Há três tipos de bolsonaristas na praça: os fanáticos, que
cultuam o "mito" de graça; os mercenários, que lucram monetizando as
mentiras em canais da Internet e embolsando verbas do orçamento secreto; e os
renegados, que vão sendo abandonados no meio da guerra.
Incorporado à ala dos enjeitados, Roberto Jefferson
partiu para o ataque. Em carta escrita desde a cadeia, para onde foi enviado
depois de pegar em armas nas redes sociais por um golpe militar com Bolsonaro,
o delator do mensalão diz agora que o capitão foi infectado pelo vírus que
provoca o "vício nas facilidades do dinheiro público".
O preso que havia convidado Bolsonaro a ingressar no
seu PTB se irritou porque o presidente preferiu abrir negociações com o PL
(de Valdemar da Costa Neto) e o PP (de Ciro Nogueira e Arthur Lira).
Assim como Jefferson, os caciques do Centrão
não rasgam dinheiro. Oferecem abrigo a Bolsonaro porque, embora sua
reeleição esteja em perigo, as verbas que o Planalto ainda tem a oferecer
financiarão a eleição de bancadas maiores na Câmara. Quanto maior a bancada,
mais gorda a fatia do fundo partidário. E mais incontornável a chantagem
fisiológica a ser feita ao próximo presidente, seja ele quem for.
"Quem anda com lobo, lobo vira, lobo é. Vide Flávio",
anotou Jefferson em sua epístola, encostando a irritação na imagem
rachadinha de Bolsonaro e sua prole. O ex-coronel da tropa de choque do
então presidente Fernando Collor — que se converteu aos encantos
monetários da gestão Lula, detonou o mensalão, puxou cadeia junto com o
mensaleiro Valdemar — conhece mumunhas que levaram o PP de Lira
e Nogueira ao topo das legendas encrencadas no petrolão. Mas os
deputados do PTB também estão na fila das emendas secretas do governo Bolsonaro.
Se Jefferson diz que o capetão se viciou em dinheiro público, convém não
discutir com um especialista.
Mudando de um ponto a outro: Com 19 milhões de brasileiros
com fome, não se discute que a renovação do auxílio emergencial é necessária. Tampouco
se discute de onde o dinheiro deveria vir: das emendas do orçamento secreto que
Arthur Lira e Ciro Nogueira pilotam. Mas Bolsonaro,
temendo desagradar ao Centrão, que o mantém na cadeira, achou que furar
o teto era uma boa alternativa.
A PEC dos Precatórios, turbinada com o jabuti do
auxílio, criará um rombo de quase R$ 100 bilhões. A proposta nem foi
aprovada ainda, mas o estrago já está feito: dólar, juros e inflação muito mais
altos do que o previsto. O presidente dará com uma mão, tirará com a outra e
enfrentará uma campanha eleitoral com a crise econômica muito agravada. Não há
sequer garantia de que a proposta será aprovada.
Noves fora o permanente interesse dos parlamentares em abrir
espaço para as emendas de relator (até porque é ano eleitoral), uma emenda
constitucional exige dois terços dos votos no Congresso. A oposição busca
caminhos para barrar, o Senado nunca dá vida fácil ao presidente e Rodrigo
Pacheco é candidato ao Planalto.
Não está claro o quanto Bolsonaro ganhará com um
auxílio conseguido em troca de sacrificar o teto. Segundo pesquisa recente da Genial/Quaest,
a medida é controversa: 44% são contra e 42%, a favor, e agrada aos
bolsonaristas e desagrada aos antibolsonaristas na mesma proporção.
Bolsonaro pode ter criado sérias dificuldades
econômicas para si mesmo em troca de nada. E o relatório da CPI joga
ainda mais lenha na fogueira. O relatório pediu o indiciamento do presidente de
República, 3 de seus filhos, 7 de seus ministros e ex-ministros (incluindo dois
generais do Exército), 1 seu ex-secretário, 3 de seus assessores, seu líder na
Câmara, 7 parlamentares e 6 influenciadores digitais que apoiam
incondicionalmente o presidente. Além desses, pediu o indiciamento de
funcionários públicos, militares, empresários, médicos, lobistas e atravessadores.
Seja por que motivo for — negacionismo, irresponsabilidade,
arrogância, incompetência, covardia, burrice, puxa-saquismo, crueldade,
ganância ou maluquice pura e simples —, cada uma dessas 80 pessoas contribuiu
muito para maximizar o número de mortes de brasileiros. Ressalte-se, no
entanto, que Bolsonaro não é apenas um entre dezenas. Sem sua liderança,
seu exemplo e seu estímulo, nenhum dos outros 79 indiciados teria feito o que
fez.
O papel do chefe do Executivo no morticínio é preponderante.
Mas é preciso registrar que o relatório deixou de fora dois nomes muito
importantes: Arthur Lira e Augusto Aras. Deliberadamente, o
presidente da Câmara e o procurador-geral da República fizeram vista grossa
para os atos inaceitáveis de Bolsonaro: um engavetou, sem motivo, quase
140 pedidos de impeachment, e o outro recusou-se, apesar de ter todos os
motivos, a denunciar o presidente. Foi uma omissão consciente e conivente. Sem
a blindagem dessa dupla, Bolsonaro não teria conseguido promover a
catástrofe que promoveu. E ainda promove.
Augusto Aras não pode se fingir de morto (como Arthur
Lira, olimpicamente, fará). O PGR tem trinta dias para informar que
medidas tomou. É de esperar que proteja Bolsonaro e, para reduzir a
pressão, investigue e denuncie outros. O assunto estará no noticiário, mantendo
pressão contínua sobre Bolsonaro, durante toda a campanha eleitoral. E
se Aras acabar por denunciar o presidente, o que não é impossível, aí o
desgaste é incomensurável.
Na frente digital, o projeto de lei das fake news, a
ser aprovado em breve, cria sérios entraves para a principal ferramenta
eleitoral bolsonarista: a desinformação. As redes serão reguladas, e aquelas
que não operam no Brasil — como o Telegram, favorito dos bolsonaristas —
podem até ser banidas. Antes mesmo da promulgação da nova lei, a insistência
nas fake news golpistas vem ficando mais cara. Allan dos Santos
está sendo procurado pela Interpol e Zé Trovão acaba de se entregar à
PF; vão fazer companhia a Roberto Jefferson e Daniel Silveira.
Até o panorama externo pode trazer dificuldades para Bolsonaro.
O Brasil foi à COP26 — uma conferência ambiental — com a insana proposta
de aumentar as emissões de carbono. Depois desse vexame, o risco de sanções
comerciais internacionais aumentará significativamente.
Somem-se a isso as dificuldades para exportar carne para a
China, que não estão resolvidas. O agronegócio é um dos redutos do
bolsonarismo, e a queda repentina na exportação pode afetar diretamente a sua
popularidade (sem falar dos problemas de praxe, como queda no crescimento e na
arrecadação, alta do dólar e da inflação).
Em um cenário de muita incerteza, uma coisa é certa: 2022 não
vai ser um ano fácil para Jair Bolsonaro. O pior é que tampouco será fácil para nós se essa criatura continuar encalacrada no Planalto. Enfim...
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Com Josias de Souza e Ricardo Rangel