sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

NA RÚSSIA, COMO OS RUSSOS — OU NÃO



 Em dezembro, ao receber sanfoneiros no Planalto para celebrar o Dia do Forró, Bolsonaro decretou: "Aqui é proibido usar máscara". Dias antes, numa solenidade oficial, havia discursado contra a exigência de comprovante de vacina para frequentar determinados ambientes e eventos. Insinuou que a prova de imunização é coisa para cachorro: "Por que essa coleira que querem colocar no povo brasileiro? Cadê a nossa liberdade? Prefiro morrer a perder a minha liberdade."

Agora, perambulando por Moscou numa inoportuna e contraproducente visita dois populistas autoritários, o despresidente que tem um pé no negacionismo e outro na cloroquina, que menospreza vacinas e chama o passaporte vacinal de “coleira”, rendeu-se à máscara, submeteu-se a um distanciamento vigiado e realizou testes em série contra Covid para se encontrar com o autocrata russo Vladimir Putin.

Bolsonaro foi à Rússia atrás de imagens para usar na campanha à reeleição. Para tanto, privou Brasília de seu único vereador (o filho 02, que deveria bater o ponto na Cidade Maravilhosa, mas passa a maior parte do tempo no DF fazendo sabe-se lá o que). Do ponto de vista estritamente eleitoral, a imagem do capetão tomando uma dose de vacina no Brasil seria mais eficaz do que duas tiradas ao lado de Putin e Orbán.

Para Bolsonaro, viagens ao exterior são uma espécie de “Eurodisneys ideológicas do bolsonarismo”. Na Hungria, com a animação de uma criança que encontra Mickey Mouse, o sultão do bolsonaristão prestigiou um personagem tóxico que se define como um líder político iliberal, controla o Parlamento, aparelha o Judiciário, persegue opositores, censura os veículos de imprensa e vitupera democracias europeias que o acusam de violar princípios democráticos. Isso depois de fornecer farto material para memes nas redes sociais dizendo que, “coincidência ou não”, Putin reduziu a presença militar na fronteira com a Ucrânia depois da conversa que eles tiveram.

Para não perder o hábito nem a prática, o pateta que acha que governa a Disneylândia Tropical se aproveitou de uma declaração infeliz do ministro Fachin para voltar a atacar o Judiciário. Disse  que Fachin, Moraes e Barroso se comportam "como adolescentes" e atuam com o deliberado propósito de prejudicar sua candidatura à reeleição para favorecer a vitória de Lula.

Fachin havia manifestado preocupação com ataques cibernéticos e declarado que a Justiça Eleitoral poderia estar sob ataque de hackers, inclusive de países como a Rússia, que reluta em sancionar os cibercriminosos que buscam destruir a reputação da Justiça Eleitoral e aniquilar com a democracia”. Em Moscou, Bolsonaro vestiu a carapuça. Acusou o togado de produzir "fake news", defendendo-se de uma acusação que o magistrado não fez.

A nova investida potencializa a impressão de que Bolsonaro se comporta como um delinquente. Com o mandado ameaçado, prepara uma confusão. Poderia ter feito uma crítica pertinente a Fachin, que assumirá a presidência do TSE na próxima semana. Bastaria perguntar por que ele não requisitou abertura de inquérito à PF se acha que a Justiça Eleitoral já pode estar sob ataque de hackers (de crackers, na verdade, pois os hackers são "do bem").

Em vez de levantar o questionamento justificável, Bolsonaro preferiu deturpar o comentário do ministro para reiterar que Fachin, Barroso e Moraes agem com o objetivo de desgastá-lo. Disse que os três magistrados "têm partido político" e por isso não o querem lá, querem o outro, “que esteve há pouco tempo no xadrez".

Por trás dos reiterados ataques às togas do TSE e do Supremo existe claramente a intenção de causar tumulto. Bolsonaro não implica com magistrados nem com as urnas, mas com a perspectiva de ser derrotado em outubro. Diante do risco de insucesso em sua tão sonhada reeleição, arma o circo no qual irá questionar o resultado do pleito, acusando os presidentes do TSE — o ex, o atual e o futuro — de participarem de uma hipotética fraude. 

A balbúrdia não impedirá a troca de comando em caso de sua eventual derrota, mas tampouco ajudará a curar o surto de ódio que envenena o Brasil.

Com Josias de Souza.