segunda-feira, 27 de setembro de 2021

SOBRE POLÍTICOS, FRALDAS (CONTINUAÇÃO)


Num diálogo do filme ADVOGADO DO DIABO, o jovem advogado Kevin Lomax (Keanu Reeves) pergunta a seu chefe, John Milton (Al Pacino): Por que a lei? Milton, que lidera uma poderosa banca de advogados (e nas horas vagas é o próprio Belzebu) responde: A lei, meu garoto, nos coloca dentro de tudo. É o melhor passe para os bastidores.

No Brasil, a engenhosidade dos maus políticos e maus agentes públicos parece não ter limites quando o que está em jogo são seus próprios interesses. Trata-se de usar o que está escrito na lei para desrespeitar a lei. Sempre ouvimos que democracia e civilização só podem vigorar se a Justiça tiver coragem de enfrentar o grito irracional da multidão, que exige culpados, não se interessa por provas e não entende de hermenêutica. Mas, quando a lei se opõe à moral, ou se perde o senso moral ou se perde o respeito pela lei. Não há outra possibilidade. É o momento em que a lei se torna injusta, por não estar mais em harmonia com as noções elementares do certo e do errado. O resto é mentira.

Os artigos, parágrafos, incisos, alíneas e sabe lá Deus quanto entulho legal os doutores, políticos e magnatas deste país invocaram para colocar em discussão se a Terra é redonda ou é plana mostram bem a extraordinária dificuldade, para os que mandam no Brasil, de aceitar o princípio pelo qual uma lei só fica de pé se fizer nexo — e só faz nexo se vem para tornar mais segura, mais cômoda ou mais compreensível a vida do cidadão comum. O que nos leva (inevitavelmente) a Jair BolsonaroAugusto Aras e Arthur Lira.

Se fazer merda doesse, os gemidos do farsante do Planalto seriam tão insuportáveis quanto a dor que sua inércia e seus malfeitos causaram a familiares de quase 600 mil vítimas fatais da Covid. Oxalá a CPI leve adiante a ideia de incluir no relatório uma proposta de mudança na Lei do Impeachment que determine a aberturar automática do processo na Câmara dos Deputados — ou seja, sem que o "juízo de admissibilidade" do presidente da Casa possa postergar, a seu talante, a criação da Comissão Especial responsável por analisar o pedido.

A exemplo de Rodrigo Maia, Arthur Lira só levanta o buzanfã da pilha de mais de 130 pedidos de impeachment contra o presidente para acomodar novas petições. E o mesmo faz Augusto Aras no que concerne a investigar quem o reconduziu à PGR e ainda pode lhe cobrir os ombros com a suprema toga. Aliás, é lamentável a atitude "pouco republicana" do presidente da CCJ do Senado, Davi Alcolumbre, no tocante à sabatina do candidato terrivelmente evangélico nosso grande estadista indicou para a vaga aberta no Supremo com a aposentadoria do primo de Collor e ministro das causas perdidas Marco Aurélio "Tempos Estranhos" Mello.

Não custa lembrar que uma possível substituição do indicado cairia bem para a banda podre do Congresso, que prefere o antilavajatista Augusto Aras ao "terrivelmente evangélico André Mendonça". Aliás, já passou da hora de mudar o formato da indicação do PGR e de ministros do STF (pelas regras vigentes, a Raposa do Planalto dá a chave do galinheiro a outras raposas que, por sua vez, indicam suas irmãs para investigar o sumiço das galinhas e determinar a prisão do responsável).

Dono de uma retórica escorregadia, Augusto Aras dá sempre a impressão de ser a favor de tudo ou absolutamente contra qualquer coisa, desde que o futuro da sua carreira não fique comprometido. Suas palavras mais valiosas costumam soar depois de conjunções adversativas como "mas", "porém", "contudo". 

Recém-reconduzido ao cargo, o procurador que nada encontra porque não procura resiste bravamente às pressões (de seus subordinados no MPF, de delegados e agentes da PF, dos presidentes da Câmara e do Senado, de parlamentares e até do próprio STF) e continua fazendo vista grossa às evidências ululantes de malfeitos praticados por aquele que o nomeou.

