Em 1986, quando acompanhou o então presidente Sarney numa visita oficial a Portugal, o saudoso deputado Ulysses Guimarães comentou com os anfitriões que o direito ao voto no Brasil havia sido estendido aos analfabetos, e ouviu de um interlocutor que "em Portugal não havia analfabetos".
A despeito do Mobral, do Projeto Minerva e de outros programas que tais, a educação nunca foi prioridade para o governo brasileiro. Até porque povo politizado reivindica e não vota em populistas demagogos. O MEC sempre teve mais serventia como moeda de troca e cabide de emprego do que qualquer outra coisa. Para a população, que é quem paga a conta, a pasta é tão “útil” quando o ministério da marinha do Paraguai.
A descoberta de que pastores comandavam um balcão de verbas derrubou o ministro-pastor Milton Ribeiro e levou o presidente a fazer por pressão o que deixou de fazer por obrigação. Resta saber quem vencerá o cabo de guerra que tem como prêmio o orçamento bilionário do ministério ora acéfalo. Tanto o Centrão quanto a Bancada Evangélica estão de olho na cadeira ocupada interinamente por Vitor Godoy Veiga.
Mudando de um ponto a outro: João Doria desistiu de concorrer à Presidência. A princípio, ele não ia sequer disputar a reeleição para o governo de São Paulo, segundo foi veiculado na manhã de ontem. O Estadão disse ainda que o tucano deixaria o PSDB e que Garcia, surpreendido pela notícia, pediu demissão da Secretaria de Governo.
Comenta-se nos bastidores que a decisão foi uma jogada do governador para tentar obter apoio público do partido e de aliados à sua candidatura presidencial. Apesar de ter ganhado as prévias tucanas para ser o candidato à presidência, Doria sofria com a falta de apoio dentro do ninho, onde a ala encabeçada por Aécio Neves vem manifestando apoio a Eduardo Leite — que renunciou ao governo gaúcho na última segunda-feira e anunciou que não deixará o partido.
No Brasil, os políticos não confirmam sentados o que disseram em pé. Demais disso, nunca se mente tanto quanto antes de uma guerra, durante eleições e depois de uma pescaria. Doria ficou de falar à imprensa no final da tarde (de ontem) e, como diz o bordão da BandNews, em um segundo tudo pode mudar.
Atualização: Após carta da direção do PSDB, o governador de São Paulo voltou atrás e manteve a ideia original de renunciar ao cargo para ser candidato à Presidência da República este ano. O anúncio oficial foi feito às 16h de ontem. Por outro lado, lideranças do Podemos acusaram Sergio Moro de trair a sigla ao migrar para o União Brasil depois de ser pressionado a trocar seu domicílio eleitoral do Paraná para São Paulo. Mais um pré-candidato à presidência que abandona a “duvidosa terceira via” pela “quase certeza de sucesso” na disputa por uma cadeira no Senado ou na Câmara Federal. Ou não (clique aqui para mais detalhes). Resta saber se Doria vai mesmo continuar no páreo e quais serão as consequências da desistência de Moro (caso ela se confirme) na campanha do tucano.
Também nesta quinta-feira 9 ministros do governo Bolsonaro se desincompatibilizam do cargo em busca de novos pastos — no Senado, na Câmara ou num governo estadual. Seria uma ótima notícia se a escolha dos substitutos não ficasse à cargo do mandatário de fancaria: quando o problema é o burro, de nada adianta trocar as rodas da carroça.
Mas isso é do mais o menos. Preocupante mesmo é a recaída de Bolsonaro, que voltou a ameaçar o Judiciário quanto ao resultado das eleições no mesmo dia que a alta cúpula dos fardados publicou nota chamando o golpe de 1964 de "marco histórico da evolução política brasileira".
Em seus últimos discursos, o presidente vem dando a impressão de que deve aproveitar a reforma ministerial para ampliar sua influência no comando do Exército — aos desavisados, vale lembrar que estamos em ano eleitoral, que o capitão concorrerá à reeleição e que todas as pesquisas dão como favas contadas a vitória do ex-presidiário de Curitiba —, o que explica a promoção do general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, atual comandante do Exército, para o cargo de ministro da Defesa. Basta ler as entrelinhas para perceber que o fantasma do golpe volta a nos assombrar qual egum mal despachado.
Bolsonaro é useiro e vezeiro em defender o voto impresso, inventar mentiras sobre as urnas que o elegeram para sucessivos mandatos, insinuar que as FFAA colecionam indícios de suposta vulnerabilidade do sistema eleitoral e atacar ministros que do STF e do TSE — tendo inclusive chamado publicamente Luís Roberto Barroso de filho da puta e Alexandre de Moraes de canalha — isso não é “liberdade de expressão”, mas sim “avacalhação”.
Quem dá asas a cobra arrisca-se a ver o ofídio voar. Nenhum presidente da “Nova República” vituperou tanto a democracia e flertou tanto com o golpe como Bolsonaro. Em qualquer democracia que se desse minimamente ao respeito, os discursos do último Sete de Setembro resultariam no afastamento do cargo e abertura de inquérito. Curiosamente, os ataques do capitão não produziram maiores consequências para além de escancarar suas reais intenções — ou alguém ainda acredita que haverá transição pacífica de poder se Bolsonaro permanecer no cargo até 1º de janeiro do ano que vem?
Observação: O ministro Luiz Fux fez um dos discursos mais incisivos da história do STF, mas que deveria ter sido feito em 2019, quando o presidente participou de manifestações antidemocráticas na porta do QG do Exército.
"Nós defendemos a liberdade [...] até com o sacrifício da própria vida", bradou Bolsonaro, na última quarta-feira, uma claque de potiguares convertidos. Quem o ouvia pensava que o regime estivesse prestes a entrar em colapso. Não se sabe que surpresas o mandrião palaciano prepara para o final do ano, mas é impossível deixar de notar que há um quê de Donald Trump em sua retórica.
Nos Estados Unidos, a insurreição que se seguiu à derrota eleitoral de Trump durou seis horas e produziu mortes e vexames. Hoje, despacha na Casa Branca o rival Joe Biden. Bolsonaro talvez aproveitasse melhor o seu tempo concentrando-se nos planos para virar votos, não a mesa.
Para concluir: Diogo Mainardi postou n'O Antagonista: O bolsonarismo comemora uma quartelada bananeira de seis décadas atrás. O país do futuro não tem um futuro, só tem um passado – e ele é medonho. De fato, para se livrar de Jair Bolsonaro, que se inspira nos crimes da ditadura, o eleitorado está disposto a votar em Lula, que evoca o movimento contra a ditadura, de quatro décadas atrás, enquanto apaga os crimes da Odebrecht. O tempo não passa – nem no Piaget. Vamos continuar ocultando cadáveres pelas próximas seis décadas.