ATUALIZAÇÃO:
Acabou o suspense: Graças a uma estratégia vergonhosa — que envolveu a distribuição de R$ 1,4 bi em emendas parlamentares nas últimas duas semanas (emendas do relator, controladas e distribuídas pelo réu que preside a Câmara e avalizadas pelo capitão-probidade) —, o plenário da Câmara aprovou em segundo turno, por 323 votos a 172, o calote em dívidas judiciais da União. A oposição critica a proposta, destacando que o intuito do governo não se restringe auxílio assistencialista populista de Bolsonaro, mas sim a ampliar o espaço das emendas parlamentares sob controle de Lira em mais de R$ 91 bi. O governo espera que a PEC seja promulgada pelo Congresso em até duas semanas — sem o que não haverá espaço no Orçamento para o pagamento do auxílio ser iniciado em dezembro, como já foi anunciado pelo Planalto. Se o Senado fizer alterações no texto, a PEC voltará à Câmara, e vale lembrar que falta pouco mais de um mês para o recesso de final de ano.
Também na tarde de ontem, o STF formou maioria para manter a decisão da ministra Rosa Weber de proibir o pagamento das emendas de relator a deputados e senadores. A decisão tem potencial para desencadear nova crise entre o Legislativo e o Executivo. Os ministros Barroso, Fachin, Cármen, Lewandowski e Moraes seguiram o voto da relatora. Gilmar Mendes foi o único a divergir até o momento (o preposto de Bolsonaro ainda não votou).
Lira foi questionado acerca do posicionamento dos magistrados, mas saiu pela tangente. Qualificou à vitória em segundo turno de "excelente" e "demonstração de força da Câmara", e disse que um grupo de trabalho será criado na Casa antes de o Supremo terminar o julgamento, para que a solução venha do Legislativo. "Quando o Supremo decide interferir no andamento interno de um processo legislativo do Congresso, nós precisamos sentar, conversar para não ter, e a Câmara nunca fez, nem o Senado, eu espero, flechadas de todos os lados." A conferir.
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Enquanto o réu que preside a Câmara move mundos e fundos para viabilizar a aprovação da PEC dos Precatórios em segundo turno. No último dia 3, ela passou raspando, com quatro votos além dos 308 necessários para evitar o arquivamento da proposta. Pelo menos três pedidos de suspensão da tramitação da maracutaia estão sob a relatoria da ministra Rosa Weber, que havia dado 24 horas de prazo, contadas a partir do último domingo (7), para que a Mesa Diretora da Câmara e o presidente da Casa se manifestassem sobre o mandado de segurança impetrado pelo deputado Rodrigo Maia.
Dirigentes e líderes de partidos de centro e da oposição —
como o PDT — querem reverter o quadro para enterrar a proposta que
estabelece o adiamento do pagamento de dívidas da União reconhecidas pela
Justiça e fura o teto de gastos. Um grupo de parlamentares capitaneados pela
deputada Joice Hasselmann também impetrou um mandado de segurança
no STF para tentar cancelar a sessão da última quarta-feira. Eles
questionam o ato de Lira de seus asseclas da Mesa Diretora, permitindo
que deputados licenciados votassem.
Joice chamou a PEC de "mensalão
bolsonarista" e afirmou, em entrevista concedida ao âncora José
Luiz Datena, da Band, ter sido procurada por um ministro, que lhe ofereceu
R$ 15 milhões em emendas parlamentares em troca de sua desistência de
"melar" a aprovação da proposta. “A emenda de relator é uma
excrecência, é um absurdo. É um assalto ao povo brasileiro, um assalto à mão
armada”, resumiu a deputada.
Joice disse ainda que os bastidores da votação foram
algo nunca visto, com dinheiro distribuído a mancheias, pressão e ameaça. Cerca
de R$ 100 bilhões de dinheiro público para que o presidente Bolsonaro
compre votos dos mais pobres, deixando uma conta impagável para os próximos
presidentes.
