Os artigos, parágrafos, incisos, alíneas e sabe lá Deus
quanto entulho legal os doutores, políticos e magnatas deste país invocaram
para colocar em discussão se a Terra é redonda ou é plana mostram bem a
extraordinária dificuldade, para os que mandam no Brasil, de aceitar o
princípio pelo qual uma lei só fica de pé se fizer nexo — e só faz nexo se vem
para tornar mais segura, mais cômoda ou mais compreensível a vida do cidadão
comum. O que nos leva (inevitavelmente) a Jair Bolsonaro, Augusto
Aras e Arthur Lira.
Se fazer merda doesse, os gemidos do farsante do Planalto seriam
tão insuportáveis quanto a dor que sua inércia e seus malfeitos causaram a
familiares de quase 600 mil vítimas fatais da Covid. Oxalá a CPI
leve adiante a ideia de incluir no relatório uma proposta
de mudança na Lei do Impeachment que determine a aberturar automática
do processo na Câmara dos Deputados — ou seja, sem que o "juízo de
admissibilidade" do presidente da Casa possa postergar, a seu talante, a
criação da Comissão Especial responsável por analisar o pedido.
A exemplo de Rodrigo Maia, Arthur Lira só
levanta o buzanfã da pilha de mais
de 130 pedidos de impeachment contra o presidente para acomodar novas
petições. E o mesmo faz Augusto Aras no que concerne a investigar quem o
reconduziu à PGR e ainda pode lhe cobrir os ombros com a suprema toga.
Aliás, é lamentável a atitude
"pouco republicana" do presidente da CCJ do Senado, Davi
Alcolumbre, no tocante à sabatina do candidato terrivelmente evangélico nosso
grande estadista indicou para a vaga aberta no Supremo com a
aposentadoria do primo de Collor e ministro das causas perdidas Marco
Aurélio "Tempos Estranhos" Mello.
Não custa lembrar que uma possível substituição do indicado
cairia bem para a banda podre do Congresso, que prefere o antilavajatista
Augusto Aras ao "terrivelmente
evangélico André Mendonça". Aliás, já passou da hora de mudar o
formato da indicação do PGR e de ministros do STF (pelas regras
vigentes, a Raposa do Planalto dá a chave do galinheiro a outras raposas que,
por sua vez, indicam suas irmãs para investigar o sumiço das galinhas e
determinar a prisão do responsável).
Dono de uma retórica escorregadia, Augusto Aras dá
sempre a impressão de ser a favor de tudo ou absolutamente contra qualquer
coisa, desde que o futuro da sua carreira não fique comprometido. Suas palavras
mais valiosas costumam soar depois de conjunções adversativas como "mas",
"porém", "contudo".
Recém-reconduzido
ao cargo, o procurador que nada encontra porque não procura resiste
bravamente às pressões (de seus subordinados no MPF, de delegados e
agentes da PF, dos presidentes da Câmara e do Senado,
de parlamentares e até do próprio STF) e continua fazendo vista
grossa às evidências ululantes de malfeitos praticados por aquele que o nomeou.
Ao promulgar a Constituição, em 1988, o deputado Ulysses
Guimarães (que há três décadas dorme
com os peixes) reconheceu que a
Carta não era perfeita. Ainda que muitas de suas deficiências possam
ser atribuídas ao fato de a legislação ter sido gestada e parida durante a
ressaca da ditadura militar, a decisão de conferir única e exclusivamente
ao PGR o poder de processar criminalmente o presidente da
República por prática de crimes comuns e ao presidente da Câmara o de decidir o
destino de pedidos de impeachment foi um erro crasso. Sobretudo se
considerarmos que quem indica o procurador-geral é o próprio chefe do
Executivo.
Espera-se um pedido
de impeachment de Bolsonaro por crime de prevaricação e outras
cinco infrações (crimes de pandemia, curandeirismo, infração de medida
sanitária preventiva, advocacia administrativa e corrupção passiva). O grupo
de juristas coordenado pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior
apontou à CPI que cabe uma ação de impeachment por crime de
responsabilidade contra o presidente no enfrentamento à pandemia.
