quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

ACABOU-SE O QUE ERA DOCE


Para surpresa de ninguém, o armistício (paz armada?) entre Bolsonaro e o STF, articulado com a ajuda do vampiro do Jaburu depois das ameaças golpistas de 7 de Setembro, era vidro e se quebrou. 

Ao declarar paz na Praça dos Três Poderes, o capetão pregou que Executivo, Legislativo e Judiciário são “um só corpo”, e até minimizou a crise na Esplanada ao dizer: “Quem nunca errou no palavreado?”

Passados menos de quatro meses, Jair Dr. Jekyll deu lugar a Jair Mr. Hyde, seja devido à irritação com a abertura de novas investigações, seja pela necessidade de manter na ponta dos cascos a escumalha fiel — e radical — que o apoia, para enfrentar a ameaça da candidatura de Sergio Moro.

A associação mentirosa e irresponsável das vacinas contra a Covid à contaminação pelo vírus da Aids rendeu ao pajé da cloroquina mais um inquérito. O procedimento foi determinado pelo ministro Alexandre de Moraes, a pedido do então presidente da CPI do Genocídio, senador Omar Aziz

Tanto Aziz quanto Moraes viram conexão entre as condutas do capetão e os fatos investigados no inquérito das fake news (4.781/DF). Já o PGR, em seu afã de blindar o dono da caneta que o conduziu e reconduziu ao cargo, advoga que a CPI não tem legitimidade para fazer o pedido e a Advocacia do Senado carece de capacidade postulatória para atuar no caso.

No caso da associação da vacina à Aids, o crime está tão à flor das palavras que estas são o primeiro e mais importante elemento de prova. Mesmo assim, Aras diz que os fatos mencionados no Procedimento não são conexos com os apurados no inquérito das fake news, donde inexiste prevenção para a designação de relator

Aras pede ao ministro Alexandre que reconheça que não houve inércia por parte do MPF e que reconsidere o pedido de instauração de inquérito — ou, caso não concorde com a petição, que envie o inquérito ao gabinete do ministro Luís Roberto Barroso, atual relator dos inquéritos que investigam as condutas de Bolsonaro apontadas no relatório final da CPI

A exemplo de Eduardo Pazuello e Marcelo Queiroga (o atual ministro da Saúde não passa de versão 2.0 de seu antecessor), o PGR é um esbirro do capetão e segue com fidelidade canina a regra do um manda e o outro obedece

Na condição de chefe máximo do MPF, cabe a Aras pedir o arquivamento do inquérito se não vislumbrar indícios de materialidade ou de autoria; determinar diligências se achar que os fatos não estão suficientemente claros; ou oferecer a competente denúncia — que pode ser recebida ou não pelo STF. Mas não lhe cabe atuar como advogado de defesa do presidente da República.

Aras advoga contra o povo ao pedir anulação de inquérito contra o chefe. Ele precisa esclarecer o que entende por "apuração preliminar" ou "apuração interna" — expressões que, segundo Reinaldo Azevedo, jornalista e colunista do UOL, estão virando "aquela gaveta da bagunça onde a gente joga o que não sabe onde guardar, mas acha que pode vir a precisar mais adiante", e define o que o procurador-vassalo tem feito com as tais "apurações preliminares" que abre contra seu presidente-suserano.

Nesse entretempo, Bolsonaro segue repudiando as vacinas e uso de máscaras e defendendo o famigerado kit-covid. "Aqui é proibido máscara", disse o incorrigível durante a cerimônia do Dia do Forró no Palácio do Planalto (dias depois de chamar o passaporte da vacina de "coleira" e dizer que prefere morrer a perder a liberdade).

Comenta-se nos bastidores que a fase “paz e amor” era por um “bem maior”: a aprovação da indicação de André Mendonça para o STF. E que a volta dos ataques ao Supremo foi causada pelo crescimento de Moro nas pesquisas. Na visão do cientista político Alexandre Bandeira, a coisa tem a ver com a necessidade de manter acirrada a base de apoiadores mais radical, e o bunker digital do Planalto constatou que a diminuição da popularidade de Bolsonaro provocou uma queda no engajamento dessa caterva, que também não ficou nada feliz com o “casamento” do capetão com o Centrão

Na última semana, foi registrada uma leve melhora na avaliação do governo, e isso levou Bolsonaro de volta ao ataque. O "mito dos apatetados" ressuscitou a metáfora das "quatro linhas da Constituição" e disse que, se for “forçado”... enfim, nas palavras do grande estadista de mapa-múndi: 

Abriram mais um inquérito contra mim, contra uma live. A que ponto nós chegamos. Um inquérito contra o presidente da República por causa de uma live. O que eu falei nessa live? Falei, não. Eu li um material que falava da relação de HIV com Covid. A que ponto nós chegamos. Será que vão querer bloquear minhas mídias sociais — a mídia social que mais interage no mundo? Vão querer quebrar uma perna minha? Isso é democracia? Não é. Isso é jogar fora das quatro linhas. Ninguém quer jogar fora das quatro linhas. Nós queremos o respeito. Mais que queremos, exigimos. Por favor, não extrapolem. Eu jurei dar a minha vida pela pátria, e dou pela liberdade também”.

Vale lembrar que a posse de André Mendonça está marcada para amanhã. O convite alerta que será preciso apresentar o certificado de vacinação ou levar um teste negativo para CovidBolsonaro diz que não se vacinou (e já envergonhou o Brasil mais de uma vez, em viagens ao exterior, jactando-se de ter anticorpos naturais e não ver motivo para se vacinar). 

Para além dos inquéritos que vem colecionando, sua insolência ficou desgostoso (para não dizer outra coisa) com o ministro Barroso, que determinou a cobrança do passaporte vacinal de estrangeiros na entrada no Brasil. Receia-se que o despirocado retribua a "gentileza" forçando a entrada na Corte sem o atestado (que ele não tem) nem o teste (que ele dificilmente se sujeitará a fazer), desmoralizando as regras definidas pelo Tribunal para o evento. 

Seria bem feito para as togas, que há muito deveriam ter tomado uma atitude enérgica contra o psicopata palaciano. Quem pariu Mateus que o embale!

Enfim, não há mal que sempre dure nem bem que nunca termine, e o atual governo terá fim um dia. Mas como demora!