDB, DEM, PSB, PDT
e Podemos definiram o mês de janeiro como prazo final para decidir sobre
a viabilidade de uma candidatura capaz de romper a polarização entre a tragédia
e a catástrofe. Hoje, Lula beira inacreditáveis 45% das intenções de
voto, e Bolsonaro, incríveis 25%.
O governador paulista João Doria espera
anunciar o apoio dos tucanos do Rio Grande do Norte e do Espírito Santo que, somados
aos de outros quatro Estados, representam 467 mil filiados (ou 35% do total).
Outros 10% fecharam com seu colega gaúcho Eduardo Leite e o restante
segue em aberto, assim como a disputa interna — tanto o senador Tasso
Jereissati quanto o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio devem se
inscrever, mesmo sem disposição real para seguirem até o fim.
A ideia é ungir candidato da terceira via o nome mais bem
colocado nas sondagens — desde que tenha dois dígitos na preferência do
eleitorado —, mas é difícil imaginar Giro Gomes apoiando Doria ou
abrindo espaço para Sergio Moro (nas pesquisas, Ciro, Moro
e Datena são as únicas alternativas que registram cerca de 10% de
intenções de voto, mas o problema desse acordo é que ele é afiançado só na
palavra. Mas há outros problemas bem mais complicados).
Com Lula e Bolsonaro consolidados como favoritos,
muitas legendas preferem concentrar as energias e principalmente os recursos do
fundo partidário e do fundo eleitoral nas campanhas para deputado federal
(quanto maior a bancada de um partido na Câmara, mais verba pública ele recebe
e mais força tem para negociar com o presidente eleito).
O Democratas tenciona anunciar uma fusão com o PSL,
que se apresentará como hospedeira do candidato de terceira via para os
eleitores que votaram em Jair Bolsonaro em 2018 e se sentem órfãos. De quebra,
o novo partido reunirá a maior bancada na Câmara — com mais de oitenta
parlamentares —, os governadores de Goiás, Mato Grosso e Tocantins e a maior
fatia do fundo partidário, com mais de RS$ 150 milhões por ano. No PSB
há quem apoie Lula, Ciro e até cogite um nome de centro. “A
prioridade número 1 agora tem de ser derrotar Jair Bolsonaro”, avalia o
presidente da sigla, Carlos Siqueira.
Moro, Pacheco, Mandetta, Simone
Tebet e Alessandro Vieira foram anunciados como potenciais
candidatos. O escolhido será o que tiver os melhores índices em janeiro, mas Moro
ainda não anunciou se pretende concorrer no ano que vem. Cortejado pelo Podemos
para disputar a Presidência (ou uma cadeira no Senado por São Paulo), o ex-juiz
deve participar de mais uma rodada de reuniões políticas neta semana. Numa
pesquisa circunscrita aos eleitores paulistas, ele aparece com 9% na corrida
presidencial, atrás de Lula, com 26%, e de Bolsonaro, com 18%. Dória
tem 14% e Ciro Gomes, 9%, mas a rejeição a Moro é de apenas 7%.
O PSD cogita
filiar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e lançar sua candidatura
à Presidência. Com atuação destacada na CPI do Genocídio, os senadores Alessandro
Vieira e Simone Tebet também devem entrar no jogo. Todos os três são
desconhecidos e têm baixa rejeição, o que lhes daria potencial para crescer nas
pesquisas. Hoje, no entanto, estão na lanterna das intenções de voto. A pouco
mais de um ano da eleição, a terceira via, por enquanto, só existe na cabeça de
quem torce por ela.
Bolsonaro já deveria ter sido expelido do cargo (Collor
e Dilma o foram por muito menos). Para evitar, deu as chaves do reino e
do cofre ao Centrão, visando evitar um processo de impeachment enquanto
o autogolpe não vem.
Em que pesem os seus muitos defeitos, o STF tem atuado
como principal trincheira de defesa da democracia. O Congresso Nacional
e o PGR estão fazendo um papelão. O deputado-réu Arthur Lira — alçado
à presidência da Câmara com recursos
de um mui suspeito orçamento paralelo — mantém sob seu buzanfã 136 pedidos
de impeachment contra Bolsonaro, alimentando a tentação golpista do
capitão e tornando-se um dos maiores responsáveis pelo caos em que o País
mergulha. Enquanto isso, Augusto Aras passa pana para o chefe (no melhor
estilo "Pazuello um manda e o outro obedece") e Rodrigo
Pacheco ensaia uma reprimenda chocha.
"Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em
tempos, pelo mesmo motivo" (essa máxima é atribuída ora a Eça de
Queiroz, ora a Benjamin Franklin, mas não se sabe ao certo que a
proferiu), e as eleições majoritárias de 2022 seriam o momento adequado para
fazer uma faxina no Congresso se o eleitorado canarinha valesse mais que dois
merréis de mel coado. Só que não.
Depois de assinar a patética carta redigida por aquele que
lhe entregou a faixa, Bolsonaro foi cobrado por Arthur Lira e Ciro
Nogueira — na avaliação dos mandachuvas do Centrão, o capitão deveria
ter ouvido antes “quem carrega o piano” do governo no Congresso.
Segundo a Coluna Esplanada, Temer acalenta o sonho de
se apresentar como opção de terceira via em 2022, e o ex-deputado Carlos
Marun, que
em 2017 festejou o enterro da segunda flechada de Janot dançando e cantando no
plenário da Câmara deve coordenar seu "projeto de governo de
centro" (uma edição revista e atualizada de sua "Pinguela
para o Futuro").
Como ficou claro há muito tempo, não se poderia mesmo
esperar algo diferente. O Brasil de hoje é governado como uma usina de
processamento de esgoto, onde entra merda por um lado e sai merda pelo outro. O
que mais poderia sair? Entre a porta de entrada, que é aberta nas eleições, e a
de saída, quando se muda de governo, a merda muda de aparência, troca de nome,
recebe nova embalagem — mas continua sendo merda.
Reprocessou-se o governo de Lula, deu no governo de Dilma;
reprocessou-se o governo de Dilma, deu no de Temer. Não houve, de 2003
para cá, troca do material processado pela usina. Não houve alternância no
poder, e isso inclui o moribundo governo Temer. Continuou igual, nos
três, a compostagem de políticos “do ramo”, empreiteiras de obras
públicas, escroques de todas as especialidades, fornecedores do governo,
parasitas ideológicos, empresários declarados “campeões nacionais” pelos
petralhas e pelos cofres do BNDES.
O ministério de notáveis alardeado por Temer revelou-se
uma notável
corja de corruptos, e a eles se juntaram os empresários Joesley e Wesley Batista, Emílio
e Marcelo Odebrecht, Eike Batista e tantos outros "nacionalistas"
dos governos petistas que construíram a calamidade moral, econômica e
administrativa que está aí até hoje. Temer era parte integral da herança
que Lula deixou para os brasileiros. Tanto quanto Dilma, ele era
pura criação do ex-presidente e só chegou lá porque o PT o colocou na
vice-presidência.
Com Lula e o PT à frente e bilhões de reais
atrás, essa formidável escória nos deixou o país que esperávamos mudar com a
derrota do bonifrate Haddad em 2018, mas que acabou piorando ainda com a
posse de Bolsonaro em 2019. Um país assim não pode funcionar, mas o
único Brasil possível, para eles, é o que tem como única função colocar a
máquina pública a serviço de seus bolsos.
Observação: Há situações em que é preciso fazer
escolhas ruins para evitar que coisas ainda piorem aconteçam, mas tudo tem
limite. Também é preciso ter em mente que de nada adianta trocar a roda da
carroça quando o problema são os burros. E que título de eleitor em mão de
apedeuta é como isqueiro em mão de chimpanzé trancado num paiol de pólvora.
Simples assim.
Não é o Supremo que tem o dever constitucional de
fiscalizar os atos do presidente da República e de destituí-lo em caso de
abuso. É o Congresso Nacional. É hora de Lira, Pacheco e
demais parlamentares se mostrarem dignos da herança de Ulysses Guimarães
e Tancredo Neves. É hora de parar de lero-lero e aprovar o impeachment
de Jair Bolsonaro. A crise não acabará enquanto ele continuar no Palácio
do Planalto.