Bolsonaro faz a linha salvador da pátria, mas, quando o calo aperta, o que se ouve é esperneio e ameaça.
— "Eu tenho tomado dois Lexotan na veia por dia para não levar o presidente a tomar uma atitude mais drástica em relação às atitudes que são tomadas por esse STF que está aí" — disse o general Augusto Heleno (clique aqui para ouvir o áudio publicado pelo colunista Guilherme Amado no portal Metrópoles), autor da famosa paródia "se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão", mas que sucumbiu aos encantos do Centrão e agora dirige a artilharia pesada contra o STF.
Bolsonaro, que é contra vacinas e coerente quando lhe convém, chamou o documento de "coleira". Mas o STF disse que é para fazer, e o STF têm o direito de errar por último (ainda que nesse caso, só para variar, a decisão foi acertada). Então, gostando ou não, nosso indômito capitão terá de engolir mais essa decisão do Supremo. Com ou sem Lexotan.
A "coleira" está longe se ser o maior problema do "mito" dos abestalhados. Dias atrás, ele foi convocado a depor à PF no inquérito que trata da divulgação de uma investigação sigilosa da própria PF sobre a segurança das urnas eletrônicas. A apuração não chegava a lugar nenhum, mas sua insolência espalhou cópias em suas redes sociais, dizendo que o papelório provaria que houve invasão dos sistemas internos do TSE durante um ataque hacker em 2018.
Como se sabe, não se deve cutucar onça com vara curta. Quatro dos cinco rebentos do pior presidente da história desta banânia estão na mira da PF. Jair Renan foi intimado a prestar depoimento no inquérito que apura a suspeita de recebimento de propina para intermediar interesses de empresários no governo.
Um mês depois de ganhar um carro elétrico de R$ 90 mil, Zero Quatro levou o generoso empresário que lhe presenteou com o veículo a um encontro com o ministro do Desenvolvimento Regional, numa agenda marcada pela Secretaria Especial da Presidência da República. Como se vê, quem sai aos seus não degenera.
Graças a Bolsonaro, a PF está em guerra interna. Grupos de delegados que se queixam de interferências políticas em inquéritos — e até mesmo em trabalhos burocráticos, como a expedição de um mandado de extradição contra o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos. Agora, pelo que revela o vazamento do áudio do General Heleno, os insurgentes não estão só na PF. Até na Abin houve quem considerasse valer a pena vazar as falas do chefe do GSI para um jornalista, mesmo sabendo que efeitos isso teria (ou talvez pelos efeitos que isso teria).
Como o trabalho do general-ministro é justamente avaliar e prever
cenários para informar seu comandante-em-chefe dos riscos envolvidos em suas
ações, é razoável concluir que Heleno também assumiu o risco de as declarações
virem à tona — até porque, na mesma ocasião, ele disse estar preocupado com a
possibilidade de um atentado ao presidente da República em 2022.
Na falta de antídoto melhor para situações difíceis, o general recorre ao velho truque bolsonarista de criar teorias conspiratórias, fomentando o "temor de que o presidente tome uma atitude mais drástica". Alguém deveria lembrá-lo de que, no feriado de 7 de setembro, seu oficial superior incitou a população a ir às ruas para "enquadrar o STF", chamou um ministro da Corte de canalha, disse que não cumpriria mais suas decisões e que "a paciência do povo havia se esgotado". Dali a poucos dias, porém, forçado a recuar do confronto aberto, o golpista de fancaria foi chorar as pitangas na barra da saia de Michel Temer, de quem extraiu conselhos previsíveis e uma tão imprevisível quanto patética carta de rendição (que nem o próprio vampiro do Jaburu assinaria).
Desde então, Bolsonaro vem engolindo o avanço do STF sobre várias questões de interesse do governo, amargando a queda de seus índices de popularidade e vendo crescer seu principal adversário — um ex-presidiário! — nas pesquisas eleitorais. Talvez seja isso, mais que qualquer trama assassina, o que de fato preocupa o general Heleno. O governo está acuado e precisa reagir, mas fazer ameaças golpistas não funcionou no passado e nada indica que funcionará agora ou nos próximos dez meses. E tomar Lexotan na veia não é recomendável, pois o remédio dá sono e torna os reflexos lentos.