quarta-feira, 3 de novembro de 2021

NÃO VAI SER FÁCIL PARA O CAPITÃO

 

Há três tipos de bolsonaristas na praça: os fanáticos, que cultuam o "mito" de graça; os mercenários, que lucram monetizando as mentiras em canais da Internet e embolsando verbas do orçamento secreto; e os renegados, que vão sendo abandonados no meio da guerra.

Incorporado à ala dos enjeitados, Roberto Jefferson partiu para o ataque. Em carta escrita desde a cadeia, para onde foi enviado depois de pegar em armas nas redes sociais por um golpe militar com Bolsonaro, o delator do mensalão diz agora que o capitão foi infectado pelo vírus que provoca o "vício nas facilidades do dinheiro público".

O preso que havia convidado Bolsonaro a ingressar no seu PTB se irritou porque o presidente preferiu abrir negociações com o PL (de Valdemar da Costa Neto) e o PP (de Ciro Nogueira e Arthur Lira).

Assim como Jefferson, os caciques do Centrão não rasgam dinheiro. Oferecem abrigo a Bolsonaro porque, embora sua reeleição esteja em perigo, as verbas que o Planalto ainda tem a oferecer financiarão a eleição de bancadas maiores na Câmara. Quanto maior a bancada, mais gorda a fatia do fundo partidário. E mais incontornável a chantagem fisiológica a ser feita ao próximo presidente, seja ele quem for.

"Quem anda com lobo, lobo vira, lobo é. Vide Flávio", anotou Jefferson em sua epístola, encostando a irritação na imagem rachadinha de Bolsonaro e sua prole. O ex-coronel da tropa de choque do então presidente Fernando Collor — que se converteu aos encantos monetários da gestão Lula, detonou o mensalão, puxou cadeia junto com o mensaleiro Valdemar — conhece mumunhas que levaram o PP de Lira e Nogueira ao topo das legendas encrencadas no petrolão. Mas os deputados do PTB também estão na fila das emendas secretas do governo Bolsonaro. Se Jefferson diz que o capetão se viciou em dinheiro público, convém não discutir com um especialista.

Mudando de um ponto a outro: Com 19 milhões de brasileiros com fome, não se discute que a renovação do auxílio emergencial é necessária. Tampouco se discute de onde o dinheiro deveria vir: das emendas do orçamento secreto que Arthur Lira e Ciro Nogueira pilotam. Mas Bolsonaro, temendo desagradar ao Centrão, que o mantém na cadeira, achou que furar o teto era uma boa alternativa.

A PEC dos Precatórios, turbinada com o jabuti do auxílio, criará um rombo de quase R$ 100 bilhões. A proposta nem foi aprovada ainda, mas o estrago já está feito: dólar, juros e inflação muito mais altos do que o previsto. O presidente dará com uma mão, tirará com a outra e enfrentará uma campanha eleitoral com a crise econômica muito agravada. Não há sequer garantia de que a proposta será aprovada.

Noves fora o permanente interesse dos parlamentares em abrir espaço para as emendas de relator (até porque é ano eleitoral), uma emenda constitucional exige dois terços dos votos no Congresso. A oposição busca caminhos para barrar, o Senado nunca dá vida fácil ao presidente e Rodrigo Pacheco é candidato ao Planalto.

Não está claro o quanto Bolsonaro ganhará com um auxílio conseguido em troca de sacrificar o teto. Segundo pesquisa recente da Genial/Quaest, a medida é controversa: 44% são contra e 42%, a favor, e agrada aos bolsonaristas e desagrada aos antibolsonaristas na mesma proporção.

Bolsonaro pode ter criado sérias dificuldades econômicas para si mesmo em troca de nada. E o relatório da CPI joga ainda mais lenha na fogueira. O relatório pediu o indiciamento do presidente de República, 3 de seus filhos, 7 de seus ministros e ex-ministros (incluindo dois generais do Exército), 1 seu ex-secretário, 3 de seus assessores, seu líder na Câmara, 7 parlamentares e 6 influenciadores digitais que apoiam incondicionalmente o presidente. Além desses, pediu o indiciamento de funcionários públicos, militares, empresários, médicos, lobistas e atravessadores.

Seja por que motivo for — negacionismo, irresponsabilidade, arrogância, incompetência, covardia, burrice, puxa-saquismo, crueldade, ganância ou maluquice pura e simples —, cada uma dessas 80 pessoas contribuiu muito para maximizar o número de mortes de brasileiros. Ressalte-se, no entanto, que Bolsonaro não é apenas um entre dezenas. Sem sua liderança, seu exemplo e seu estímulo, nenhum dos outros 79 indiciados teria feito o que fez.

O papel do chefe do Executivo no morticínio é preponderante. Mas é preciso registrar que o relatório deixou de fora dois nomes muito importantes: Arthur Lira e Augusto Aras. Deliberadamente, o presidente da Câmara e o procurador-geral da República fizeram vista grossa para os atos inaceitáveis de Bolsonaro: um engavetou, sem motivo, quase 140 pedidos de impeachment, e o outro recusou-se, apesar de ter todos os motivos, a denunciar o presidente. Foi uma omissão consciente e conivente. Sem a blindagem dessa dupla, Bolsonaro não teria conseguido promover a catástrofe que promoveu. E ainda promove.

Augusto Aras não pode se fingir de morto (como Arthur Lira, olimpicamente, fará). O PGR tem trinta dias para informar que medidas tomou. É de esperar que proteja Bolsonaro e, para reduzir a pressão, investigue e denuncie outros. O assunto estará no noticiário, mantendo pressão contínua sobre Bolsonaro, durante toda a campanha eleitoral. E se Aras acabar por denunciar o presidente, o que não é impossível, aí o desgaste é incomensurável.

Na frente digital, o projeto de lei das fake news, a ser aprovado em breve, cria sérios entraves para a principal ferramenta eleitoral bolsonarista: a desinformação. As redes serão reguladas, e aquelas que não operam no Brasil — como o Telegram, favorito dos bolsonaristas — podem até ser banidas. Antes mesmo da promulgação da nova lei, a insistência nas fake news golpistas vem ficando mais cara. Allan dos Santos está sendo procurado pela Interpol e Zé Trovão acaba de se entregar à PF; vão fazer companhia a Roberto Jefferson e Daniel Silveira.

Até o panorama externo pode trazer dificuldades para Bolsonaro. O Brasil foi à COP26 — uma conferência ambiental — com a insana proposta de aumentar as emissões de carbono. Depois desse vexame, o risco de sanções comerciais internacionais aumentará significativamente.

Somem-se a isso as dificuldades para exportar carne para a China, que não estão resolvidas. O agronegócio é um dos redutos do bolsonarismo, e a queda repentina na exportação pode afetar diretamente a sua popularidade (sem falar dos problemas de praxe, como queda no crescimento e na arrecadação, alta do dólar e da inflação).

Em um cenário de muita incerteza, uma coisa é certa: 2022 não vai ser um ano fácil para Jair Bolsonaro. O pior é que tampouco será fácil para nós se essa criatura continuar encalacrada no Planalto. Enfim...

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Com Josias de Souza e Ricardo Rangel