quarta-feira, 25 de maio de 2022

O PRESIDENTE E O CANDIDATO


Acossado pelo espectro do fracasso e temendo ser preso em caso de derrota nas urnas, Bolsonaro recorre (mais uma vez) à ameaça da quartelada. A proximidade das eleições está mexendo com os nervos do mandatário — que, aliás, nunca primou pela serenidade. Embora tenha crescido 15 pontos nas pesquisas depois que Moro foi covardemente excluído da disputa, e de ser ajudado pelas declarações estapafúrdias de Lula sobre aborto, guerra na Ucrânia e policiais, o capitão vê quase 80% dos eleitores que votaram em Haddad em 2018 apoiarem Lula em 2022, e 30% dos que votaram nele se dividirem entre Ciro, Doria Tebet.

Mentirosos patológicos acreditam nas próprias mentiras, mas só um verdadeiro napoleão de hospício, daqueles comem merda e rasgam dinheiro, não veria nuvens negras no horizonte da reeleição. “Por Deus que está no céu, eu nunca serei preso”, disse Bolsonaro — que também já disse que cumpre uma missão divina e que só Deus o tira da cadeira. Bravatas e bazófias à parte, ele vem reforçando dia sim e no outro também a percepção de que não reconhecerá uma possível derrota nas urnas. Se ele não for contido até a eleição, o país poderá viver seus dias de maior tensão institucional e social em muitas décadas, como apontam a tentativa de acionar o STF contra Alexandre de Moraes e o subsequente pedido de investigação contra o magistrado feito junto à PGR.

 

Tudo o que Bolsonaro faz é de caso pensado, e sua estratégia vem sendo calibrada nas últimas semanas. Em março, por exemplo, a leitura majoritária no Planalto era de que ele não "esticaria a corda" com ministros do STF, dado o risco de comprometer articulações políticas com partidos de centro (naquele mesmo mês, o próprio Bolsonaro admitiu ter sido aconselhado a evitar temas polêmicos envolvendo magistrados).


Ao investir contra o STF e contra Lula, Bolsonaro alimenta a polarização e minimiza as chances de fortalecimento da natimorta chamada terceira via, enquanto se empenha em consolidar votos de eleitores que se desgarram do governo valendo-se, inclusive, da exposição “gratuita” concedida pela mídia quando ele eleva o tom. Ao lança suspeitas ao processo eleitoral, ele aceno ao eleitorado que desconfia de uma suposta teoria para eleger Lula. 

 

Há aliados do governo que defendem a adoção mais frequente de discursos econômicos e um tom mais moderado e outros que apoiam a postura mais combativa, entendendo que o presidente ainda tem tempo para aquecer sua base mais “raiz” e resgatar votos durante a pré-campanha com a estratégia de polarizar e descredibilizar. Por outro lado, estrategistas políticos e profissionais de marketing eleitoral não acreditam que ele saia fortalecido ou vire votos emulando Donald Trump, e tampouco acham possível que isso aumente a rejeição a Lula. Há quem diga inclusive que Bolsonaro deveria aproveitar a exposição na mídia para explorar pautas propositivas, já que criar um fato novo a cada dia constrói uma narrativa muito negativa e acalorada contra as instituições. 


O desafio do candidato à reeleição está em construir um discurso pragmático sem abandonar o viés ideológico. Refém do monstro que que ele próprio criou, Bolsonaro terá de manter o discurso ideológico até o fim para não perder os votos que ainda tem. Se abrir mão da ideologia e passar para a racionalidade, suas chances de passar para o segundo turno serão tantas quanto as de João Doria ou de Simone Tebet. E olhe lá.

 

Josias de Souza pondera que todo presidente no exercício do mandato tem o direito de reivindicar a reeleição, mas desde que disponha de desempenho para isso. Economia desaquecida, desemprego, inflação e miséria atormentam a vida dos brasileiros, e Bolsonaro, no poder há três anos e meio, não tem nada a dizer sobre essas ruínas, exceto que seu governo não tem culpa por nenhuma delas. 

 

O problema dos governantes que recorrem à meia verdade é que poucos conseguem resistir à tentação de valorizar exatamente a metade que é mentira. Embora haja ingredientes externos na composição da crise brasileira, a inação do governo e o estado crônico de tumulto em que vive o presidente agravam a crise. Bolsonaro deveria levar à vitrine as realizações que o credenciam para um novo mandato de quatro anos. Como elas não existem, ele fabrica uma ação judicial contra o ministro Alexandre de Moraes, que assumirá a presidência do TSE em agosto.

 

A manobra é de uma clareza meridiana: Moraes conduz no STF inquéritos estrelados pelo presidente. Acusando o ministro de violar direitos e cometer abusos, o investigado cria uma atmosfera de animosidade que servirá de pretexto para contestar o resultado das urnas, caso elas não lhe sorriam. Sorteado relator da encrenca, Toffoli arquivou com a velocidade de um raio a notícia-crime contra seu colega de toga. Com a mesma rapidez, Bolsonaro protocolou uma petição contra Moraes na PGR. 

 

O capitão sabe que a iniciativa é natimorta. Se realmente estivesse interessado em rever abusos hipoteticamente cometidos pelo desafeto no STF, encostaria pedidos de habeas corpus nos processos relatados pelo magistrado na corte suprema, exigindo que as ações fossem levadas a plenário. Mas busca o conflito pelo conflito. Nos últimos dias, caprichou nos gritos, disse palavrões, estimulou a população a ser armar contra o fantasma de uma hipotética “comunização” do país, investiu contra instituições, ameaçou contratar uma empresa privada para auditar as eleições... É como se o presidente e o candidato quisessem demonstrar que não lhes falta um rumo. 

 

A sete meses do fim do mandato, o presidente Bolsonaro conduz o governo para a crise. A cinco meses da eleição, o candidato Bolsonaro leva suas frustrações para a confusão.