Com uma competição particular entre os candidatos a ser o “Bolsonaro do Bolsonaro”. Alguém que tire do incumbente a liderança do bloco que vai do centro para a direita, exatamente como o atual presidente fez com o PSDB na corrida de 2018. Um PSDB que nas seis disputas anteriores ou ganhara ou pelo menos fora ao segundo turno...
Os dois pré-candidatos tucanos afiaram as lanças na última
semana, exibindo suas impecáveis credenciais antipetistas, pouquíssimo tempo
após a vaga de opiniões e emocionados apelos pela “frente ampla”. Faz sentido.
Para a legenda, a vaga em disputa no segundo turno não é a de Lula, mas
a do adversário dele. E os governadores paulista e gaúcho estão num momento de
“ciscar para dentro”.
Enquanto isso, Bolsonaro busca um certo
reposicionamento, mostrando que a carta redigida em conjunto com o ex Michel
Temer não foi raio em céu azul. Tem lógica. O presidente não enfrenta
concorrência séria no campo da direita; se mantiver os traços estruturais de
seu discurso, pode tranquilamente fazer movimentos táticos ao “centro”,
inclusive por não ter maiores antagonismos com o centrismo. Corre pouco risco
de perder substância.
Quanto vai durar a (quase) calmaria? Um palpite é que dure
enquanto os dois blocos que hoje travam a disputa mais acalorada — o bolsonarismo
e o centrismo — acreditarem reunir potencial de voto para prevalecer em outubro
de 2022. Por isso mesmo, seria imprudente apostar todas as fichas num processo
eleitoral no padrão dos anteriores, absolutamente estável. Pois alguma hora um
desses dois blocos notará que a vaca está indo para o brejo. A não ser que Lula
derreta no caminho. O que por enquanto não está no horizonte.
E os imprevistos? Como dito amiúde, é imprudente
desprezá-los. Especialmente diante de um Judiciário fortemente inclinado ao
ativismo. Mas eventuais decisões que removam algum contendor manu
militari não garantem vida fácil a quem sobrar na corrida. Pois pode
perfeitamente acontecer como em 2018: o removido apoiar alguém e manter ocupado
o espaço político que se pretendeu deixar vago.
E há outra variável, que ensaia alguns passos, costeando o
alambrado: Sergio Moro. As ofertas para ele estão feitas. Com o
pulverizado cenário da “terceira via”, a possibilidade de ocupar esse espaço não deixa de ser
atraente para o ex-juiz e ex-ministro.
Mas a pergunta que não quer calar é: Por que os opositores
não se reúnem numa frente ampla contra Bolsonaro? A explicação está ao
alcance. Qual dos candidatos a participar da frente vê no capitão uma ameaça
significativamente maior que a representada pelos possíveis aliados táticos
contra o presidente da República? Pois seria simples de resolver. Bastaria
todos firmarem o compromisso de apoiar quem for ao segundo turno contra Bolsonaro
— se o presidente estiver no segundo turno. Poupariam tempo e energia. E
cada um faria seus próprios comícios, passeatas e que tais. Sem o risco de ser
apupado pelos amigos de hoje, que amanhã voltarão a ser os inimigos de ontem.
Qual é o obstáculo?
Em largas parcelas do espectro político-social-empresarial, apoiar
Bolsonaro ou manter certa neutralidade, no primeiro ou no segundo turno,
continua sendo uma opção à mesa. E alianças políticas só se consolidam quando
se cristaliza a consciência, ou a circunstância, de uma ameaça externa
qualitativamente maior.
Um exemplo aliancista sempre lembrado é o da Frente Ampla
costurada por Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek, que tentou
atrair João Goulart. No fim, o regime militar implodiu a articulação e ela
acabou sendo o canto do cisne político dos três. Eram inimigos e só começaram a
conversar sobre juntar-se quando a ameaça existencial política já tinha
desabado ou estava apontada para todos eles. Lacerda fora um líder de
1964. E JK votara no marechal Castelo Branco na eleição indireta
para substituir o deposto Jango.
Outro episódio de referência é a II Guerra Mundial. União
Soviética, Estados Unidos e Reino Unido juntaram-se para derrotar a Alemanha. O
incauto Bolsonaro que comemora ostracismo do MST pode ser
induzido a acreditar na fábula das três potências que certa hora decidiram
salvar a humanidade, deixaram para depois as diferenças e deram-se as mãos na
urgente tarefa comum.
O Reino Unido e a França declararam guerra à Alemanha quando
esta invadiu a Polônia, mas britânicos e franceses esconderam-se numa guerra de
mentirinha (phoney war), ou pelo menos de baixa intensidade, até os alemães
atacarem a França.
A União Soviética só passou a combater a Alemanha quando foi
invadida por ela, em junho de 1941. Antes, firmara em 1939 um pacto de não
agressão com Berlim, para neutralizar a pressão que britânicos e franceses
faziam sobre os alemães para que estes atacassem os soviéticos. E os Estados
Unidos só entraram na guerra quando atacados pelos japoneses em Pearl Harbor,
em dezembro de 1941.
Súditos da rainha, liderados de Stalin e comandados
por Roosevelt só se deixaram arrastar diretamente para a guerra quando
se viram diante de uma ameaça existencial direta. A eles mesmos (União
Soviética), a seu império (Reino Unido) ou a sua área de influência no Pacífico
(Estados Unidos).
Que futuro o PT oferece ao “centro” para este fechar
as portas definitivamente a Bolsonaro? E que garantias a esquerda raiz
tem de vida mais fácil num governo da “terceira via”? Dizer “vamos tirar o
Bolsonaro e só depois eu corto teu pescoço” não chega a ser uma sedução
irresistível.
Com Alon Feuerwerker