sábado, 16 de julho de 2022

SERGIO MORO DE VOLTA ÀS ORIGENS (FINAL)

 

Um mês antes do afastamento da então presidanta Dilma, o então presidente da Transpetro, Sérgio Machado, disse ao então senador Romero Jucá: “É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional”. Jucá respondeu: “Com o Supremo, com tudo”. A estocadora de vento se foi, o governo do vampiro do Jaburu veio e passou, mas o sonho de Machado & Jucá se concretizou. 


Em março de 2019, ao determinar que todos os casos envolvendo caixa 2 fossem enviados à Justiça Eleitoral, o STF impôs mais uma derrota à Lava-Jato. Cinco meses depois, alegando que réus delatados devem entregar suas alegações finais depois dos réus delatores, a corte anulou a condenação do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine. 

 

Observação: O réu não se defende da delação, mas da acusação feita pelo Ministério Público. Reza o melhor entendimento que: 1) réus colaboradores não estão no polo da acusação — ou seja, também são processados pelo Estado; 2) a lei processual não dispõe sobre prazo diverso para corréus em nenhuma hipótese, sejam eles delatores ou delatados. Dizer que não conceder prazo diferenciado fere o direito de defesa de réus delatados é conversa fiada. Além de não ser prevista em lei, essa prerrogativa só faz sentido na imaginação prodigiosa de magistrados que se valem de criatividade teratológica para retaliar a Lava-Jato. 

 

O precedente criado resultou numa série de anulações de sentenças, mas não satisfez os nobres togados, que acabaram com a prisão em segunda instância — uma prática adotada em quase todo o mundo civilizado e que também havia sido a regra no Brasil por muitas décadas, abolida apenas entre 2009 e 2016 — e abriram as portas das celas de Lula e de outros condenados da Lava-Jato. Na sequência, como se já não bastasse, suas excelências excluíram o acordo de delação de Antonio Palocci do processo do Instituto Lula, pavimentando o caminho que levaria ao reconhecimento da “suspeição” do ex-juiz Sergio Moro. 

 

Em junho do ano passado, por 7 votos a 4, o plenário ratificou a decisão da 2ª Turma que reconheceu a “parcialidade” de Moro, que não teria condenado Lula em julho de 2017 por causa das inúmeras provas existentes contra ele, mas apenas para tirá-lo da disputa pelo Planalto e facilitar a vitória de Bolsonaro, cujo ministério ele, Moro, passaria a integrar um ano e meio depois. Há coisa de dois meses, parlamentares petistas e advogados do grupo Prerrogativas capitaneados pelo deputado petista Rui Falcão — um dos coordenadores da campanha de Lula —, protocolaram uma Ação Popular na Justiça Federal do Distrito Federal pedindo a responsabilização do ex-juiz da Lava-Jato por eventuais ilegalidades cometidas por ele durante a operação. Para completar o escárnio, a Segunda Vara Cível da Seção Judiciária do DF aceitou a denúncia, que não só é questionável do ponto de vista processual como também é exemplo perfeito da inversão de valores promovida pelo revanchismo petista contra a Lava-Jato e aqueles que a conduziram.

 

A exemplo de Moro, o ex-procurador Deltan Dallagnol foi enredado num emaranhado midiático que teve início com a Vaza-Jato (detalhes nos capítulos anteriores). A partir de então, bastava o ex-coordenador da força-tarefa de Curitiba emitir uma opinião sobre o combate à corrupção para ser alvo de processo disciplinar. Lula pediu uma indenização de R$ 1 milhão por “violação de sua imagem e sua honra” (devido ao Power Point exibido numa coletiva de imprensa em 2016, cujo principal slide exibia o nome do petralha rodeado alusões aos crimes dos quais ele estava sendo acusado). 

 

Observação: Como vimos no post do último dia 29, a ação foi julgada improcedente em primeiro e segundo graus (para o TJ-SP, a atuação do ex-procurador ocorreu dentro de suas funções como membro do MPF, não havendo abuso em sua conduta), mas a 4ª Turma do STJ condenou Dallagnol a pagar R$ 75 mil ao petista. Em nota divulgada no final de março, o ex-procurador afirmou que a condenação reforça o contexto histórico de “reação, vingança e perseguição” do sistema político àqueles que lutam contra a corrupção. 

