terça-feira, 2 de novembro de 2021

EM ROMA, FAÇA COMO OS ROMANOS... OU NÃO


Roberto Jefferson, notório delator do maior esquema de corrupção da história do Brasil (antes do Petrolão), era unha e carne com Bolsonaro até iniciar suas férias compulsórias no presídio de Benfica. A inércia do capitão-negação em relação aos asseclas é vista com estranheza por alguns bolsonaristas, talvez por não se terem dado conta de que, a exemplo do demiurgo de Garanhuns, o capetão não tem amigos, mas interesses, e não pensa duas vezes antes de abandonar à beira da estrada aliados e ex-aliados, de Santos Cruz a Zé Trovão, seja por desavenças, seja por mera conveniência.

Curiosamente, o "mito" ainda goza de crédito com seus sectários. Fala-se que qualquer coisa que ele fizesse em favor dos despirocados detidos seria tachada de arbitrariedade.  Por outro lado, ainda que a maioria dos “abandonados” continuem o apoiando, há quem se sinta desconfortável com seu silêncio sobre as prisões decretadas pelo STF. Graciela Nienov, que assumiu o comando o PTB durante as férias compulsórias de Jefferson, diz que "o silêncio é assustador”, mas que o partido continuará apoiando o capetão porque "ele representa nossas crenças". Resta saber até quando.

Se depender daquele que fomos obrigados a eleger para impedir a volta do lulopetismo corrupto, a campanha eleitoral do ano que vem será a mais violenta desde a redemocratização. Se nada for feito para evitar o pior, o Brasil será transformado numa versão latifundiária do chiqueirinho do Alvorada, onde apenas devotos do estadista de fancaria miracula serão admitidos. Para o grande líder dessa escumalha, o puxadinho é móvel e pode ser levado para qualquer lugar — de Nova Iorque, onde o ministro da Saúde mostrou o dedo do meio para manifestantes, à embaixada do Brasil em Roma, onde jornalistas foram agredidos, no último domingo, durante um comício improvisado.

Na capital da Itália, Bolsonaro repetiu a cantilena de sempre: disse que o Brasil estava à beira do comunismo quando ele se elegeu; que não errou no combate ao vírus e que a oposição quer derrubá-lo. Mas a oposição existe justamente para dificultar a vida dos que governam, e foram muitos os erros do pajé da cloroquina no enfrentamento da pandemia. Não à toa, a CPI pediu seu indiciamento por pelo menos 9 crimes. 

O isolamento internacional do pária tupiniquim ficou evidente (mais uma vez) neste final de semana. Vídeos de eventos do G20 mostraram Bolsonaro como uma figura isolada, que não participou da foto tirada na Fontana de Trevi, um dos principais pontos turísticos da cidade, com líderes mundiais. Durante caminhada nas ruas de Roma, ele foi criticado pela maneira que lidou com a pandemia e foi chamado de "genocida". Apenas a chanceler alemã Angela Merkel lhe deu atenção, e mesmo assim para se queixar de que ele havia pisado no seu pé: “Só podia ser você”.

A CPI livrou o Brasil do contrato da Precisa e das negociatas da Davati com o governo. Bolsonaro entrou na pandemia com a tese da “gripezinha” e chegou ao final dos trabalhos da Comissão como quem usou o cargo e os meios públicos para fazer o que não poderia e não fazer o que deveria. Dizer que vacina causa AIDS foi uma de suas aleivosias mais grotescas, mas não foi a única e está longe de ser a última.

Observação: A live em que sua alteza irreal disse essa estultice foi desmentida pela Inglaterra e por todas as entidades científicas e médicas sérias, bem como removida do Facebook, do Instagram e do YouTube — mais um vexame de repercussão mundial protagonizado por quem já retirou máscara do rosto de criança, promoveu aglomerações golpistas defronte ao QG do Exército, atribuiu mentirosamente ao TCU um estudo negando o número de mortos, empurrou generais a se vacinarem escondidos, fingiu que não viu e não sabia da roubalheira na Saúde e produziu pérolas de nonsense como “e daí?”, “não sou coveiro”, “vamos parar de mimimi”, “este não é um país de maricas”, e por aí segue a procissão.

