O desejo de conquistar eleitores produziu um psicodrama político em busca de soluções para conter o preço dos combustíveis. Os atores reconhecem seu fracasso, mas se esforçam para mostrar que deram tudo para evitar a derrota. Assim, a menos de 100 dias do primeiro turno, o desespero leva Bolsonaro a se perder em iniciativas estúpidas, como é o caso da CPI da Petrobras.
O governo perdeu o bonde lá atrás, quando ainda era possível criar um “fundo de amortização” com os dividendos pagos pela estatal ao governo, que é seu maior acionista. Agora é tarde, Inês é morta, e as tentativas de última hora parecem cenas de um teatro do absurdo. Ao defender a instalação da CPI, o presidente dá (mais) um tiro no pé. Os absurdos, porém, não param por aí: líderes reunidos tentam aumentar o imposto de exportação para estimular o refino no interior do País, como se as refinarias fossem se materializar no ar, do nada, até o dia da eleição. Na verdade, o resultado é o de menos; interessa apenas o movimento, a encenação que transmite ao eleitor a falsa ideia de que seu desejo será satisfeito.
Há mais de uma década que se adverte para a alta dos preços de alimentos e de energia, a sucessão de eventos extremos no clima e o crescimento da população mundial. Para além disso, uma pandemia matou 6,3 milhões de pessoas e uma guerra no leste europeu, envolvendo um grande produtor de petróleo e um grande produtor de alimentos, teima em não terminar. Era de esperar, portanto, que a inflação fosse às alturas, impulsionada também pelo aumento no preço do petróleo.
Os efeitos dessa crise não escaparam ao governo — nem poderiam, porque a reeleição de Bolsonaro depende disso, donde a encenação mal ensaiada de baixar o preço dos combustíveis e do gás de cozinha. Mas a ideia de subvencionar a gasolina, mais que uma negação da crise, é uma forma de aprofundá-la.
Já o primeiro colocado nas pesquisas promete fazer voltar a felicidade de 20 anos atrás. O que diria do Brasil hoje, quando perdemos 233 pessoas em Petrópolis e 129 em Pernambuco? É como se tudo isso acontecesse num outro planeta, como se todos os fatos que se acumulam ao longo dos anos, inclusive a Covid, fossem apenas um raio em céu azul.
A pandemia aconteceu e matou quase 700 mil pessoas no Brasil, mas não se associa a doença à relação com os animais e, nem de longe, à proteção da floresta. A Amazônia é tão controlada por grupos criminosos como os morros do Rio de Janeiro. Que tipo de projeto de segurança pública pode abordar esse problema se mais da metade do território brasileiro é um espaço de trânsito livre para o crime organizado?
Estamos votando para quê? Vamos continuar apenas colocando um band-aid no ferimento ou vamos tratá-lo adequadamente? Claro que quando um governo rejeitado pela própria estupidez está em vias de ser derrotado surge uma grande sensação de alívio. No entanto, é importante vê-lo também como uma espécie de bode na sala. A crise profunda que vivemos há algumas décadas foi mantida assim por um processo de negação. Quanto maior a desgraça, tanto maior a negação. Bolsonaro negou a pandemia, nega as mudanças climáticas, acha que pode conter o preço dos combustíveis e subestima a fome que ronda os lares brasileiros. Ele representa o auge da negação.
As eleições de outubro poderiam ser o início de um encontro com o real, mas dificilmente vamos encontrá-lo no modelo de 20 anos atrás. Ele é dinâmico e expressa a necessidade de uma ruptura muito maior do que as clássicas discussões sobre tamanho do Estado, direita e esquerda e toda a atmosfera do século passado.
Para além de votar num projeto de crescimento econômico, o eleitor precisa compreender que algo se esgotou. Toda a interrogação consequente se volta para a pergunta: que tipo de modelo temos condições de colocar em campo?
Com Fernando Gabeira