terça-feira, 24 de maio de 2022

É ASSIM QUE A POLÍTICA É FEITA NO BRASIL


Com a escalada do discurso de Bolsonaro contra as instituições e a volta dos ataques às urnas eletrônicas, o presidente da Câmara, Arthur Lira, ouviu de quatro ministros do STF apelos para que suba o tom contra e marque posição clara contra qualquer discurso golpista ou teoria conspiratória envolvendo as eleições. A mensagem foi clara: por ter como atribuição dar andamento a eventuais processos de impeachment contra o mandatário, Lira teria autoridade política para frear sua verborragia e baixar a temperatura da retórica que emula as Forças Armadas como garantidoras do pleito.

Os magistrados disseram ao deputado que a Corte teve papel crucial na articulação política para que o Congresso rejeitasse o voto impresso, negociando diretamente com partidos para que colocassem parlamentares mais ponderados na discussão do tema, e afirmaram que, diante da insistência de Bolsonaro de tentar colocar em xeque o TSE, o presidente da Câmara precisa se posicionar com mais veemência contra cada insinuação contra o sistema eleitoral e a democracia.

Na terça-feira 10, em um evento com investidores nos Estados Unidos, Lira defendeu as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral brasileiro. “Eu fui eleito nesse sistema durante seis eleições e não posso dizer que esse sistema não funciona. O sistema é confiável (...) É importante que tenhamos tranquilidade política no pleito, e nós haveremos de ter. O povo vai escolher, sem o eufemismo de dizer que aquela urna presta, que aquela urna não presta”, declarou. A fala foi interpretada no STF como uma resposta aos apelos dos ministros feitos dias antes.

Ninguém diz a um mandatário o que ele não quer ouvir. Foi sempre assim, desde que o homem é homem, e no passado pior, porque resultava em morte. No caso de Bolsonaro, os que o cercam mais de perto sabem que morte significa exclusão imediata do seu convívio e, no limite que ele, se necessário, ultrapassa sem pestanejar, demissão. Dizem que ele chorou ao demitir o ministro das Minas e Energia.

Bolsonaro é bom de choro quando quer. É um ator com razoável talento. Ensinaram-lhe um dia que lágrimas comovem e que o sorriso torna qualquer pessoa mais simpática. Para não banalizar o gesto, ele não chora sempre, mas sorri com ou sem motivo. O general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria do Governo, prefere humilhar-se a ser humilhado pelo ex-capitão afastado do Exército por má conduta. Por duas vezes, pelo menos, para fazer graça ou agradar ao chefe, já se ajoelhou diante dele.

Os mais diretamente envolvidos com a campanha para reeleger Bolsonaro dão de barato que ele conhece as dificuldades que enfrenta e sentem-se dispensados de alertá-los para erros que tem cometido. Quando o fazem são excessivamente cuidadosos. Sem um candidato da terceira via, eles trabalham com a hipótese de que a eleição será decidida no primeiro turno. Porém, se pensam que Lula é o favorito, dizem a Bolsonaro que o favorito é ele e vão para o abraço.

A julgar pelas pesquisas, o molusco deverá chegar às vésperas das eleições na condição de favorito. Há quem diga que vencerá com 171% dos votos válidos; outros, que já está se preparando para reeditar o Mensalão, o Petrolão, e assim voltar a ser o parteiro do Brasil Maravilha, o Pai dos Pobres e Mãe dos Ricos, o enviado pela Divina Providência para acabar com a fome, presentear a imensidão de desvalidos com três refeições por dia e multiplicar a fortuna dos milionários, o Redentor dos Miseráveis, o gênio da raça que proclamou a Segunda Independência ao reinventar a Petrobras e descobrir o pré-sal, o maior dos governantes desde Tomé de Souza, o campeão de popularidade e senhor das urnas capaz de eleger qualquer poste para qualquer cargo. E tem quem acredita.

