segunda-feira, 18 de outubro de 2021

PAU QUE DÁ EM CHICO DÁ EM FRANCISCO

Interrompo a sequência sobre a história republicana desta banânia para fazer um breve retrospecto da semana que passou (por mais desagradável que seja, o que acontece no universo da patética política tupiniquim nos afeta a todos).

Não bastassem a escalada inflacionária, a energia elétrica pela hora da morte, o câmbio nas alturas e a permanência do inquilino de turno no Palácio do Planalto, soma-se ao fantasma da crise hídrica e energética uma nova ameaça de greve dos caminhoneiros, que prometem parar no próximo dia 1º se o governo não atender sua pauta de reivindicações. Não que eles não tenham razão, longe disso. Mas bloquear estradas e interromper o abastecimento não só não ajuda como atrapalha. E muito.

Nesse entretempo, a terceira via parece cabeça de bacalhau: a gente sabe que existe, mas ver, que é bom... Segundo as pesquisas de intenções de voto, o sumo pontífice do lulopetismo corrupto continua à frente do cardeal do bolsonarismo boçal — que, sabe-se agora, chora escondido no banheiro. Vai ver ele se deu conta de que até as marafonas do Centrão já o consideram azarão em 2022, embora continuem a apoiá-lo (quando o dinheiro fala, até a política cala).

O verdugo do Planalto não se emenda. Só mudou o discurso por medo do TSE, já que tem Augusto Aras como cão de guarda e o réu Arthur Lira como divino salvador. Por falar no nobre presidente da Câmara, em entrevista concedida na última quarta-feira disse sua insolência: a emenda constitucional que potencializa a interferência política no Conselho Nacional do Ministério Público é boa porque "amplia a participação da sociedade civil" no órgão responsável por fiscalizar a conduta de promotores e procuradores. Pelo visto, Lira acha que somos todos Velhinhas de Taubaté.

O Planalto pediu ao STF que rejeite uma ação para que Lira dê destino aos quase 200 (!) pedidos de impeachment em desfavor do capetão, sob o argumento de que a Constituição não fixa prazo para a análise dos pedidos e o impeachment é um processo político que pertence ao Legislativo. Que a Constituição é falha, isso salta aos olhos de qualquer iletrado. Mas até aí morreu Neves.

"Pau que dá em Chico dá em Francisco", como dizia a saudosa Cristiana Lobo, que sumiu do g1 faz um tempão. O governo tem razão quando diz que dar andamento aos pedidos de impeachment de Bolsonaro é prerrogativa do réu que preside a Câmara, mas não quando reclama que Davi Alcolumbre faz o mesmo com a indicação de André Mendonça para o STF. Até porque a Constituição é falha também nesse quesito (e em muito outros, é bom que de siga).

Segundo Thaís Arbex, da CNN, Alcolumbre pretende manter o buzanfã sobre a indicação de Mendonça até 2023, para que a nomeação do próximo ministro do STF caiba ao mandatário que vencer o pleito de 2022. Caso isso se confirme, o STF permaneceria com 10 ministros por mais 14 meses. O senador amapaense diz seguir o exemplo do Senado americano, que, em 2016, se recusou a apreciar a indicação de Obama para a Suprema Corte sob o argumento de que faltava menos de um ano para o fim do mandato do presidente. 

De acordo com Ricardo Rangel, de Veja, o argumento de Alcolumbre é uma dupla empulhação. Primeiro, porque o que o Senado americano fez não foi normal ou razoável, foi o que se chama "jogo duro constitucional": algo que não é ilegal, mas é anômalo, não se justifica e atrapalha o funcionamento das instituições. Segundo, porque a decisão de barrar a indicação de Obama foi tomada pela maioria dos senadores, ao passo que a de Mendonça está sendo barrada por apenas um, que acontece de ser o próprio Alcolumbre — que acontece de ter interesses pessoais no assunto.

Tanto o caso de Lira quanto o de Alcolumbre resultam de falhas da Constituição Cidadã — que o próprio Ulysses Guimarães reconheceu ser imperfeita. O poder absoluto que o presidente da CCJ do Senado tem de bloquear a nomeação de Mendonça é ainda mais absurdo porque a Carta Magna não estipula prazo para apreciação da indicação presidencial.

E o mesmo se aplica à prerrogativa constitucional que concede ao presidente da Câmara poderes para bloquear, sozinho, o impeachment do chefe do Executivo, e ao procurador-geral, de bloquear, sozinho, aberturas de inquéritos contra o mandatário.

Em vez de reclamar da judicialização da política — reclamação que não se sustente, na medida em que o STF só age quando provocado — o Congresso deveria mais é corrigir essas falhas e eliminar esses gargalos.

Para concluir, encerrar-se-ia hoje a CPI do Genocídio, cujo relatório seria lido amanhã e votado na quarta-feira. Mas o mundo gira, a Lusitana roda e as coisas mudam. Não me refiro à desistência do G7 de ouvir pela terceira vez as baboseiras do ministro da Saúde (que está cada vez mais parecido com seu antecessor), que, aliás, não foi um recuo, mas um lance estratégico — visando não dar palanque a Queiroga, cuja intenção é concorrer a algum cargo eletivo em 2022. Refiro-me ao adiamento da conclusão dos trabalhos, conforme foi informado ontem pelo relator.

Segundo Renan Calheiros, o adiamento se deveu a uma decisão do presidente da comissão, senador Omar Aziz. Ainda segundo Renan, a nova data ainda não foi definida. Ele admitiu ainda que deve mudar relatório final antes de submetê-lo ao plenário. Também foi cancelada a reunião marcada para esta segunda-feira, quando seriam ouvidos Nelson Mussolini, do Conselho Nacional de Saúde, e Elton da Silva Chaves, do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde, mas ficou mantida a audiência pública para ouvir o depoimento de "vítimas diretas e indiretas" da pandemia.

Segundo o g1, o relatório final da CPI deve pedir o indiciamento de Bolsonaro por pelo menos 11 crimes no enfrentamento à pandemia, bem como responsabilizar a primeira prole, ministros e ex-ministros, funcionários e ex-funcionários do governo, deputados e médicos. No total, a comissão deve propor que 63 pessoas sejam indiciadas.

Nas mais de mil páginas do relatório, Renan Calheiros deve afirmar que:

  • o governo manteve um gabinete paralelo para dar suporte a medidas na área de saúde contra as evidências científicas;
  • trabalhou com a intenção de imunizar a população por meio de contaminação natural, a chamada imunização de rebanho;
  • priorizou o tratamento precoce sem eficácia comprovada;
  • agiu contra a adoção de medidas não farmacológicas, como o distanciamento social e o uso de máscaras;
  • deliberadamente, atuou para atrasar a compra de vacinas.