Depois das tragédias antinaturais que ceifaram vidas em Minas Gerais, Bahia e Rio de Janeiro, as chuvas torrenciais que caíram no Recife despejam no noticiário mais uma enxurrada de cadáveres e o costumeiro ramerrão das autoridades, que oferecem novas lamentações depois da reiteração de velhos fatos.
Numa evidência de que a democracia brasileira adoeceu, o presidente e o governador de Pernambuco não se dignaram de trocar um telefonema para unir esforços no socorro às vítimas. Preferiram trocar farpas. Paulo Câmara — que é do PSB e apoia Lula — queixou-se de não ter sido procurado por Bolsonaro, que criticou o desafeto por não ter tomado a iniciativa de procurá-lo.
O presidente passou por Recife sem sujar o sapato. Rodeado por meia dúzia de ministros, falou sobre as chuvas que produziram mais de nove dezenas de cadáveres com a naturalidade de quem comenta um fenômeno inevitável. Assiste-lhe razão quando diz que o Brasil tem seus problemas. O próprio Bolsonaro é um deles. Mas as pesquisas eleitorais sinalizam que, como a chuva, esse tipo de problema vai passar. Até Átila, o rei dos hunos, passava. A questão é que a grama não voltava a crescer.
O horror das enchentes é repetitivo justamente porque os desencontros de sucessivos governantes eternizam o flagelo. O interesse dos brasileiros em apuros está acima de qualquer diferença política, mas, a exemplo da morte, o chamado poder público chega pontualmente nas horas mais incertas para esclarecer à população que há males que vêm para pior.
Com Josias de Souza