quarta-feira, 10 de novembro de 2021

AINDA SOBRE A VERGONHOSA PEC DOS PRECATÓRIOS

ATUALIZAÇÃO

Acabou o suspense: Graças a uma estratégia vergonhosa — que envolveu a distribuição de R$ 1,4 bi em emendas parlamentares nas últimas duas semanas (emendas do relator, controladas e distribuídas pelo réu que preside a Câmara e avalizadas pelo capitão-probidade) —, o plenário da Câmara aprovou em segundo turno, por 323 votos a 172, o calote em dívidas judiciais da União. A oposição critica a proposta, destacando que o intuito do governo não se restringe auxílio assistencialista populista de Bolsonaro, mas sim a ampliar o espaço das emendas parlamentares sob controle de Lira em mais de R$ 91 biO governo espera que a PEC seja promulgada pelo Congresso em até duas semanas — sem o que não haverá espaço no Orçamento para o pagamento do auxílio ser iniciado em dezembro, como já foi anunciado pelo Planalto. Se o Senado fizer alterações no texto, a PEC voltará à Câmara, e vale lembrar que falta pouco mais de um mês para o recesso de final de ano.

Também na tarde de ontem, o STF formou maioria para manter a decisão da ministra Rosa Weber de proibir o pagamento das emendas de relator a deputados e senadores. A decisão tem potencial para desencadear nova crise entre o Legislativo e o Executivo. Os ministros Barroso, Fachin, Cármen, Lewandowski e Moraes seguiram o voto da relatora. Gilmar Mendes foi o único a divergir até o momento (o preposto de Bolsonaro ainda não votou). 

Lira foi questionado acerca do posicionamento dos magistrados, mas saiu pela tangente. Qualificou à vitória em segundo turno de "excelente" e "demonstração de força da Câmara", e disse que um grupo de trabalho será criado na Casa antes de o Supremo terminar o julgamento, para que a solução venha do Legislativo. "Quando o Supremo decide interferir no andamento interno de um processo legislativo do Congresso, nós precisamos sentar, conversar para não ter, e a Câmara nunca fez, nem o Senado, eu espero, flechadas de todos os lados." A conferir.

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Enquanto o réu que preside a Câmara move mundos e fundos para viabilizar a aprovação da PEC dos Precatórios em segundo turno. No último dia 3, ela passou raspando, com quatro votos além dos 308 necessários para evitar o arquivamento da proposta. Pelo menos três pedidos de suspensão da tramitação da maracutaia estão sob a relatoria da ministra Rosa Weber, que havia dado 24 horas de prazo, contadas a partir do último domingo (7), para que a Mesa Diretora da Câmara e o presidente da Casa se manifestassem sobre o mandado de segurança impetrado pelo deputado Rodrigo Maia.

Dirigentes e líderes de partidos de centro e da oposição — como o PDT — querem reverter o quadro para enterrar a proposta que estabelece o adiamento do pagamento de dívidas da União reconhecidas pela Justiça e fura o teto de gastos. Um grupo de parlamentares capitaneados pela deputada Joice Hasselmann também impetrou um mandado de segurança no STF para tentar cancelar a sessão da última quarta-feira. Eles questionam o ato de Lira de seus asseclas da Mesa Diretora, permitindo que deputados licenciados votassem.

Joice chamou a PEC de "mensalão bolsonarista" e afirmou, em entrevista concedida ao âncora José Luiz Datena, da Band, ter sido procurada por um ministro, que lhe ofereceu R$ 15 milhões em emendas parlamentares em troca de sua desistência de "melar" a aprovação da proposta. “A emenda de relator é uma excrecência, é um absurdo. É um assalto ao povo brasileiro, um assalto à mão armada”, resumiu a deputada.

Joice disse ainda que os bastidores da votação foram algo nunca visto, com dinheiro distribuído a mancheias, pressão e ameaça. Cerca de R$ 100 bilhões de dinheiro público para que o presidente Bolsonaro compre votos dos mais pobres, deixando uma conta impagável para os próximos presidentes.

Partidos de oposição que militam pelo combate à corrupção venderam seus votos em feira livre. O governo ofereceu R$ 15 milhões por voto de deputado do baixo clero (para líderes, o valor é ainda maior). Uma negociata que destrói a economia brasileira, aumenta a inflação e agrava a situação de penúria dos mais pobres. Ainda segundo Joice, o artigo 235 do regimento da Câmara é claro: deputados em missão oficial estão licenciados. Ponto. Se deputados que "estão ministros" querem votar, eles precisam renunciar ao cargo e reassumir o mandato parlamentar. Não podem votar lá da Esplanada dos Ministérios.

Articula-se no Senado uma resistência contra a PEC. Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, ajusta o discurso. Dizia estar disposto a tratar a matéria com "senso de urgência", enviando-a diretamente para o plenário. Líderes partidários levaram o pé à porta, e Pacheco passou a mencionar a hipótese de submeter a proposta à análise prévia da CCJ — que é presidida pelo senador Davi Alcolumbre, cujo descontentamento com o Planalto cresce na proporção direta do aumento da exposição da rachadinha que se abriu na folha do seu gabinete.

Em manifestações enviadas ao STF nesta terça-feira (9), Arthur Lira afirmou que a corte não deve interferir em assuntos que dizem respeito ao Congresso, pois "trata-se de questões meramente internas da Casa, devendo os questionamentos serem resolvidos pelo próprio Parlamento, por se tratar de matéria interna”, que não estão, consequentemente, sujeitas a "controle judicial".