 

Em maio, o TCU notificou Dallagnol de que terá de devolver R$ 2,8 milhões aos cofres públicos — valor referente a passagens e diárias de procuradores durante o andamento das investigações do Petrolão. Detalhe: o relator do processo, ministro Bruno Dantas, foi um dos convidados do jantar oferecido no final do ano passado pelo grupo Prerrogativas (formado por advogados antilavajatistas) em homenagem a Lula. Pelo andar da carruagem, não será surpresa se, mais adiante, o TCU determinar que o dinheiro seja enviado diretamente à coordenação da campanha do ex-presidiário ora candidato, como forma de “indenizá-lo”.

 

A iniciativa mais recente da petralhada foi acionar o TSE contra Dallagnol por “propaganda eleitoral negativa antecipada”, devido a uma montagem que o ex-procurador compartilhou em suas mídias sociais. O PT pede ainda que o deputado federal Paulo Eduardo Martins e o site bolsonarista Terra Brasil Notícias, que compartilham a montagem, sejam multados, mesmo não tendo havido pedidos de voto em determinado candidato nem de “não voto” no demiurgo de Garanhuns. Dallagnol afirmou que a ação visa silenciá-lo e censurar a liberdade de manifestação dos demais citados na ação. 

 

A prosperar o pedido do PT, a simples menção ao Petrolão e toda a corrupção cometida por Lula ao longo de sua passagem pelo Planalto passaria a ser legalmente coibida como “propaganda eleitoral antecipada negativa”, dando margem para que se proíba qualquer crítica a qualquer pré-candidato, com efeitos nefastos para a liberdade de expressão. Como se ainda fosse pouco, os advogados da campanha do petista afirmam que “nos processos judiciais referidos no vídeo o senhor Luiz Inácio Lula da Silva foi inocentado pela Justiça brasileira”, quando na verdade não existe uma única decisão judicial, nem no caso do tríplex, nem no caso do sítio, em que Lula tenha sido declarado inocente (mais detalhes no capítulo anterior).

 

Observação: O eleitor brasileiro tem o direito de não ver bloqueada a divulgação de fatos, ainda que negativos, sobre aqueles que pretendem ocupar cargos eletivos. Embora não possa mais ser usado nos tribunais, o conjunto de provas contra Lula continua sendo um registro histórico da existência dos megaesquemas que sangraram o Brasil. A corrupção existiu, e isso Lula e o PT jamais conseguirão apagar.

 

Uma vez neutralizados os resultados da Lava-Jato e desmoralizados os principais responsáveis por colocar tantos corruptos na prisão, resta o ato final: garantir que nada semelhante volte a ocorrer no futuro. Para intimidar procuradores, promotores, policiais e juízes, o Congresso aprovou uma absurda Lei de Abuso de Autoridade; para embaralhar o processo penal e dificultar as delações premiadas, retalhou o Pacote Anticrime proposto pelo então ministro MoroVale destacar que Bolsonaro poderia ter vetado, parcial ou integralmente, ambos esses descalabros, mas não só não o fez como costurou um acordo com o STF e o TCU para promover mudanças nos acordos de leniência, excluindo o Ministério Público.

 

Nomeado e reconduzido ao cargo à margem da lista tríplice do MPF, o procurador-geral Augusto Aras não só dissolveu a Lava-Jato como afirmou que “o lavajatismo não pode perdurar”. Mas o que é, afinal, “lavajatismo”? O que fez a força-tarefa senão se empenhar em descobrir a verdade sobre os fatos e comunicá-los com transparência ao país, demonstrando que ninguém está acima da lei e que todos precisam responder pelos ilícitos cometidos? Se esse é o “lavajatismo” que incomoda a tantos, ele não só pode como deve perdurar. Lutemos por ele.

 

Com Gazeta do Povo