Filho de um empresário que fazia questão de mandar o rebento para a Europa em voos de primeira classe, Gustavo Bebianno cursou Direito na PUC-RJ e fez mestrado em Finanças pela Universidade de Illinois (EUA). Bolsonaro, cujo pai sustentava a família obturando e extraindo dentes (mesmo sem jamais ter estudado odontologia), cursou a AMAN e serviu nos grupos de artilharia de campanha e paraquedismo.
Em 1986, aos 31 anos de idade, o capitão da ativa publicou um artigo na revista VEJA em que
reclamava do soldo. A matéria lhe rendeu 15 dias de prisão disciplinar. No ano
seguinte, o indômito oficial voltou à carga com um plano de explodir bombas de
baixa potência em quartéis e academias (também como forma de protesto contra os
baixos salários dos militares). Outro
artigo publicado por Veja revelou essa história e o insurreto foi
excluído do quadro da Escola de Oficiais, mas absolvido
das acusações pelo Superior Tribunal Militar. Mesmo assim,
sua carreira no Exército terminou ali.
No mesmo ano em que deu baixa, Bolsonaro elegeu-se
vereador. Dois anos depois, foi um dos deputados federais mais votados no Rio
de Janeiro, dando início a uma sequência de sete mandatos (ao longo dos quais
aprovou dos míseros projetos e colecionou mais de 30 processos, como vimos nos
capítulos anteriores).
Também como vimos, foi aí que Bebianno entrou
em cena. Eleito presidente, Bolsonaro recompensou os bons
serviços prestados pelo amigo fiel, irmão e camarada nomeando-o
ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência. Um mês e 18 dias depois da
nomeação, “envenenado” pelas intrigas do filho Carlos, que se roía de ciúmes
da amizade do pai com Bebianno, o capetão demitiu seu ministro — o
primeiro de uma longa lista de aliados que se transformariam em desafetos nos
meses subsequentes.
Oficialmente, a exoneração se deveu às
folclóricas candidaturas-laranjas no PSL — esquema do qual Bebianno
não só negou
ter participado como disse ter alertado o presidente. Bolsonaro e
seu triunvirato procuraram
desmenti-lo, mas os áudios divulgados pela revista Veja comprovaram
a versão do ex-ministro — que, em entrevista à Jovem
Pan, disse que não sairia do governo atirando, que foi convidado a assumir
uma direção em Itaipu, mas recusou por
uma questão de dignidade.
Sobre os motivos de seu desligamento, Bebianno assim
se pronunciou: "Fui demitido pelo Carlos Bolsonaro, simples
assim. Não era nem para ter assumido, nunca pedi nada ao presidente desde o
primeiro dia que comecei a ajudá-lo, não queria nada". Na mesma
entrevista, comentou a “agressividade acima do normal de zero dois, que é
conhecido como ‘destruidor de reputações’ e já atacou criou atritos com vários
colegas de partido sem qualquer motivo”.
Mas não há nada como o tempo para passar, e Bebianno
também passou, só que de
aliado a desafeto, e se tornou um dos maiores críticos do governo.
Quatro meses após deixar o governo, o ex-ministro trocou o PSL pelo PSDB,
e não só chamou
o presidente de psicopata como disse sentir-se “vulnerável e
sob risco constante" por ter entrado em choque direto com ele. No
evento que marcou sua filiação ao partido dos tucanos, o advogado declarou que
“a
democracia estava em risco devido à postura de Bolsonaro” e atribuiu o
ambiente de instabilidade política e econômica ao grau de loucura e
irresponsabilidade capitaneado pelo próprio presidente.
Em fevereiro de 2020, Bebianno anunciou sua pré-candidatura à
Prefeitura do Rio. Falava-se inclusive que ele tinha planos de coordenar a
campanha de João Doria à Presidência em 2022, assim como fez com a de Bolsonaro em
2018. Mas não houve tempo para nada disso. Bebianno morreu dia
14 do mês seguinte, em Teresópolis, fulminado por um enfarte agudo
do miocárdio seguido da queda que provocou uma lesão na cabeça — dando azo a
diversas teorias da conspiração, já que o político havia aventado mais de uma
vez a possibilidade de revelar detalhes sórdidos da campanha presidencial de
2018 e estava escrevendo um livro ("Uma eleição improvável")
sobre o assunto.
Uma semana antes de morrer, Bebianno gravou
imagens para um documentário sobre as eleições — dirigido por Bruno
Barreto —, que estava na fase de coleta de depoimentos e dispunha de
muitas imagens de bastidores, colecionadas durante a campanha. Na noite
fatídica, o político acordou por volta das 3 horas, com dores em um dos
braços e no peito. Foi socorrido pelo filho, que estava com ele no sítio — a
esposa e a filha haviam ficado no Rio. No banheiro, caiu, bateu com o rosto no
chão e ficou 30 minutos desacordado até ser levado ao Hospital
Central de Teresópolis, onde veio a falecer.
Bebianno era um arquivo vivo da campanha de Bolsonaro. Ele serviu ao capitão como PC Farias serviu a Collor, e entrou para o rol de mortes igualmente enigmáticas, como a de Ulysses Guimarães (o helicóptero em que ele viajava mergulhou no mar minutos após a decolagem, e seu corpo jamais foi encontrado). Ou o acidente de automóvel que matou Juscelino Kubitschek na via Dutra, ou as igualmente mal explicadas quedas das aeronaves em que viajavam o então candidato à Presidência Eduardo Campos, em agosto de 2014, e o ministro Teori Zavascki, em janeiro de 2017.
Isso sem mencionar os assassinatos
(jamais esclarecidos) dos prefeitos petistas Celso
Daniel, de Santo André (SP), e Toninho
do PT, de Campinas (SP).
Continua...