Ciro Gomes não admite sair do páreo mesmo que se convença de que irá perder, mas seus eleitores poderão abandoná-lo antes do fim, para não desperdiçar o voto. E a maioria de seus eleitores votaria em Lula sem pestanejar, mesmo que Ciro já tenha dito horrores do petralha. No último dia 14, o cearense de Pindamonhangaba disse à Jovem Pan que “Lula pediu o impeachment do Fernando Henrique, do Itamar Franco… O único político para quem ele não pediu impeachment foi o Bolsonaro. Estávamos todos na rua pedindo o impeachment do Bolsonaro. O Lula não pisou lá e mandou os jagunços dele me agredirem fisicamente”.

Para o pedetista, Lula não abre mão de ter Bolsonaro no pleito porque só assim teria chance de voltar ao Palácio do Planalto, e que o contrário também acontece, ou seja, a reeleição só se torna viável porque boa parte dos eleitores temem a volta dos petralhas ao poder. “Só vamos derrotar o Bolsonaro se entendermos por que ele foi eleito. Alguma dúvida que a razão foi o lulopetismo?”, questionou.Bolsonaro foi eleito por conta da mágoa extensa da maior crise econômica da história brasileira — que foi produzida pelo Lula e pelo PT. Os números mostram isso. O que explica a resiliência e a competitividade perigosa que o Bolsonaro ainda se apresenta é o lulopetismo. É o Lula destruindo o debate, repetindo os mesmos conchavos.”

Um dos conchavos seria a articulação do molusco para minar a pré-candidatura de Simone Tebet e conseguir o apoio do MDB. Caciques do partido no Nordeste, entre os quais Renan Calheiros, defendem que a sigla apoie o PT já no primeiro turno. Ciro lembra que os políticos agora cortejados por Lula encabeçaram a articulação pelo impeachment de Dilma em 2016. “Quando enfrentamos o golpe (sic) praticado pelo Senado Federal, quem presidiu o Senado e votou pelo impeachment da Dilma? Renan Calheiros. Quem presidia o Senado em seguida, por acordo e apoio do PT? Eunício Oliveira. Com quem o Lula estava agarrado no primeiro dia? Com eles”, destacou. Em live com o Instituto Conhecimento Liberta na última quinta-feira, 12, o ex-governador do Ceará disse que o ex-presidente é um “politiqueiro esclerosado” e que “vendeu sua alma para o sistema”. E o pior é que ele tem razão.

A (patética) união com Alckmin também vem recebendo seguidos golpes do populista cearense, a despeito de ele já ter feito diversos elogios públicos ao conterrâneo — ambos nasceram em Pindamonhangaba, no interior de São Paulo. Na sexta-feira, 13, Ciro deixou fixado no topo de sua conta no Twitter um vídeo em que o ativista político Thiago Torres explica por que rejeita a aliança entre o petista e o ex-tucano. “Para mim, ele [Alckmin] é igual Bolsonaro. A periferia conheceu o fascismo na figura desses caras [do PSDB]. Durante toda minha [de Torres] adolescência o Alckmin era governador. Faltou comida na minha escola. Cuidado Lula, cuidado PT. Tem um grito engasgado na garganta dos mais pobres de São Paulo”.

A virulência do terceiro colocado nas pesquisas chamou a atenção de bolsonaristas, que passaram a compartilhar seus vídeos e posts. Petistas o acusam de ser “linha auxiliar” de Bolsonaro, enquanto os pedetistas comemoram a penetração do político de centro-esquerda fora de seu tradicional núcleo de apoio. Já Lula não rebateu nenhum dos ataques. O PT avalia que ele só tem a perder se contra-atacar o antigo aliado.

Ciro acha que, se renunciasse a ser candidato desde já, o maior beneficiado seria Bolsonaro. Segundo ele, Lula bateu no teto, e Bolsonaro sobe lenta, mas consistentemente. Ele acredita nas próprias chances de crescer até agosto, e diz que vai em frente. Se o quadro atual permanecer mais ou menos igual, e se Ciro não decolar nas pesquisas, dependerá dele e dos seus eleitores uma solução mais rápida para despachar Bolsonaro.

E o povo? E o Brasil? Fodam-se. É assim que se faz política nesta banânia.