quarta-feira, 17 de agosto de 2022

O AMOR É LINDO MAS CUSTA CARO

  

Só diz que o dinheiro não compra tudo quem não tem dinheiro. Quem tem sabe que o "vil metal" compra até amor verdadeiro. Duvida? Então repare na camiseta azul com o nome e a carantonha carrancuda de Bolsonaro que o presidente da Câmara vestiu especialmente para participar do lançamento da candidatura do "mito" à reeleição. Agradecido, Bolsonaro se desmanchou em rapapés: 


"Temos hoje aqui a presença marcante do presidente da Câmara, o meu amigo de longa data e dono da pauta na Câmara dos Deputados! (...) Eu sei que hoje a figura mais importante aqui sou eu, mas se não é Arthur Lira, esse cabra da peste de Alagoas, não teríamos chegado a esse ponto. Obrigado Lira!"


Lira é tido por seus pares como um sujeito ríspido, com quem é bom não comprar briga, mas que costuma cumprir as promessas que faz. Ele e Bolsonaro já foram colegas de partido e têm raízes bem fincadas no Centrão. E as semelhanças não param por aí. Ao longo de seus três mandatos (de 2011 a 2021), Lira empregou sete parentes de seu assessor parlamentar e amigo Djair Marcelino da Silva, que é apontado como operador de um esquema de “rachadinhas” na Assembleia Legislativa de Alagoas (que teria sido liderada por Lira quando ele ainda era deputado estadual). O amigão do capetão acabou condenado, mas a sentença foi suspensa pelo TJ-AL, e outra ação foi arquivada pelo STF por "falta de provas". Ainda resta uma, em que Lira é acusado de ter recebido R$ 106 mil do então presidente da CBTU, mas o relator é o ministro "terrivelmente evangélico" André Mendonça, de modo que...

 

Ser o "dono da pauta" é prerrogativa do presidente da Câmara, mas nunca antes na história deste país o Legislativo teve tanto poder. Lira se tornou um ponto fora da curva porque se deparou com um governo em que nem o presidente nem seus principais auxiliares têm habilidade, disposição ou força para negociar apoio político para seus projetos. Além disso, o orçamento secreto e as emendas do relator permitem a Lira arrebanhar maiorias em votações importantes.

 

Bolsonaro esqueceu de incluir em seu discurso laudatório que cabe ao presidente da Câmara — e somente a ele — dar início a um processo de impeachment. Lira herdou de Rodrigo Maia cerca de 60 pedidos (ele dizia ver erros, mas não crimes no procedimento do capetão), e mais oitenta e tantos foram protocolados desde então. Com isso, Dilma deixou de ser a campeã absoluta em pedidos de impeachment: foram 68 ao longo de seus 5 anos, 4 meses e 12 dias de mandato (Collor foi alvo de 29Itamar, de 4; FHC, de 27; Lula, de 37, e Temer, de 33). 

 

O presidente acerta quando diz que "não teria chegado aonde chegou" sem a cumplicidade do “dono da pauta”, mas erra ao chamar o aliado de "amigo". Na política não existem amigos, apenas conspiradores que se unem, e Bolsonaro sabe bem disso, pois ele próprio já abandonou diversos parceiros que se tornaram incômodos (entre os quais Gustavo Bebianno foi o mais emblemático). 


Lira não livrou Bolsonaro do impeachment por amizade, mas porque o controle da iniciativa política em Brasília — e de uma polpuda fatia do orçamento — lhe foi entregue docilmente pelo capetão. O fato de ele ter sido o maior beneficiário do orçamento secreto na Câmara ilustra esse ponto: R$ 357 milhões foram direcionados para sua base eleitoral no ano passado, o que deve tornar tranquila sua reeleição. 

 

Para o "cabra da peste", o melhor dos mundos seria a vitória de Bolsonaro, que manteria tudo como está e facilitaria sua recondução à presidência da Câmara. Daí ele se exibir no palco bolsonarista com a patética camiseta mencionada no início deste post. Lula já disse que "o chefe do Executivo não deve interferir nas disputas pelo comando do Legislativo", mas também deixou claro que no seu governo o controle das votações não ficará exclusivamente nas mãos do Presidente da Câmara. 

 

Jogos de cena à parte, o Centrão se alinhará com o próximo chefe do Executivo, seja ele quem for. Mas Lira pretende vender caro a convivência pacífica com um eventual governo petista. “A preocupação número um de Lira não é se Bolsonaro vai ganhar as eleições ou não, mas como manter o próprio poder”, disse a Crusoé um aliado do deputado alagoano. Em outras palavras, o grande projeto político Lira é ele próprio. Marcelo Ramos, ex-aliado e ora desafeto de Lira, diz que ele se aliará a qualquer governo que se submeta aos seus caprichos e interesses. 

 

(...) Eu possa me dizer do amor (que tive) / Que não seja imortal posto que é chama / Mas que seja infinito enquanto dure”, celebrizou o poeta Vinicius de Moraes em seu "Soneto da Fidelidade". Antes do "caso" com o "mito" dos apatetados, Lira "ficou" com Temer e com Dilma; a diferença é que, agora, o amor só dura enquanto a chave do cofre do orçamento estiver no seu bolso. Como se vê, o amor é lindo, mas também pode custar caro.

 

Com Wilson Lima/Crusoé