segunda-feira, 18 de julho de 2022

A CARA (DE PAU) DO BRASIL

Numa alusão à representatividade popular dos pré-candidatos à Presidência que encabeçam as pesquisas, a revista eletrônica Crusoé perguntou e respondeu quem é "a cara do Brasil". Vale a pena ler a matéria, sobretudo porque as campanhas começam no mês que vem — oficialmente, porque Bolsonaro jamais desceu do palanque e Lula continuou a dirigir os destinos do PT de sua cela VIP, em Curitiba, que transformou em diretório político-partidário, comitê de campanha e palco para entrevistas.

 

A reboque da celeuma sobre o aborto legal de um feto de 7 meses em uma menina de 11 anos, o "mito" dos patetas afirmou que pedirá uma investigação sobre possíveis abusos na interrupção da gravidez. Já o ex-presidiário, como bom gato escaldado, tentou se manter a uma distância segura dessa água, mas a escumalha bolsonarista foi rápida no gatilho e ressuscitou o vídeo no qual o "ex-corrupto" disse que “todo mundo deveria ter direito ao aborto, e não vergonha” (até aí, sou obrigado a concordar).

 

A reportagem destaca ainda o impacto que a pauta de costumes promete ter na campanha e cita Murilo Hidalgo, diretor do instituto Paraná Pesquisas, segundo o qual "um bom resumo da eleição deste ano será Bolsonaro tentando puxar esta eleição ao máximo para a agenda de costumes, enquanto Lula buscará falar só de economia". 


Ainda segundo a matéria, a economia é a principal preocupação dos brasileiros (44%), seguida por saúde/pandemia (15%), questões sociais e corrupção (11%). O capiroto de Garanhuns está mais sintonizado com as emoções e os pensamentos do brasileiro médio, embora o "minto" se saia melhor na questão do aborto. No que concerne à corrupção, a despeito de um dos pilares de sua campanha em 2018 ter sido a roubalheira petista (via mensalão e petrolão), o capetão ombreia com o adversário também nesse quesito. 

 

Observação: É imperativo reconhecer que o povo brasileiro é composto majoritariamente por desculturados, desinformado e ignorantes de quatro costados, daí esse "preconceito religioso" em relação ao aborto. Parafraseando o (hoje macróbio) "Rei da Juventude", sua estupidez não lhes deixa ver que a criminalização da interrupção da gravidez não inibe a prática do "crime", mas cerceia a liberdade das mulheres de decidir sobre seu corpo e sua saúde, obrigando-as a recorrer a clínicas clandestinas, onde o risco de algo dar errado é maior. E vale destacar que Bolsonaro não é contra coisa nenhuma, mas a favor de si mesmo, dos filhos e, claro, de sua perpetuação no poder a qualquer custo. 

 

Outra questão surreal é a da religião. A Constituição assegura a todos o direito de ser ou não crente, de associar-se ou não a uma ou outra instituição religiosa e, em optando por crer, escolher em que e como crer. Curiosamente, ninguém que aspire a algum cargo executivo pode se declarar ateu. Em1985, quando era candidato à prefeitura de São Paulo, FHC se irritou quando Boris Casoy questionou sua crença em Deus e acabou derrotado por Jânio Quadros


Tanto Lula quanto Bolsonaro se declaram cristãos inveterados, mas se parecem mais com personificações de Belzebu do que com ex-seminaristas. Por outro lado, pelo menos nesse aspecto eu tenho de concordar com o petralha, segundo o qual "cada um segue a fé que quer, cada um segue a religião que desejar, o governante não tem que se meter nisso, não tem que ficar utilizando padre ou pastor”.

 

Mudando de um ponto a outro, o fisiologismo do Legislativo é de dar ânsia do vômito a porcos da Tasmânia. Depois que o Senado rasgou a legislação eleitoral e fiscal para autorizar o presidente-candidato a distribuir mais de R$ 40 bilhões a eleitores pobres na boca da urna, o presidente do Senado se dignou de ler em plenário o requerimento de instalação da CPI do MEC, mas, para surpresa de ninguém, empurrou a instalação da comissão para depois das eleições. Afinal, dar visibilidade a depoimentos de pastores larápios e prefeitos achacados seria inconveniente porque contaminaria um noticiário que precisa se concentrar na elevação do Auxílio Emergencial, no vale-gás duplicado, no socorro a caminhoneiros e taxistas, atrapalhando o projeto de reeleição de Bolsonaro.

 

De acordo com Josias de Souza, qualquer investigação seria inconveniente para um presidente que foi empurrado para o epicentro do escândalo do MEC por um par de gravações. Se fosse verdadeira a tese de que não existe corrupção no governo, vá lá. O diabo é que as evidências do tráfico de verbas da Educação só aumentam a inconveniência, já que obrigaria o capitão a passar o resto da campanha se explicando. 


Como se vê, o certo e o errado foram substituídos pelo que convém e o que não convém ao comitê da reeleição. Pelo andar da carruagem, o Congresso deve mesmo arruinar as contas nacionais para acudir os eleitores pobres por apenas cinco meses. Mas convém não criticar. Vigora um novo tipo de moral no Legislativo: a moral da conveniência. Aviltar a Constituição convém. Investigar corrupção, não.

 

"Não há surpresa alguma na PEC do Desespero", diz William Waack. "Comprar votos é o que sempre fez a política como ela é. Vergonha na cara não existe nesse tipo de política (nem gratidão). É um traço aparentemente imutável da nossa cultura, goste-se ou não A questão é saber se a compra de votos vai funcionar (…). Paradoxalmente, Bolsonaro reforça a imagem de seu grande oponente, que é visto pelos mais pobres, em termos de atributos, como aquele que melhor garantiria os benefícios para além do horizonte de dezembro estabelecido na PEC.

 

Dito de outra maneira, o ganho político da derradeira estratégia do licantropo do Planalto tende a ser pífio, o custo financeiro e institucional será enorme — algo que pouco importa para a política como ela é. Bolsonaro foi engolido pelos fatos que, durante a campanha anterior, disse que mudaria se eleito fosse. E deu no que deu. 


ACORDA, BRASIL!