Não bastassem a escalada inflacionária, a energia elétrica
pela hora da morte, o câmbio nas alturas e a permanência do inquilino de turno
no Palácio do Planalto, soma-se ao fantasma da crise hídrica e energética uma
nova ameaça de greve dos caminhoneiros, que prometem
parar no próximo dia 1º se o governo não atender sua pauta de reivindicações.
Não que eles não tenham razão, longe disso. Mas bloquear estradas e interromper
o abastecimento não só não ajuda como atrapalha. E muito.
Nesse entretempo, a
terceira via parece cabeça de bacalhau: a gente sabe que existe, mas
ver, que é bom... Segundo as pesquisas de intenções de voto, o
sumo pontífice do lulopetismo corrupto continua à frente do cardeal do bolsonarismo
boçal — que, sabe-se agora, chora
escondido no banheiro. Vai ver ele se deu conta de que até as marafonas
do Centrão já o consideram azarão em 2022, embora continuem a apoiá-lo
(quando o dinheiro fala, até a política cala).
O verdugo do Planalto não se emenda. Só mudou o discurso por
medo do TSE, já que tem Augusto Aras como cão de guarda e o réu Arthur
Lira como divino salvador. Por falar no nobre presidente da Câmara, em
entrevista concedida na última quarta-feira disse sua insolência: a
emenda constitucional que potencializa a interferência política no Conselho
Nacional do Ministério Público é boa porque "amplia a
participação da sociedade civil" no órgão responsável por
fiscalizar a conduta de promotores e procuradores. Pelo visto, Lira acha
que somos todos Velhinhas de Taubaté.
O Planalto pediu ao STF que rejeite uma ação para que
Lira dê destino aos quase 200 (!) pedidos de impeachment em desfavor do
capetão, sob o argumento de que a Constituição não fixa prazo para a análise dos
pedidos e o impeachment é um processo político que pertence ao Legislativo. Que
a Constituição é falha, isso salta aos olhos de qualquer iletrado. Mas até aí morreu Neves.
"Pau que dá em Chico dá em Francisco",
como dizia a saudosa Cristiana Lobo, que sumiu do g1 faz um
tempão. O governo tem razão quando diz que dar andamento aos pedidos de impeachment
de Bolsonaro é prerrogativa do réu que preside a Câmara, mas não quando
reclama que Davi Alcolumbre faz o mesmo com a indicação de André
Mendonça para o STF. Até porque a Constituição é falha também nesse
quesito (e em muito outros, é bom que de siga).
Segundo Thaís Arbex, da CNN, Alcolumbre pretende manter o buzanfã sobre a indicação de Mendonça até 2023, para que a nomeação do próximo ministro do STF caiba ao mandatário que vencer o pleito de 2022. Caso isso se confirme, o STF permaneceria com 10 ministros por mais 14 meses. O senador amapaense diz seguir o exemplo do Senado americano, que, em 2016, se recusou a apreciar a indicação de Obama para a Suprema Corte sob o argumento de que faltava menos de um ano para o fim do mandato do presidente.
De acordo com Ricardo Rangel, de Veja, o argumento de Alcolumbre
é uma dupla empulhação. Primeiro, porque o que o Senado americano fez não foi
normal ou razoável, foi o que se chama "jogo duro constitucional":
algo que não é ilegal, mas é anômalo, não se justifica e atrapalha o
funcionamento das instituições. Segundo, porque a decisão de barrar a indicação
de Obama foi tomada pela maioria dos senadores, ao passo que a de Mendonça
está sendo barrada por apenas um, que acontece de ser o próprio Alcolumbre
— que acontece de ter interesses pessoais no assunto.
Tanto o caso de Lira quanto o de Alcolumbre resultam
de falhas da Constituição Cidadã — que o próprio Ulysses Guimarães
reconheceu
ser imperfeita. O poder absoluto que o presidente da CCJ do Senado tem
de bloquear a nomeação de Mendonça é ainda mais absurdo porque a Carta
Magna não estipula prazo para apreciação da indicação presidencial.
E o mesmo se aplica à prerrogativa constitucional que concede
ao presidente da Câmara poderes para bloquear, sozinho, o impeachment do chefe
do Executivo, e ao procurador-geral, de bloquear, sozinho, aberturas de inquéritos
contra o mandatário.
Em vez de reclamar da judicialização da política —
reclamação que não se sustente, na medida em que o STF só age quando
provocado — o Congresso deveria mais é corrigir essas falhas e eliminar esses
gargalos.
Para concluir, encerrar-se-ia hoje a CPI do Genocídio, cujo
relatório seria lido amanhã e votado na quarta-feira. Mas o mundo gira, a Lusitana
roda e as coisas mudam. Não me refiro à desistência do G7 de ouvir pela
terceira vez as baboseiras do ministro da Saúde (que está cada vez mais
parecido com seu antecessor), que, aliás, não foi um recuo, mas um lance
estratégico — visando não dar palanque a Queiroga, cuja intenção é concorrer a
algum cargo eletivo em 2022. Refiro-me ao adiamento da conclusão dos trabalhos,
conforme foi informado ontem pelo relator.
Segundo Renan Calheiros, o adiamento se deveu
a uma decisão do presidente da comissão, senador Omar Aziz. Ainda
segundo Renan, a nova data ainda não foi definida. Ele admitiu ainda que
deve mudar
relatório final antes de submetê-lo ao plenário. Também foi cancelada a
reunião marcada para esta segunda-feira, quando seriam ouvidos Nelson
Mussolini, do Conselho Nacional de Saúde, e Elton da Silva Chaves,
do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde, mas ficou mantida a audiência
pública para ouvir o depoimento de "vítimas diretas e indiretas" da
pandemia.
Segundo o g1, o relatório final da CPI deve
pedir o indiciamento
de Bolsonaro por pelo menos 11 crimes no enfrentamento à pandemia, bem
como responsabilizar a primeira prole, ministros e ex-ministros, funcionários e
ex-funcionários do governo, deputados e médicos. No total, a comissão deve
propor que 63 pessoas sejam indiciadas.
Nas mais de mil páginas do relatório, Renan Calheiros
deve afirmar que:
- o
governo manteve um gabinete paralelo para dar suporte a medidas na área de
saúde contra as evidências científicas;
- trabalhou
com a intenção de imunizar a população por meio de contaminação natural, a
chamada imunização de rebanho;
- priorizou
o tratamento precoce sem eficácia comprovada;
- agiu
contra a adoção de medidas não farmacológicas, como o distanciamento
social e o uso de máscaras;
- deliberadamente,
atuou para atrasar a compra de vacinas.