Partidos de oposição que militam pelo combate à corrupção
venderam seus votos em feira livre. O governo ofereceu R$ 15 milhões por
voto de deputado do baixo clero (para líderes, o valor é ainda maior). Uma
negociata que destrói a economia brasileira, aumenta a inflação e agrava a
situação de penúria dos mais pobres. Ainda segundo Joice, o artigo 235 do
regimento da Câmara é claro: deputados em missão oficial estão licenciados.
Ponto. Se deputados que "estão ministros" querem votar, eles precisam
renunciar ao cargo e reassumir o mandato parlamentar. Não podem votar lá da
Esplanada dos Ministérios.
Articula-se no Senado uma resistência contra a PEC. Rodrigo
Pacheco, presidente do Senado, ajusta o discurso. Dizia estar disposto a
tratar a matéria com "senso de urgência", enviando-a diretamente para
o plenário. Líderes partidários levaram o pé à porta, e Pacheco passou a
mencionar a hipótese de submeter a proposta à análise prévia da CCJ —
que é presidida pelo senador Davi Alcolumbre, cujo descontentamento com
o Planalto cresce na proporção direta do aumento da exposição da rachadinha que
se abriu na folha do seu gabinete.
Em manifestações enviadas ao STF nesta terça-feira
(9), Arthur Lira afirmou que a corte não deve interferir em assuntos que
dizem respeito ao Congresso, pois "trata-se de questões meramente
internas da Casa, devendo os questionamentos serem resolvidos pelo próprio
Parlamento, por se tratar de matéria interna”, que não estão,
consequentemente, sujeitas a "controle judicial".
Também nesta terça, Rosa Weber indeferiu o
pedido de suspensão do segundo turno da votação da PEC, desacolhendo o
apelo feito pelo PDT e por deputados como Alessandro Molon
(PSB-RJ), Fernanda Melchionna (PSOL-RS), Joice Hasselmann (PSL-SP),
Kim Kataguiri (DEM-SP), Marcelo Freixo (PSB-RJ), Vanderlei
Macris (PSDB-SP), Rodrigo Maia (sem partido-RJ), que apontam
ilegalidades no primeiro turno da votação — entre as quais emendas
aglutinativas e votos de parlamentares no exterior.
A ministra entendeu que, devido ao princípio da separação dos Poderes, não cabe ao STF intervir
em matérias de assunto interno da Casa Legislativa, e destacou que a votação remota não fere princípio constitucional mesmo
que a medida não esteja expressa na Carta Magna (na época em que a Constituição
foi promulgada, não havia a tecnologia atual para se pudesse tratar do voto
remoto). Ela afirmou ainda que não há necessidade de mandado de segurança neste
momento, haja vista que a matéria terá de ser votada em segundo turno na Câmara
e ser votada em dois turnos pelo Senado.
Ao decidir não interferir em questões internas da Câmara, a
ministra deixou claro que, ao suspender o pagamento das emendas do
orçamento secreto, ela não usurpou nenhuma prerrogativa do Legislativo — ao
contrário do que afirmaram Bolsonaro, Lira e a direção do
Senado. Rosa argumentou que a votação da PEC em primeiro turno, sem
análise de emenda
aglutinativa por uma comissão especial da Câmara e com participação
remota de parlamentares que estavam viajando não feriu nenhum preceito
da Constituição. Assim, não caberia ao Supremo meter a colher nesse
angu: se as questões são regimentais, cabe aos deputados debatê-las.
No caso das emendas secretas, bastaria que o seu pagamento
pusesse em risco um dos princípios constitucionais que regem a
administração pública para legitimar a intervenção do STF. Mas são
vários os princípios atropelados, razão pela qual absurdo seria a corte não se
pronunciar. “Não podemos confundir as coisas”, disse o jurista Miguel
Reale Jr. "É o Congresso que não tem autonomia para ignorar
princípios constitucionais, especialmente da moralidade e da transparência."