A CPI consolidou a imagem do senador Omar Aziz, jogou luzes sobre a garra de seu colega Randolfe Rodrigues e revelou uma bancada feminina formidável, com as senadoras Simone Tebet, Eliziane Gama, Soraya Thronicke, Leila do Vôlei e Zenaide Maia. Também se destacaram os senadores Otto Alencar, Humberto Costa e Rogério Carvalho, e muito contribuíram para o gran finale a experiência política de Tasso Jereissati e a expertise profissional dos delegados Alessandro Vieira e Fabiano Contarato. A escolha de Renan Calheiros para relator foi surpreendente e, por que não dizer, polêmica, mas sua capacidade política foi decisiva: o cangaceiro das Alagoas soube ouvir, avançar, recuar, buscar o consenso. De mais a mais, o que realmente interessava era a investigação e o que realmente importava era o relatório — e ambos foram impecáveis.

Voltando ao último domingo, Bolsonaro assistiu calado à agressão aos jornalistas. Pouco importa se ele atiçou ou não os brutamontes: de tanto ouvirem o chefe ameaçar a imprensa — "essa Globo é uma merda de imprensa"; "pergunte para a sua mãe"; "minha vontade é encher sua boca de porrada" —, seus cães de guarda sentem-se à vontade para agir com truculência.

A viagem do presidente a Roma foi mais um passeio turístico inútil, caríssimo e pago pelos contribuintes brasileiros. Se serviu para alguma coisa, foi para reforçar no exterior a imagem do principal produto da República Miliciana do Brasil: a violência. Cansado de atacar jornalistas por aqui, o bolsonarismo achou de exportar esse tipo de violência, talvez interessado em vender o método para algum autocrata iniciante.

Apesar de provocarem engulhos no naco civilizado da sociedade, as agressões foram um deleite para o bolsonarismo-raiz: em grupos de apoiadores do "mito" nas redes sociais, as imagens foram festejadas e ironizadas, chamadas de mimimi e de vitimismo (para muitos de seus seguidores, um ataque à imprensa em nome de Bolsonaro é uma missão civilizatória, quase divina). Afora isso, a ida do verdugo do Planalto ao G20 serviu apenas para demonstrar, mais uma vez, como o Brasil se tornou tóxico sob a gestão do "único chefe de Estado no mundo acusado de [ser] genocida" — como ele próprio disse, em tom de deboche, ao diretor-geral da OMS.

Com os combustíveis e o gás de cozinha pela hora da morte, com gente buscando ossos em sacos de lixo para saciar a fome, com mais de 13 milhões de desempregados, 608 mil mortos por Covid e o risco de apagão elétrico, Bolsonaro está fragilizado. E quanto mais acuado ele se sente, mais ataca. Resta saber até quando os cidadãos de bem desta republiqueta aturarão seus desmandos. Se depender do Legislativo e do Judiciário, a degustação do troçolho (não confundir com terçolho) seguirá seu curso até o mais amargo fim, no apagar das luzes do ano vem.  

Bolsonaro se dá ao luxo de só bater em Lula e orientar sua ospália de apoiadores a fazer o mesmo porque vê no petralha o adversário mais fácil de derrotar. De resto, bater em nomes que ainda carecem de apoio em massa só serviria para fortalecê-los. Seu pesadelo é a consolidação da assim chamada terceira via, dado o risco de não chegar ao segundo turno — ou quiçá ao primeiro. E o adversário que ele mais teme é o ex-juiz Sergio Moro.

Em entrevista à emissora italiana Sky TG 24, após o entrevistador lembrá-lo de que Lula o chamou de genocida por sua conduta durante a pandemia, Bolsonaro devolveu a gentileza dizendo que a liderança política do petralha começou com um "contato com as Farc" — antigo grupo guerrilheiro da Colômbia que saiu da clandestinidade —, e que a partir daquele momento o molusco teria estabelecido ligação com o narcotráfico. 

Bolsonaro disse ainda que sua vitória nas eleições em 2018 foi "um milagre que salvou o Brasil", e que um ex-chefe do serviço secreto da Venezuela afirmou à justiça da Espanha, em uma carta, que o regime venezuelano financiou presidentes na América Latina, inclusive Lula. Por meio de nota, a assessoria do ex-presidiário afirmou que "todo mundo sabe, no Brasil e no mundo, que Bolsonaro é um mentiroso", mas não foi muito além disso. 

Em outros trechos da entrevista, Bolsonaro afirmou que o governo petista quase levou a Petrobras à falência (o que é verdade), chamou a autodeclarada alma viva mais honesta do Brasil de "oportunista" (o que também é verdade) e distorceu os fatos para defender a narrativa do governo sobre a Amazônia. A essa altura, a Velhinha de Taubaté se revirou na tumba.

E viva o povo brasileiro!