O documento — que tem 226 páginas — informa que há “farto
material probatório” produzido pelo colegiado para responsabilizar
criminalmente o presidente e integrantes de seu governo. Na avaliação desse grupo,
Bolsonaro “constitui clara afronta aos direitos à vida e à saúde”,
o que configura infração ao artigo 7º, que trata dos crimes de responsabilidade
na Lei do Impeachment. Diz também que algumas populações foram mais atingidas e
sacrificadas pelas escolhas do governo de negar o atendimento imediato, negar o
acesso à vacina, acesso à esclarecimento e optar por tratamentos que fugiam
totalmente do consenso científico global. Segundo o parecer, Bolsonaro e
Pazuello cometeram crime de epidemia e a pena deveria ser aumentada “em
razão dos resultados morte e lesões corporais graves”.
São pelo menos 25 exemplos de infrações sanitárias cometidas
pelo presidente — como promover aglomerações sem uso de máscara — entre 9 de
maio do ano passado e 24 de junho deste ano. O documento aponta ainda o crime
de charlatanismo — recomendação do uso de medicamentos comprovadamente
ineficazes contra a Covid, como a cloroquina e a ivermectina.
Em sessão do parecer dedicada ao detalhamento dos crimes
contra humanidade, os juristas indicam que a crise em Manaus no início do ano —
que culminou na morte de pessoas asfixiadas por falta de oxigênio — foi "um
caso exemplar do desprezo à vida", e que o Amazonas foi um "palco
de experiências e projetos absolutamente desastrosos e maléficos à saúde da
população".
O grupo apontou ainda que os representantes da Precisa
Medicamentos praticaram crime de falsidade de documento e de estelionato
majorado, e que houve prevaricação de Bolsonaro e Pazuello no
caso Covaxin. De acordo com os juristas, ambos “foram devidamente
alertados acerca das irregularidades e, ainda assim, permaneceram inertes”.
Observação: De acordo com o relator, “não há
mais nenhuma discussão” sobre o enquadramento de Bolsonaro por crime
de responsabilidade. Se a lista incluir crime contra a humanidade, o imbróglio
deverá ser remetido ao Tribunal Penal Internacional (em Haia), ao
qual caberá avaliar se julga ou não as ações e inações do verdugo do Planalto.
Segundo o Estadão, a proposta de mudar a
lei de impeachment foi incluída por Renan Calheiros após consulta aos integrantes
do grupo Prerrogativas. Os advogados, professores e juristas recomendaram
alterar a legislação para retirar o "poder absoluto" do
presidente da Câmara, definindo prazos para que ele se manifeste sobre os
pedidos de impeachment. Integrantes do grupo sugeriram também medida
semelhante em relação ao PGR. Assim, caso ele não se anime a abrir uma
denúncia a partir dos pedidos de indiciamento da CPI da Pandemia, sua
decisão seria submetida a subprocuradores.
O problema do Aras 2.0 nada tem a ver
com o fato de ele ter sido pinçado de fora da “lista tríplice” expedida pelos
integrantes do MPF. O problema é que o vassalo do suserano se
tornou um dos instrumentos mais eficientes para impedir o combate à corrupção
que despacha dentro da máquina estatal brasileira, pois vem destruindo, em tudo
o que faz, todo o trabalho do MP contra a ladroagem que chegou
a extremos inéditos nos governos Lula-Dilma — os 13 anos e
meio em que a politicalha e seus vários senhores mais roubaram na história do
Brasil.
Aras é hoje o herói da classe política brasileira — não só de Lula e do PT, mas de todo político enrolado com o Código Penal que dá expediente entre o Oiapoque e o Chuí. Por isso mesmo, não vai haver CPI para “investigá-lo" ou dar um pio sobre o assunto.
E viva o povo brasileiro.