quinta-feira, 2 de junho de 2022

O BRASIL JOGA CONTRA O BRASIL

 


Bastou Bolsonaro aventar que só participará de debates no segundo round para Lula dizer que também não irá. Segundo o petista, não faz sentido ele “servir de escada” para candidatos que ostentam percentuais abaixo dos dois dígitos nas pesquisas. 

 

Parece aquele meloso “só vou se você for” de começo de namoro, mas é a prova provada da interdependência de nhô-ruim e nhô-pior, como evidenciam as projeções de vitória no segundo turno quando um dos componentes da fórmula Lula x Bolsonaro é substituído por outro candidato.

 

Em 2018, Bolsonaro participou de dois debates antes de ser esfaqueado por um napoleão de hospício (daqueles que não comem merda nem rasgam dinheiro). Na Band, ficou nervoso quando Guilherme Boulos quis saber por que ele embolsava o dinheiro do auxílio moradia em Brasília. Na Rede TV!, foi espinafrado por Marina Silva por ter ensinado uma criança de colo a fazer o sinal de arminha. Convalescente, usou a facada como salvo-conduto para fugir dos debates, embora não se furtasse a dar entrevistas à imprensa, gravar programas eleitorais e participar de eventos com apoiadores. E reconheceu que agiu de caso pensado: “Tudo na política é estratégia”. 

 

Se eu for [aos debates], os dez candidatos vão querer dar pancada em mim. E não vou ter tempo de responder”, ponderou o ex-capitão durante a entrevista que foi ao ar no último dia 31. “Acho que debate teria que ser com perguntas pré-acertadas antes com os encarregados de fazer o debate, até pra não baixar o nível.” 

 

Numa campanha séria, os candidatos são confrontados com assuntos incômodos e precisam se virar sem a cola do teleprompter. O que Bolsonaro propõe é outra coisa: transformar um gênero jornalístico em peça de propaganda. É como se desejasse substituir o debate pelo deboche de um jogo de cartas marcadas.

 

A tática de fugir da raia não é nova. Collor (1989), Fernando Henrique (1998) e Lula (2006) também se recusaram a encarar os adversários no primeiro turno, mas todos lideravam as pesquisas, e Bolsonaro aparece atrás do petista em todas elas. A razão de sua recusa é simples: num debate de verdade, ele precisaria dar explicações sobre a inflação galopante, os rolos dos filhos e a demora a comprar vacinas. Mas ele prefere frequentar ambientes onde não corre o risco de ser questionado. No bate-papo com Ratinho, que já atuou como garoto-propaganda de seu governo, mentiu à vontade sobre a urna eletrônica, as queimadas na Amazônia e as críticas da classe artística.

 

Ciro Gomes não deixou por menos. Em vídeo publicado em seu canal no YouTube, o terceiro colocado nas pesquisas afirmou que a ausência de Lula e Bolsonaro nos debates é uma “covardia inominável”. “Será, Lula, que você vai mostrar ao Brasil que é igualzinho ao Bolsonaro? Por favor, não traia a democracia, não traia os valores que você tanto defendeu quando queria”, afirmou o cearense de Pindamonhangaba. E complementou: “Quando você estava na cadeia em 2018, você entrou na Justiça para a Justiça lhe permitir da cadeia participar do debate, e agora que você está livre […] você não vai?”.

 

As eleições gerais deste ano consumirão R$ 5 bilhões em verbas públicas. Entre todas as disputas, a que mais costuma interessar ao eleitorado é a presidencial. Confirmando-se o esvaziamento dos debates, o pleito ganhará instantaneamente uma aparência de estelionato.

 

Este país só se tornará minimamente sério quando o povo se conscientizar que políticos devem ser cobrados, não endeusados. Quem viver, verá.