terça-feira, 4 de janeiro de 2022

CONSULTA PÚBLICA PRA QUÊ? CONTINUAÇÃO


O número de testes de Covid positivos em farmácias, que vinha despencado nos últimos meses, saltou de 500 para 5.000 no fim do ano. Na última semana de 2020, as internações no estado de São Paulo também voltaram a subir. No sábado, 1º, o Brasil registrou 619.139 mortes e quase 78% da população imunizada com ao menos uma dose de vacina. A boa notícia, digamos assim, é que a variante ômicron (B.1.1.529), comparada com as versões anteriores do coronavírus, causa sintomas mais leves, inclusive no que concerne a cicatrizes nos pulmões e dificuldades respiratórias severas, confirmando o resultado dos estudos iniciais, que já apontavam nessa direção, mas eram recebidos com muitas ressalvas.

A título de curiosidade, “ômicron” é nome da décima letra do alfabeto grego, que corresponde à letra “o” do nosso. Por se tratar de palavra proparoxítona, a antepenúltima sílaba é a tônica, ou seja, a mais forte. Na língua portuguesa, todas as palavras proparoxítonas são acentuadas. No caso do termo “ômicron”, utiliza-se o acento circunflexo no português do Brasil e o agudo no de Portugal. De acordo com o Vocabulário Oficial da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, o substantivo “ômicron” é masculino; no caso do vírus da Covid, como o substantivo feminino “variante” fica subentendido, é aceitável usar “a ômicron”.

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Bolsonaro desembarcou em São Paulo na madrugada da última segunda-feira e foi diretamente para o Hospital Vila Nova Star. O médico Antônio Luiz Macedo, que voltou de suas férias nas Bahamas para acompanhar o caso, disse suspeitar de uma nova obstrução intestinal complicada pelo histórico das cirurgias a que o presidente foi submetido desde setembro de 2018. Em seu perfil no Twitter, o pajé da cloroquina aventou a possibilidade de uma nova cirurgia de obstrução interna na região abdominal. Da última vez que ele ficou internado, em julho de 2021, os médicos chegaram a cogitar de uma intervenção cirúrgica, que foi descartada depois que o intestino do paciente voltou a funcionar. Uma semana antes, o mandatário dissera que estava cagando para a CPI do Genocídio.

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Bolsonaro pode parecer um tolo e falar como um tolo, até porque ele é realmente um tolo, anotou Josias de Souza em sua coluna no final de dezembro, dias antes de sair em férias. 

Em sua penúltima tolice, o sultão do bananistão decidiu implicar com a vacinação das crianças. Queiroga deu asas à asneira do chefe, metendo-se numa operação de grande valor científico. Se tudo correr como planejado, vão à vitrine duas conclusões: 1) A tolice do capetão é mais contagiosa do que a ômicron; 2) A diferença entre a sensatez e a estupidez é que a sensatez tem limites.

A consulta pública marcada pelo ministro da Saúde a mando do chefe foi de uma inutilidade a serviço do desperdício de tempo. A Anvisa já atestou a qualidade, a segurança e a eficiência da vacina infantil da Pfizer, tanto que concedeu registro definitivo para o fármaco. Segundo eles, essa etapa é inédita no processo e que vai atrasar ainda mais a imunização infantil. 

A Câmara Técnica criada por Queiroga — versão de jaleco do general Pesadelo — para assessorá-lo aprovou a vacinação por unanimidade. Estudo da Fiocruz, fundação vinculada ao Ministério da Saúde, concluiu que a aplicação de vacina nas crianças é necessária e precisa começar o quanto antes. Seis das mais relevantes entidades médicas e científicas do país também se declararam a favor da imunização dos pequenos, sem falar que a mesma vacina está sendo aplicada em crianças de mais de uma dezena de países. Só nos Estados Unidos foram mais de 7 milhões de doses.

Com todo esse respaldo científico e factual, a consulta que o ministro-vassalo realiza por pressão do presidente-suserano tem a aparência de mais uma embromação letal. Mal comparando, é como se o sujeito estivesse no centro de um incêndio e, em vez de chamar os bombeiros, abrisse uma consulta popular para debater normas de prevenção do fogo.

No caso da vacinação das crianças, o eminente doutor quer contrapor a opinião da tia do Zap aos estudos técnicos e científicos. Os pais, donos da palavra final nessa matéria, talvez preferissem ser orientados, não consultados. A maioria quer saber quando a vacina será comprada e o dia em que poderá levar os filhos ao posto de saúde.

Se os resíduos psíquicos de Bolsonaro fossem concretos, não haveria esgoto que bastasse. A característica fundamental da dificuldade de julgamento do presidente é ter que ouvi-lo durante três anos para chegar à conclusão de que ele não tem nada a dizer sobre coisa nenhuma.

Para desassossego dos 94% de brasileiros que manifestaram ao Datafolha seu apreço pelas vacinas, o cardiologista colocou sua formação médica à disposição da insanidade. Deve estar torcendo para que a turma do Zap prevaleça sobre a Anvisa, a Câmara Técnica do ministério, as entidades médicas e científicas do país, a comunidade internacional e o bom senso.

ObservaçãoApós reunião entre os secretários estaduais de Saúde na manhã do dia 24/12, o Conselho Nacional de Secretarias de Saúde (Conass) divulgou uma "Carta de Natal às crianças do Brasil". No texto, o grupo confirma que nenhum Estado exigirá prescrição médica para a vacinação de crianças contra a Covid.