A diplomacia nem sempre é o oposto da guerra. Há, inclusive, quem defenda guerras por razões diplomáticas. Mas isso não muda o fato de que em toda guerra a primeira vítima é sempre a verdade. E o dissenso sociopolítico-ideológico que contaminou o Brasil — graças, em grande medida, à sementinha plantada por Lula et caterva com seu "nós contra eles" — é o tipo de guerra em que a verdade fenece quando as narrativas se sobrepõem aos fatos e perece quando extremistas se arrogam o direito a seus próprios fatos.
Cada qual tem direito às próprias opiniões, mas fatos são
fatos — embora todo fato tenha pelo menos três versões: a minha, a sua e a
verdadeira. Em outras palavras, todo conflito tem uma história e todos nós
temos histórias diferentes a respeito do conflito. O conflito é
saudável na medida em que leva ao consenso. Enquanto defendemos
nossas histórias e pontos de vista, supomos que o outro seja o problema e que
nós estejamos certos. Isso, não raro, leva ao confronto, que é nefasto
porque estimula o extermínio do adversário (guindado pela
polarização à condição de "inimigo").
Feita essa breve digressão acadêmica, passo ao assunto do
dia, começando por relembrar que o presidente tabaréu, belicoso e despirocado passou
os últimos dois meses fazendo das tripas coração para reunir 2 milhões de apoiadores
nas manifestações
antidemocráticas da última quarta-feira — que, curiosamente, não tinham
como alvo os partidos de esquerda, mas, sim, o STF — mais
exatamente os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.
O número de participantes varia conforme a fonte. De acordo
com O
Antagonista, 45 minutos antes de Bolsonaro proferir o mais golpista de todos
os discursos feitos por um chefe do Executivo desde a redemocratização, a
PM contabilizava 114 mil manifestantes na mais paulista das avenidas. Mais
tarde, segundo a Folha, a estimativa aumentou para 125 mil — outros
15 mil compareceram ao ato da oposição no Anhangabaú. Tudo somado e
subtraído, o total de bolsonaristas que atendeu ao chamado foi 90% menos do que
o previsto pelo capitão na véspera das manifestações. Ou falta imbecil no
Brasil — uma hipótese francamente inconcebível — ou Bolsonaro tornou-se
incapaz de atrair até mesmo os imbecis. Parabéns a ele pelo estrondoso sucesso.
Observação: Os ruralistas prometeram lotar a
Esplanada dos Ministérios com um milhão de manifestantes, com todas as despesas
pagas, em troca da abertura da porteira. Era mentira, claro. E agora a CPI do
Genocídio poderá investigar quem
pagou o circo golpista. Se rastrearem direito o dinheiro, o furdunço
vai parar no TSE, no processo sobre a campanha antecipada e ilegal do
capitão, financiada clandestinamente. A inelegibilidade de Bolsonaro já está
garantida. Agora é preciso expeli-lo do Palácio do Planalto antes que ele
produza danos ainda maiores (o que pode parecer inconcebível, mas é
perfeitamente possível).
Gozações à parte (afinal, é preciso rir para não chorar), se
há algo a comemorar é o fato de não terem sido registrados incidentes de
violência nem confrontos significativos durante as manifestações. Oxalá o bom
senso prevaleça também no próximo domingo, por ocasião dos atos pró-impeachment
capitaneadas pelo PSL, pelo Novo e por movimentos como Brasil
Livre, Vem Pra Rua e Livres.
De acordo com o deputado demista Kin Kataguiri, os protestos contrários ao governo do último dia 7 foram convocados por forças de esquerda, ao passo que os do próximo domingo serão de direita. Os locais das manifestações vão ser divulgados nos próximos dias, e a expectativa é que os atos sejam "a maior manifestação da história contra Bolsonaro". A conferir.
A reunião do Conselho da República, citada nos discursos delirantes do capitão, não deve ocorrer. Segundo o Estadão, o encontro previsto para a manhã de era do Conselho do Governo, integrado pelos ministros do próprio governo e pelo vice Hamilton Mourão. Em sua fala abilolada, o "mito" incluiu os presidentes da Câmara, do Senado, mas nem Lira nem Pacheco foram convidados — a Casa Civil da Presidência, responsável por organizar as reuniões, foi pega de surpresa pelo discurso do mandachuva de fancaria.
O Conselho de Governo tem caráter consultivo e é convocado pelo presidente da República para discutir ações do governo. É possível que um dos temas da pauta fosse justamente a hipótese de convocar o Conselho da República — ao qual, entre outras atribuições, cabe discutir questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas e decidir sobre intervenção federal, estados de defesa e de sítio. O órgão é composto por 15 membros, mas o presidente do STF não é um deles. No Jornal da Cultura de ontem, o historiador e professor Marco Antonio Villa disse que o presidente não tinha como saber disso, e repetiu o que já disse uma porção de vezes: Bolsonaro jamais leu um livro na vida, muito menos a Constituição.
Resumo da ópera: o presidente não perde a oportunidade se
ser o maior opositor de seu próprio governo. Sua demonstração de força (ou de
fraqueza, conforme o ângulo pelo qual se examina o furdunço) serviu apenas para
produzir mais uma desvalorização do real perante o dólar e derrubar a Bolsa
(o índice Bovespa registrou uma queda de 3,78%).
Como atos têm consequências e as consequências sempre vêm depois, aguardava-se ansiosamente o pronunciamento do ministro Luiz Fux durante a abertura da sessão plenária do STF desta quarta-feira — em nota na noite de terça, a assessoria da corte informou que seu presidente se manifestaria publicamente sobre os atos logo no início da sessão.
Arthur Lira — que, graças à nossa brilhante constituição, é o único cuja caneta tem tinta mandar seguir adiante um dos 136 pedidos de impeachment em desfavor do presidente tabaréu que transbordam de seu gavetão —, criticou “radicalismo e excessos” e disse que não pode mais "admitir questionamentos sobre o voto impresso".
“Diante dos acontecimentos de ontem, quando abrimos as comemorações de 200 anos como Nação livre e independente, não vejo como possamos ter ainda mais espaço para radicalismo e excessos”, afirmou o deputado-réu. “Conversarei com todos e todos os Poderes. É hora de dar um basta a essa escalada, em um infinito loop negativo, bravatas em redes sociais, vídeos e um eterno palanque deixaram de ser um elemento virtual e passaram a impactar o dia a dia do Brasil de verdade”, enfatizou o deuputado-réu que Bolsonaro, com recursos do orçamento paralelo, fez eleger presidente da Câmara.
Fica difícil acreditar no discurso de Lira, que em momento algum fez uma única menção ao impeachment de Bolsonaro, mesmo depois que MDB, PSD, PSDB e Solidariedade engrossarem o coro de partidos da oposição para que um processo seja iniciado.