Enquanto o presidente e distinta comitiva visitam a Itália a expensas dos contribuintes brasileiros, os caminhoneiros ameaçam cruzar os braços, por tempo indeterminado, a partir de amanhã. Para fugir das pedras, no mesmo dia em que as principais lideranças mundiais se reunirem em Glasgow para discutir emissões de CO2 e um entendimento sobre o futuro da humanidade, Bolsonaro estará em Anguillara Veneta — uma bucólica cidadezinha de 4 mil habitantes na região de Pádua, na Itália, onde viveram seus antepassados.
Observação: Em conversa filmada pelo jornalista Jamil Chade, do UOL, em Roma, Bolsonaro brindou seu colega turco com uma enxurrada de fake news sobre o país que desgoverna. Recep Tayyip Erdogan, 67, integrante de setores conservadores da ala islamita e ex-prefeito de Istambul (1994 a 1998), findou seu próprio partido em 2001, tornou-se tornou primeiro-ministro em 2003, renovou o mandato em 2007, foi eleito presidente em e reeleito em 2018 adotando medidas autocráticas, bem ao gosto de vocês sabe de quem. "A economia está voltando bem forte", disse o cacique de fancaria ao líder turco. Paulo Guedes, que estava ao lado do grande chefe tupiniquim, preferiu ficar calado — o FMI aponta a economia brasileira como a que terá menor crescimento entre as do G20 neste ano e o Brasil como um dos países em que os estímulos usados pelo governo contra a Covid tiveram resultado negativo. "A mídia, como sempre, atacando; estamos resistindo bem. Não é fácil ser chefe de Estado em qualquer lugar do mundo", disse Bolsonaro ao colega turco, que saiu pela tangente: "O Brasil tem grandes recursos petrolíferos". O "mito" não perdeu a deixa: "A Petrobras é um problema. Estamos quebrando monopólios, com uma reação muito grande. Há pouco tempo era uma empresa de partido político. Mudamos isso." As críticas à Petrobras vieram um dia depois de as ações da petroleira despencarem (5,9% as preferenciais e 6,49% as ordinárias), justamente em razão de críticas feitas por Bolsonaro ao lucro da estatal. Depois de escutar educadamente o besteirol do capetão, Erdogan perguntou: "E quando é a eleição?". Nosso grande líder respondeu que é daqui a 11 meses. O turco acrescentou: "Significa que o senhor ainda tem bastante coisa para fazer". O brasileiro disse contar com grande apoio popular — a despeito de mais da metade (53%) dos brasileiros reprová-lo — e que tem uma boa equipe de ministros: "Não aceitei indicação de ninguém. Foi eu que botei todo mundo. Prestigiei as Forças Armadas. Um terço dos ministros [é de] militares profissionais. Não é fácil. Fazer as coisas certas é mais difícil." Durante os cerca de dois minutos de conversa com o líder turco, nosso morubixaba não fez qualquer pergunta sobre o país que o colega comanda e tampouco se dirigiu ao futuro premiê alemão, que depois de algum tempo virou de costas e foi conversar com o primeiro-ministro do Reino Unido.
Por mais dramática que seja a situação dos caminhoneiros, a greve não
trará o refrigério desejado pela categoria, mas infernizará a vida da população como um todo (basta lembrar o
que aconteceu em 2018). O problema e a respectiva solução estão na
política de preços da Petrobras. Dados oficiais dão conta de que o fator que
mais pesou para o aumento no preço dos combustíveis, nos últimos meses, não foi
o ICMS, mas os reajustes praticados pela estatal com base no câmbio e na
cotação do petróleo no mercado internacional.
Na última sexta-feira, foi aprovado o congelamento do ICMS
que incide sobre os combustíveis. Na abalizada opinião do capitão-viajante, esse imposto estadual é o responsável pelo preço escorchante dos derivados do
petróleo (e do álcool, que por alguma razão incerta e não sabida subiu mais que
a gasolina nos últimos meses).
Para quem está se afogando, jacaré é tronco. Ainda que não
passe de um paliativo, a medida pode ter efeitos positivos no curto prazo. Mas
um fundo
de equalização dos combustíveis poderia reduzir o preço do litro da
gasolina de R$ 7,00 para cerca de R$ 4,50, e o do óleo diesel, de
de R$ 4,80 para cerca de R$ 3,70.
A Petrobras, que amargou um prejuízo de R$
1,546 bilhão no terceiro trimestre de 2020, teve um lucro
líquido de R$ 31,1 bilhões entre julho e setembro deste ano. Na última
sexta-feira, o Conselho de Administração da estatal aprovou o pagamento de uma
antecipação da remuneração aos acionistas de cerca
de US$ 6 bilhões.
A União, na condição de principal acionista, deve ficar com
a maior fatia de bolos. Todavia, ao invés de usar a previsão de uso de recursos
de dividendos pagos pela Petrobras para implementar um fundo de estabilização
que ajudasse a conter os aumentos escorchantes no preço dos combustíveis, o
Congresso, de olho nas eleições do ano que vem, aprovou a criação de uma espécie de vale-gás.
A Nau dos Insensatos está acéfala. Sem timoneiro nem rumo. Como
um gigantesco Titanic verde e amarelo, o Brasil ruma em direção ao iceberg
que o porá a pique. Tanto o Legislativo quanto o Judiciário sabem
que de nada adianta trocar as rodas da carroça quando o problema é o burro. Mas
nem um nem outro parecem dispostos a promover essa troca.
Os parlamentares só têm olhos para outubro de 2018. Reformas
estruturais — como a administrativa e a tributária — deixaram
de ser prioridade. O TSE, ao julgar o pedido de cassando a chapa
Bolsonaro/Mourão, deixou claro que, quando compensa, o crime — pois a
maioria dos ministros reconheceu que houve crime — passa a se chamar "disparo
de desinformação em massa".
O ministro Alexandre de Moraes, que presidirá o TSE
durante as próximas eleições, foi categórico: "Se houver repetição
do que foi feito em 2018, o registro será cassado. E as pessoas que assim
fizerem irão para a cadeia por atentar contra as eleições e a democracia no
Brasil." O ministro Luiz Roberto Barroso, atual presidente
da Corte e até pouco tempo atrás a "Geni" do pajé da
cloroquina, fez eco ao colega de toga: "Essa não é uma decisão para
o passado, essa é uma decisão para o futuro. E nós aqui estamos procurando
demarcar os contornos que vão pautar a democracia brasileira e as eleições do
próximo ano."
Foi como que um déjà vu para quem assistiu o
julgamento do pedido de cassação da chapa Dilma-Temer. Em 2017, sob a
batuta do ministro-deus Gilmar Mendes, o pedido foi rejeitado por 4
votos a 3 — por
excesso de provas, como disse o relator da ação, ministro Herman
Benjamin, cujo posicionamento foi seguido por Luiz Fux e Rosa Weber,
mas restou vencido pelo voto de minerva do então presidente do tribunal.
Na versão atualizada dessa tragicomédia, iniciada na última
terça-feira e concluída na quinta, o ministro-relator Luis Felipe Salomão
reconheceu que a campanha Bolsonaro-Mourão assumiu
contornos de ilicitude ao utilizar diversos meios digitais para minar
indevidamente candidaturas adversárias, em especial dos segundos colocados. Mas
quem acompanhou o julgamento no primeiro dia surpreendeu-se com a guinada que
ocorreu do meio para o final, sobretudo quando o relator votou contra os
pedidos de cassação e foi acompanhado por todos os demais ministros.
No julgamento da chapa Dilma-Temer, que venceu a dupla Aécio-Aloysio numa campanha financiada com verbas sujas da Odebrecht, disse o relator: "Eu, como juiz, recuso o papel de coveiro de prova viva. Posso até participar do velório. Mas não carrego o caixão." Agora, todos os ministros do TSE levaram a mão às alças do caixão.
Segundo Josias de Souza, para salvar a chapa Bolsonaro-Mourão o TSE
morreu mais um pouco. O cronista Nelson Rodrigues ensinou que "morrer
significa, em última análise, um pouco de vocação", escreveu Josias
em sua coluna. E concluiu: "há vivos tão pouco militantes que a plateia
fica com vontade de lhes enviar coroas de flores ou de atirar em cima deles a
última pá de cal".