Ao promulgar a Constituição, em 1988, o deputado Ulysses Guimarães (que há três décadas dorme com os peixes) reconheceu que a Carta não era perfeita. Ainda que muitas de suas deficiências possam ser atribuídas ao fato de a legislação ter sido gestada e parida durante a ressaca da ditadura militar, a decisão de conferir única e exclusivamente ao PGR o poder de processar criminalmente o presidente da República por prática de crimes comuns e ao presidente da Câmara o de decidir o destino de pedidos de impeachment foi um erro crasso. Sobretudo se considerarmos que quem indica o procurador-geral é o próprio chefe do Executivo.

Espera-se um pedido de impeachment de Bolsonaro por crime de prevaricação e outras cinco infrações (crimes de pandemia, curandeirismo, infração de medida sanitária preventiva, advocacia administrativa e corrupção passiva). O grupo de juristas coordenado pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior apontou à CPI que cabe uma ação de impeachment por crime de responsabilidade contra o presidente no enfrentamento à pandemia.

O documento — que tem 226 páginas — informa que há “farto material probatório” produzido pelo colegiado para responsabilizar criminalmente o presidente e integrantes de seu governo. Na avaliação desse grupo, Bolsonaroconstitui clara afronta aos direitos à vida e à saúde”, o que configura infração ao artigo 7º, que trata dos crimes de responsabilidade na Lei do Impeachment. Diz também que algumas populações foram mais atingidas e sacrificadas pelas escolhas do governo de negar o atendimento imediato, negar o acesso à vacina, acesso à esclarecimento e optar por tratamentos que fugiam totalmente do consenso científico global. Segundo o parecer, Bolsonaro e Pazuello cometeram crime de epidemia e a pena deveria ser aumentada “em razão dos resultados morte e lesões corporais graves”.

São pelo menos 25 exemplos de infrações sanitárias cometidas pelo presidente — como promover aglomerações sem uso de máscara — entre 9 de maio do ano passado e 24 de junho deste ano. O documento aponta ainda o crime de charlatanismo — recomendação do uso de medicamentos comprovadamente ineficazes contra a Covid, como a cloroquina e a ivermectina.

Em sessão do parecer dedicada ao detalhamento dos crimes contra humanidade, os juristas indicam que a crise em Manaus no início do ano — que culminou na morte de pessoas asfixiadas por falta de oxigênio — foi "um caso exemplar do desprezo à vida", e que o Amazonas foi um "palco de experiências e projetos absolutamente desastrosos e maléficos à saúde da população".

O grupo apontou ainda que os representantes da Precisa Medicamentos praticaram crime de falsidade de documento e de estelionato majorado, e que houve prevaricação de Bolsonaro e Pazuello no caso Covaxin. De acordo com os juristas, ambos “foram devidamente alertados acerca das irregularidades e, ainda assim, permaneceram inertes”.

Observação: De acordo com o relator, “não há mais nenhuma discussão” sobre o enquadramento de Bolsonaro por crime de responsabilidade. Se a lista incluir crime contra a humanidade, o imbróglio deverá ser remetido ao Tribunal Penal Internacional (em Haia), ao qual caberá avaliar se julga ou não as ações e inações do verdugo do Planalto.

Segundo o Estadão, a proposta de mudar a lei de impeachment foi incluída por Renan Calheiros após consulta aos integrantes do grupo Prerrogativas. Os advogados, professores e juristas recomendaram alterar a legislação para retirar o "poder absoluto" do presidente da Câmara, definindo prazos para que ele se manifeste sobre os pedidos de impeachment. Integrantes do grupo sugeriram também medida semelhante em relação ao PGR. Assim, caso ele não se anime a abrir uma denúncia a partir dos pedidos de indiciamento da CPI da Pandemia, sua decisão seria submetida a subprocuradores.

O problema do Aras 2.0 nada tem a ver com o fato de ele ter sido pinçado de fora da “lista tríplice” expedida pelos integrantes do MPF. O problema é que o vassalo do suserano se tornou um dos instrumentos mais eficientes para impedir o combate à corrupção que despacha dentro da máquina estatal brasileira, pois vem destruindo, em tudo o que faz, todo o trabalho do MP contra a ladroagem que chegou a extremos inéditos nos governos Lula-Dilma — os 13 anos e meio em que a politicalha e seus vários senhores mais roubaram na história do Brasil.

Aras é hoje o herói da classe política brasileira — não só de Lula e do PT, mas de todo político enrolado com o Código Penal que dá expediente entre o Oiapoque e o Chuí. Por isso mesmo, não vai haver CPI para “investigá-lo" ou dar um pio sobre o assunto.

E viva o povo brasileiro.