Também nesta terça, Rosa Weber indeferiu o pedido de suspensão do segundo turno da votação da PEC, desacolhendo o apelo feito pelo PDT e por deputados como Alessandro Molon (PSB-RJ), Fernanda Melchionna (PSOL-RS), Joice Hasselmann (PSL-SP), Kim Kataguiri (DEM-SP), Marcelo Freixo (PSB-RJ), Vanderlei Macris (PSDB-SP), Rodrigo Maia (sem partido-RJ), que apontam ilegalidades no primeiro turno da votação — entre as quais emendas aglutinativas e votos de parlamentares no exterior.

A ministra entendeu que, devido ao princípio da separação dos Poderes, não cabe ao STF intervir em matérias de assunto interno da Casa Legislativa, e destacou que a votação remota não fere princípio constitucional mesmo que a medida não esteja expressa na Carta Magna (na época em que a Constituição foi promulgada, não havia a tecnologia atual para se pudesse tratar do voto remoto). Ela afirmou ainda que não há necessidade de mandado de segurança neste momento, haja vista que a matéria terá de ser votada em segundo turno na Câmara e ser votada em dois turnos pelo Senado. 

Ao decidir não interferir em questões internas da Câmara, a ministra deixou claro que, ao suspender o pagamento das emendas do orçamento secreto, ela não usurpou nenhuma prerrogativa do Legislativo — ao contrário do que afirmaram Bolsonaro, Lira e a direção do Senado. Rosa argumentou que a votação da PEC em primeiro turno, sem análise de emenda aglutinativa por uma comissão especial da Câmara e com participação remota de parlamentares que estavam viajando não feriu nenhum preceito da Constituição. Assim, não caberia ao Supremo meter a colher nesse angu: se as questões são regimentais, cabe aos deputados debatê-las.

No caso das emendas secretas, bastaria que o seu pagamento pusesse em risco um dos princípios constitucionais que regem a administração pública para legitimar a intervenção do STF. Mas são vários os princípios atropelados, razão pela qual absurdo seria a corte não se pronunciar. “Não podemos confundir as coisas”, disse o jurista Miguel Reale Jr. "É o Congresso que não tem autonomia para ignorar princípios constitucionais, especialmente da moralidade e da transparência."

É cretinice falar, nesse caso, em interferência do Judiciário no Legislativo. A ministra exerceu o papel de guardiã da Constituição em defesa do arranjo — transparência, publicidade, moralidade e impessoalidade — que dá higidez à coisa pública. Agiu contra a censura ao cidadão promovida pelo Parlamento — o comando autocrático da Casa do Povo de súbito avaliando que poderia manusear o Orçamento sem que a população pudesse ver.

É para isso que existe a Corte constitucional. Para promover o controle de constitucionalidade e afirmar que, na República, estar investido de poder não equivale a uma licença-arbitrariedade; como quando Luís Roberto Barroso obrigou Rodrigo Pacheco a se comportar como presidente do Senado e instaurar a CPI do Genocídio — não foi intervenção, mas lembrança, em favor da democracia representativa, de que a Constituição, apesar dos pachecos, estabelece o Legislativo como Poder independente.

Acertou Barroso então, com acerta Weber agora. O Parlamento é Poder autônomo, mas sua autonomia não significa independência dos princípios constitucionais. A não ser que estejamos de acordo com a possibilidade de o Legislativo, em conluio com o Executivo, forjar um modo discricionário de controle e execução do Orçamento da União cuja natureza consista na falta de transparência para a distribuição de bilhões a aliados de ocasião.

Isso é o próprio descumprimento de preceito fundamental — um esculacho à Constituição aplicado com objetivo de aprovar uma emenda... à Constituição.

Muito mais grave que a licença oportunista para que deputados licenciados votassem remotamente foi o que Lira fez ao achincalhar a estrutura da emenda aglutinativa. Um presidente da Câmara que — em prol de seus compromissos — move-se degradando as regras da Casa que dirige. Também aí se explica a fundamentação da sociedade com Bolsonaro: o deputado despreza a democracia representativa tanto ou mais que o presidente da República.

O episódio esclarece que a blitz pela aprovação da PEC nunca foi por abrir fundos ao novo Bolsa Família. Sempre foi — manipulando a urgência da miséria — por mais espaço ao livre fluxo do orçamento secreto no ano eleitoral de 2022. Ou se teriam cortado... emendas. Não. E eis o que temos, afinal: em busca de convencer parlamentares a votar por um projeto que, como finalidade, dar-lhes-ia mais emendas em 2022, oferece-lhes mais emendas em 2021. A ver como a Câmara — a se confirmar o esvaziamento da ferramenta de diplomacia de Lira — tratará a PEC em segundo turno.

O Supremo tem se excedido em decisões monocráticas, o que deixa a corte vulnerável à crítica de que não reconhece limites. Mas muita gente — sobretudo Bolsonaro e sua curriola — vem esgrimindo esse argumento de maneira desonesta, tentando impedir o tribunal de defender a Constituição e a democracia quando elas precisam de defesa enfática.

Como no Brasil tudo que é certo vira duvidoso para que gatunos possam gatunar em paz, não custa repetir: no caso das emendas secretas, o STF agiu certo até agora — e dentro das suas atribuições. Resta saber qual será o placar do julgamento virtual que está em curso na corte. No momento em que escrevo estas linhas, quatro ministros além da própria relatora — Edson Fachin, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso — votaram pela suspensão do pagamento das emendas de relator ao Orçamento da União, o chamado "orçamento secreto", que destina R$ 3 bilhões em emendas parlamentares para reforçar a cooptação de deputados da base bolsonarista na Câmara.

Na avaliação da ministra, o orçamento secreto carece de transparência quanto às emendas de relator, instrumento criado pelos parlamentares com o objetivo de enviar dinheiro às bases eleitorais. A votação teve início na primeira hora desta terça e segue até as 23h59min de hoje (10/11). Ainda faltam votar os ministros Kássio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux.