quarta-feira, 31 de agosto de 2022

DEBATE NA BAND -- O DAY AFTER (CONTINUAÇÃO)

 

Simone Tebet foi quem se saiu melhor no debate da Band, de acordo com a pesquisa qualitativa realizada em tempo real, pelo Datafolha, com 60 participantes. Bolsonaro foi o pior. Lula esperava não só repetir o desempenho que teve na entrevista ao Jornal Nacional, como também cooptar eleitores de Simone e Ciro para a tese do voto útil no primeiro turno. Mas fracassou nos dois propósitos. 


ObservaçãoO assunto corrupção surgiu, enfim, aos olhos do público no debate. Na “sabatina” do JN, em vez de perguntar sobre o maior surto de corrupção da história do Brasil, a parelha entrevistadora disse a Lula (surpreendendo o próprio Lula): “o senhor não deve nada à justiça”. No debate da Band, porém, não houve esta parceria. Confrontado com a incomparável roubalheira havida em seu governo, o petralha se deu mal, o que prenuncia problemas complicados para resto da campanha. Pelo que se viu no debate na Band, Lula pode ficar em silêncio, mas seus adversários vão falar.
 

Após derrapar na resposta à Bolsonaro sobre corrupção, o pajé do PT tentou estabelecer uma tabelinha com Simone — cuja participação na CPI do Genocídio ele teve o cuidado de elogiar. Atacado pelo ex-aliado Ciro, o petista declarou noutro instante que espera atrair o concorrente e seu partido para uma futura aliança política. Por trás dos afagos, via-se claramente sua intenção de estimular eleitores dos adversários a trocar a preferência por Simone e Ciro pela rejeição a Bolsonaro, atribuindo "utilidade" ao voto ainda no primeiro turno.

 

Simone serviu-se do passe recebido para sustentar que houve, sim, corrupção sob Bolsonaro, mas enfatizou que a roubalheira ocorreu também nos governos petistas. Ciro chamou o pajé do PT de "encantador de serpentes" e atribuiu a vitória de Bolsonaro em 2018 ao que classificou de contradições econômicas e morais dele e das gestões petistas.

 

"Triste o Brasil que tem que escolher entre o petrolão e o orçamento secreto", disse Simone, depois que os líderes das pesquisas distorceram os fatos sobre cada um dos escândalos. Lula insiste que foi "absolvido", ciente de que a palavra passa ao eleitorado uma impressão maior de inocência do que reconhecer a prescrição dos casos do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia em razão de manobras jurídicas no STF. 

 

Observação: No processo do triplex, o ex-presidiário havia sido condenado em três instancias. A pena estipulada pelo STJ foi de 8 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão (a decisão transitou em julgado). No do sítio, ele havia sido condenado em duas instâncias e teve a pena elevada pelo TRF-4 para 17 anos, 1 mês e 10 dias. 

 

"O orçamento secreto, eu vetei!", afirmou Bolsonaro, já que a alegação descontextualizada de veto passa uma impressão maior de que, diante do apetite do Congresso, o presidente nada pôde fazer, quando na verdade, temendo ser alvo de impeachment na esteira das investigações sobre sua família, enviou um projeto que resgatou o esquema obscuro após a pressão do Centrão contra o veto inicial.

 

Observação: Bolsonaro ainda sancionou 100% das emendas de relator em 2020, 2021 e 2022. Somando-se esses gastos com a previsão de R$ 19 bilhões para 2023, tampouco vetada pelo presidente, são R$ 72,9 bilhões torrados em compra de apoio parlamentar.

 

Ao longo do debate, Simone aproveitou outras duas oportunidades para reagir moralmente ao líder e ao vice-líder das pesquisas. Na primeira, a tentativa de Lula de levantar a bola para a candidata atingir Bolsonaro ("Queria que a senhora dissesse: houve ou não corrupção no processo e tratamento da Covid?") acabou sendo usada contra o próprio Lula ("Este governo tem esquemas de corrupção, como lamentavelmente teve o governo de Vossa Excelência"). 

 

Na segunda, a tentativa de Bolsonaro de falsificar o conteúdo e o contexto de uma explicação técnica dada por Tebet na CPI rendeu uma reação incisiva da senadora, turbinada ainda pela indignação com a hostilidade anterior do presidente contra a jornalista Vera Magalhães, que havia mencionado sua desinformação sobre vacinas em pergunta a Ciro Gomes. 

 

"Vera, eu não podia esperar outra coisa de você. Eu acho que você dorme pensando em mim. Você tem alguma paixão por mim. Você não pode tomar partido num debate como esse. Fazer acusações mentirosas a meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro. Mas tudo bem", disse inicialmente o capitão, como se não tivesse associado vacinas à Aids e à transformação do vacinado em jacaré. "Não pedi tua opinião", cortou ele duas vezes, quando ouviu a jornalista pedir respeito às mulheres. "Já tá apelando. Já tá apelando", repetiu. 


Na sequência, Bolsonaro virou para Tebet e acusou: "A senhora falou uma frase lá na CPI, o seguinte, frase tua: 'Não é porque houve malversação do dinheiro público que devemos investigar.' A senhora foi conivente com a corrupção na CPI! Não achou nada contra mim. A senhora é uma vergonha no Senado Federal! E não tô atacando as mulheres, não! Não venha com essa historinha de atacar mulher e de se vitimizar."

 

Como um tiozão do zap na presidência, Bolsonaro apenas reforçou, de modo ainda mais distorcido e hostil, o ataque que sua militância virtual havia feito contra Tebet nas redes sociais em maio de 2021, após a sessão do dia 4 daquele mês. Na ocasião, a senadora simplesmente resgatou a decisão do presidente do Senado (eleito com apoio do governo) para explicar que não é de competência dos senadores investigar casos em que não há envolvimento de autoridades federais. Ela lembrou que Pacheco excluiu das funções da CPI as "matérias de competência constitucional atribuídas aos Estados, Distrito Federal e Municípios". 


Eis a frase completa que Simone usou na explicação em seguida: "Não é porque o recurso é federal, foi repassado para estados e houve malversação do dinheiro público que ele pode ou deve ser investigado por esta Comissão." As palavras "por esta Comissão" já haviam sido retiradas em postagens bolsonaristas, de modo a parecer que a senadora seria contrária a qualquer investigação deste tipo. No debate, o presidente tirou essas e outras (como "o recurso é federal, foi repassado para estados").

 

Eis a reação da senadora: "Nós temos que dar exemplo. Exemplo que lamentavelmente o presidente não dá quando desrespeita as mulheres. Quando fala das jornalistas. Quando agride ataca e conta mentiras, como acabou de fazer. Eu quero dizer que eu não tenho medo. Eu quero dizer que fake news e robôs do seu governo não me amedrontam. Eu fiz aquele posicionamento que foi cortado e editado para virar fake news porque estava justificando a decisão do SEU presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco. Foi a decisão dele que impediu a investigação de governadores. Fui fazer uma justificativa da decisão dele. Então quero dizer para o presidente da República — nem é para o candidato — que fabrica fake news e que fala inverdades: eu não tenho medo de você e nem dos seus ministros. Recebi violência política na CPI, fui chamada de 'descontrolada', um outro de dentro me ameaçando porque queria me impedir de falar e de participar da 'CPI da Vida' e, pior que isso, um ministro SEU tentou me intimidar entrando no STF porque eu denunciei um esquema de corrupção da vacina, que Vossa Excelência não quis comprar."

 

Com Lula jogando na retranca, vulnerável no tema da corrupção, Simone acabou sendo mais firme em reação a Bolsonaro do que o petista. Ao menos por alguns momentos da noite, o que a senadora roubou foi a cena da polarização. "O Brasil é muito maior que Lula e Bolsonaro", disse ela em suas considerações finais. Mas o eleitorado parece gostar de apequenar o Brasil. Triste Brasil.

 

Com Felipe Moura Brasil