Por achar que deveria ter um programa social com "a sua cara" (imaginem
o tormento, para quem padece de insegurança mórbida e incompetência patológica,
pagar mês sim, outro também, um benefício "com a cara de Lula"), Bolsonaro substituiu o Bolsa Família por um programa à sua
imagem e semelhança: provisório, improvisado, acoxambrado, eleitoreiro e com
maldades desnecessárias embutidas, como desvincular o pagamento da exigência de
vacinação infantil. Mas não foi só.
Para deixar com "a sua cara" o PNI (programa nacional de imunizações), que já foi um dos melhores do mundo, não bastava o capitão conspirar contra a aquisição de vacinas e pôr em cheque a eficácia dos imunizantes (pelo menos daqueles que não pagavam propina), chegando mesmo a dizer que as pessoas que se vacinavam corriam risco de contrair AIDS. Era preciso ainda esculhambar as demais campanhas de vacinação — que já sofrem com uma adesão cada vez menor — para deixá-las cada vez mais com "a cara deste governo".
Para colocar em prática o programa “meu governo, minha fuça”, o sultão do bananistão resolveu implodir a tal da responsabilidade fiscal — que vinha sendo construída a duras penas desde o governo Itamar. E para aprovar a PEC do Calote (que é seguramente a maior excrescência fiscal já votada no Congresso, mas que vai sendo aceita bovinamente pelos parlamentares, pelo TCU e por outros cúmplices do Executivo) vale até comprar o apoio dos servidores públicos mediante a promessa de um reajuste salarial eleitoreiro.
Paulo Guedes, ora na "versão clone" do suserano a quem presta vassalagem, engole mais essa com um sorriso nos lábios, embora a pedalada vá de encontro àquilo que ele sempre defendeu. Isso sem mencionar o meio ambiente: a Amazônia, que não pega fogo porque é úmida, arde feito o inferno — talvez para ficar com "a cara do presidente".
Poucas coisas são mais "a cara do governo" que o
massacre documentado pelo "Fantástico" do último domingo, que,
atendendo a um pedido de socorro dos ianomâmis, mandou uma equipe para filmar
as crianças desnutridas, o povo consumido pela malária e pela ameaça concreta
do garimpo ilegal. Ninguém precisa pedir DNA de mais esse desmonte. Afinal,
antes mesmo de ser eleito o despresidente disse o que pensava da pauta
indígena. O Brasil que derrete, queima, sangra e morre é a cara do Bolsonaro.
Voltando ao enlace mencionado no início desta
conversa, o interesse do "noivo" mensaleiro no
casamento de conveniência é usar o "mito" como puxador de votos para aumentar
a bancada do PL, mas, ao mesmo tempo, torcer pela vitória do Lula. O
ex-presidiário (falo do mensaleiro Costa Neto, não do
"ex-corrupto" de nove dedos) quer replicar, mesmo que com números menos
vistosos, o "espetáculo do crescimento" obtido por seu partido na
esteira do bolsonarismo. As expectativas são menores devido ao desgaste da
antipolítica do próprio presidente e dos nomes de perfil histriônico que
pegaram carona em sua eleição, mas ainda assim uma bancada de 60 deputados
multiplicaria o montante do PL nos fundos partidário e eleitoral e no
tempo de TV.
O cômputo das verbas e do tempo de TV é feito a partir dos
deputados eleitos. Portanto, se o inevitável divórcio ocorrer logo após as
eleições, Valdemar poderá defenestrar aqueles que não se sentirem
confortáveis, por exemplo, caso Lula vença e o PL adentre sua
base aliada — algo que está nos planos do cacique do partido. Aliás, a vitória
do molusco seria o melhor cenário, pois ele e Costa Neto são velhos amigos,
ambos cumpriram pena, e o petista é mais previsível e mais fácil de compor pela
classe política, sobretudo o Centrão. Demais disso, caso o casamento com
Bolsonaro realmente aconteça (o que não está assegurado), a perda de
deputados não deverá ir além de 5 ou 6 dos atuais 43, o que deve ser largamente
compensado pelo ingresso dos puxa-sacos do capetão, hoje dispersos em outros
partidos.
Como se vê, na política não se dá ponto sem nó.
Com Vera Magalhães