É cretinice falar, nesse caso, em interferência do
Judiciário no Legislativo. A ministra exerceu o papel de guardiã da
Constituição em defesa do arranjo — transparência, publicidade, moralidade e
impessoalidade — que dá higidez à coisa pública. Agiu contra a censura ao
cidadão promovida pelo Parlamento — o comando autocrático da Casa do Povo de
súbito avaliando que poderia manusear o Orçamento sem que a população pudesse
ver.
É para isso que existe a Corte constitucional. Para promover
o controle de constitucionalidade e afirmar que, na República, estar investido
de poder não equivale a uma licença-arbitrariedade; como quando Luís Roberto
Barroso obrigou Rodrigo Pacheco a se comportar como presidente do
Senado e instaurar a CPI do Genocídio — não foi intervenção, mas
lembrança, em favor da democracia representativa, de que a Constituição, apesar
dos pachecos, estabelece o Legislativo como Poder independente.
Acertou Barroso então, com acerta Weber agora.
O Parlamento é Poder autônomo, mas sua autonomia não significa independência
dos princípios constitucionais. A não ser que estejamos de acordo com a
possibilidade de o Legislativo, em conluio com o Executivo, forjar um modo
discricionário de controle e execução do Orçamento da União cuja natureza
consista na falta de transparência para a distribuição de bilhões a aliados de
ocasião.
Isso é o próprio descumprimento de preceito fundamental — um
esculacho à Constituição aplicado com objetivo de aprovar uma emenda... à
Constituição.
Muito mais grave que a licença oportunista para que
deputados licenciados votassem remotamente foi o que Lira fez ao
achincalhar a estrutura da emenda aglutinativa. Um presidente da Câmara
que — em prol de seus compromissos — move-se degradando as regras da Casa que
dirige. Também aí se explica a fundamentação da sociedade com Bolsonaro:
o deputado despreza a democracia representativa tanto ou mais que o presidente
da República.
O episódio esclarece que a blitz pela aprovação da PEC
nunca foi por abrir fundos ao novo Bolsa Família. Sempre foi — manipulando a
urgência da miséria — por mais espaço ao livre fluxo do orçamento secreto no
ano eleitoral de 2022. Ou se teriam cortado... emendas. Não. E eis o
que temos, afinal: em busca de convencer parlamentares a votar por um projeto
que, como finalidade, dar-lhes-ia mais emendas em 2022, oferece-lhes mais
emendas em 2021. A ver como a Câmara — a se confirmar o esvaziamento da
ferramenta de diplomacia de Lira — tratará a PEC em segundo
turno.
O Supremo tem se excedido em decisões monocráticas, o
que deixa a corte vulnerável à crítica de que não reconhece limites. Mas
muita gente — sobretudo Bolsonaro e sua curriola — vem esgrimindo esse
argumento de maneira desonesta, tentando impedir o tribunal de defender a
Constituição e a democracia quando elas precisam de defesa enfática.
Como no Brasil tudo que é certo vira duvidoso para que gatunos possam gatunar em paz, não custa repetir: no caso das emendas secretas, o STF agiu certo até agora — e dentro das suas atribuições. Resta saber qual será o placar do julgamento virtual que está em curso na corte. No momento em que escrevo estas linhas, quatro ministros além da própria relatora — Edson Fachin, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso — votaram pela suspensão do pagamento das emendas de relator ao Orçamento da União, o chamado "orçamento secreto", que destina R$ 3 bilhões em emendas parlamentares para reforçar a cooptação de deputados da base bolsonarista na Câmara.
Na avaliação da ministra, o orçamento secreto carece de transparência quanto às emendas de relator, instrumento criado pelos parlamentares com o objetivo de enviar dinheiro às bases eleitorais. A votação teve início na primeira hora desta terça e segue até as 23h59min de hoje (10/11). Ainda faltam votar os ministros Kássio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux.