No domingo 26, que marcou os mil dias de desgoverno Bolsonaro, o país ficou sabendo que Pedro Guimarães, presidente da Caixa Econômica Federal — banco estatal colonizado pelo bolsonarismo —, também havia sido infectado pela Covid.
Poderia ser apenas algo a lamentar, mas há
responsabilidades moral e ética quando os infectados pertencem a um grupo
militante que faz pouco caso da vacina e das medidas de prevenção. E, nesse
caso, respondem por coisa muito mais grave do que contrair o vírus: contribuem
para disseminá-lo de maneira determinada e consciente.
A viagem de Bolsonaro e comitiva é, então, a melhor
síntese dos tais "Mil Dias de Governo". É claro que o número é
só um pretexto para um balanço. Ao governo, servirá para dar início à campanha
eleitoral. Por que "Mil"? Imagina-se que, a partir do 1001º dia, uma
nova jornada se inicia? Por que esta não poderia ter começado do 735º?
Já estão em curso os levantamentos por aí, não é? Reforma da
Previdência; trajetória da dívida pública; a taxa de juros; o comportamento da
inflação; geração de empregos; investimento privado nacional e estrangeiro...
Tudo isso tem de ser revisitado. São dados importantes para avaliar a eficácia,
ou não, de políticas públicas.
A pandemia fez, sim, sombra a todos esses números. Vivemos
dias inéditos, e o governo, igualmente, contou com instrumentos nunca dantes
vistos para responder a esses desafios. E, então, é preciso ver se reagiu à
altura das facilidades que lhe franquearam o Congresso e o Judiciário. A
resposta, obviamente, é negativa.
Por mais que os levantamentos, digamos, administrativistas
sejam importantes e devam ser feitos, não podemos correr o risco de normalizar
essa gestão. O governo poderia ser absurdamente incompetente — e também é, como
se sabe —, mas cabe indagar: por que é também golpista e negacionista?
As marcas principais do desgoverno ainda em curso não podem
ser diluídas nem mesmo no mais negativo dos balanços que se possa fazer de sua
gestão. Esse período tem de se transformar numa experiência a ser esconjurada,
transformada em anátema. Temos de salgar e esterilizar esse território para que
para que flores do mal jamais voltem a brotar.
O governo não entrega bons resultados, mas essa ruindade não
pode transformar o "Mito" apenas num gestor incompetente e trapalhão.
Bolsonaro nunca precisou de conflito entre Poderes — na verdade, essa é
uma ficção inventada pelo próprio Planalto — para estimular a pregação do
golpe.
A primeira manifestação de rua pedindo o fechamento do
Congresso e do Supremo data de 26 de maio de 2019. Rodrigo Maia, então
presidente da Câmara, era peça central na reforma da Previdência e se tinha se
tornado já um dos principais alvos dos fascistoides. A máquina de difamação que
atingiu o Supremo, em associação ainda com o lavajatismo, levou Dias Toffoli
a abrir o Inquérito das "fake news" — que segurou os golpistas
pelo rabo e pelo chifre — no dia 14 de março daquele ano.
Gostam de números inteiros? Não se contavam ainda nem 100
dias de governo quando Bolsonaro, por intermédio de quatro atos, havia
cometido cinco crimes de responsabilidade — todos eles ligados à
agressão às instituições. Era evidente que não iria parar.
Havia um desânimo evidente em setores da elite que apostaram
literalmente num milagre, que é o acontecimento sem causa. Por que diabos,
afinal de contas, ele faria um bom governo ou encaminharia soluções
institucionais? Em que momento de sua trajetória política ele se mostrou
reverente à lei e à ordem? Nem quando era militar.
Se os outros Poderes não criavam nenhuma dificuldade
especial para Bolsonaro — e seu golpismo, pois, tinha raiz no delírio
autoritário —, como explicar a sandice negacionista? O fenômeno, é verdade, não
está restrito ao Brasil, mas o presidente lhe conferiu a dimensão de política
de Estado. O Brasil é o único país do mundo que adotou o tal "Kit
anti-Covid" como resposta oficial à doença, ao arrepio das evidências
científicas.
Nos primeiros dias da pandemia, era correto afirmar que não
havia provas da eficácia das tais drogas, mas não tardou para que se pudesse
afirmar que elas eram inócuas contra o vírus. Bolsonaro não recuou. Pelo
contrário, dobrou a aposta e foi além, atacando e sabotando o distanciamento
social, combatendo o uso de máscaras e fazendo apologia antivacina.
Coroou essa trajetória o discurso abjeto do sultão do
Bananistão na ONU. Entre os quatro contaminados de sua comitiva está Marcelo
Queiroga, o patético ministro da Saúde. Como é quem é, Bolsonaro
gravou um vídeo, em conversas com extremistas de direita da Alemanha, em que
afirma que os que morreram de Covid apenas tiveram a morte antecipada em
alguns dias ou semanas: iriam morrer de qualquer jeito.
Eu sei que parece estranho dizer as coisas deste modo, mas é
necessário: não podemos correr o risco de permitir que a incompetência de Bolsonaro
minimize seus crimes.
Com Reinaldo Azevedo