O Dia da Mentira é celebrado em alguns países ocidentais, entre os quais o Brasil. Pregar peças (pranks) durante o Fool's Day (Dia dos Tolos) é uma prática que foi importada dos EUA pelos tupiniquins. Mas o Brasil é um ponto fora da curva em muitos sentidos, e 2022 é mais um ano atípico. Até porque é ano de eleições gerais.
Escrevo este texto na manhã de 1º de abril. Na véspera, aniversário do golpe militar de 1964, o general Braga Netto, que se desincompatibilizou do cargo de Ministro da Defesa para disputar a vice-presidência na chapa encabeçada por Bolsonaro, publicou uma ordem do dia celebrando um "movimento" e um "marco histórico da evolução política brasileira".
Ainda segundo o conspícuo general, os militares agiram para "restabelecer a ordem e para impedir que um regime totalitário fosse implantado no Brasil", embora não haja qualquer evidência histórica que sustente tal afirmação. E Bolsonaro, que se elegeu presidente em 2018 assegurando, entre outras promessas que não cumpriu, acabar com o instituto da reeleição, rosnou que o pleito presidencial de outubro próximo será “uma guerra do Bem contra o Mal”.
Observação: A nota do general não diz, mas a ditadura militar foi um período de turbulência, de violência arbitrária e de gestão econômica irresponsável. Trouxe recessão, explosão da dívida externa e hiperinflação. Falar em amadurecimento político em uma ditadura é ridículo. Dizer que “trouxe paz”, só se for a paz dos cemitérios. Dizer que o regime observou “o regramento constitucional” é mentira: a ditadura rasgou a Constituição de 1946, criou uma Constituição espúria e, ao praticar a tortura e baixar atos institucionais, não respeitou nem essa própria Constituição.
Costuma-se dizer que nunca se mente tanto quanto numa guerra, durante uma campanha eleitoral e depois de uma pescaria. No Brasil, as mentiras — que de um tempo a esta parte passaram a ser chamadas de fake news — tornaram-se o way of live de políticos ímprobos, que, nunca é demais lembrar, não brotam nos gabinetes por geração espontânea; estão lá por obra e graça do esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim.
Quando li que a Polícia Federal chegou à conclusão de que Bolsonaro não cometeu crime por interferências na instituição, pensei tratar-se deu uma clássica pegadinha de 1º de abril. Segundo o relatório, a despeito de todos os dados analisados, de todas as perícias realizadas e das 18 pessoas ouvidas em quase dois anos de investigação, nenhuma prova foi encontrada — as testemunhas alegaram não ter recebido pedidos para interferir ou influenciar investigações da PF.
Vale lembrar que o próprio Bolsonaro confessou, em reunião ministerial gravada no dia 22 de abril no Palácio do Planalto, sua tentativa de interferência. Num trecho da gravação, ele detalhou que as mudanças ilegais na PF eram para proteger seus filhos. “É a putaria o tempo todo pra me atingir, mexendo com a minha família. Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira.”
Em outra oportunidade, Bolsonaro minimizou a repercussão dada pela imprensa a sua participação numa manifestação realizada defronte ao Quartel General do Exercito — que chamou de “Forte Apache” — em prol de uma intervenção militar no Brasil. E ainda afirmou que “o AI-5 não existe”. Ano passado, dias antes das comemorações do Dia da Independência, vociferou que haveria uma ruptura se o STF agisse fora das “quatro linhas da Constituição”. Seus discursos no dia 7 de setembro — tanto na Praça dos Três Poderes, em Brasília, quanto na Avenida Paulista, em São Paulo — foram assustadores. Mas ninguém fez nada a respeito.
A despeito de ser o presidente que mais vituperou o Estado Democrático de Direito, o STF e o Congresso Nacional desde a redemocratização, de colecionar mais de 140 pedidos de impeachment, de ser alvo de seis inquéritos e de ter sido acusado pela CPI do Genocídio pela prática de mais nove crimes (comuns e de responsabilidade), Bolsonaro não só continua no cargo como é candidatíssimo à reeleição. E como nada é tão ruim que não possa piorar, de duas, uma: ou essa tragédia se prolonga por mais quatro anos, ou amargamos a volta do ex-presidiário mais famoso desta banânia, ora paramentado com a esdrúxula plumagem de “ex-corrupto”. E isso não é pegadinha de primeiro de abril.
Contando, ninguém acredita, mas também não é pegadinha de primeiro de abril: O deputado bolsonarista Daniel Silveira — que se entrincheirou na Câmara dos Deputados para descumprir decisão judicial que determinou o uso de tornozeleira eletrônica (e só desarmou o circo depois que o ministro Alexandre de Moraes estipulou uma multa de R$ 15 mil por dia e mandou bloquear as contas bancárias do parlamentar) — não só compareceu ao evento de despedida dos ministros que deixaram os cargos para disputar as eleições de outubro como foi defendido pelo presidente.
“Não podemos aceitar o que vem acontecendo passivamente. Ele [Daniel Silveira] pode ser preso? Deixa para lá. Pode ter os bens retidos? Deixa para lá. Vai chegar em você”, discursou Bolsonaro, que também fez eco às aleivosias de Braga Netto. E sem citar nominalmente nenhum ministro do STF, mas fazendo uma clara alusão a Barroso e Moraes, seus principais desafetos, rugiu o leão do Bolsonaristão: “Cala a boca, bota a tua toga e fica aí sem encher o saco dos outros...”
Triste Brasil neste primeiro de abril.