É difícil qualificar os dois primeiros colocados na preferência do eleitorado usando adjetivos publicáveis. Quanto aos demais, parece improvável, a esta altura da corrida presidencial, que alguém salte da periferia das pesquisas para o segundo turno, e de lá para o Planalto. Mas Einstein ensinou que "algo só é impossível até que alguém duvide e prove o contrário".
As empresas de pesquisas são unânimes sobre o favoritismo de Lula e Bolsonaro, mas divergem quanto ao percentual que os separa e a possibilidade de a eleição ser definida no primeiro turno. Aos analistas, comentaristas e outros "istas", cabe lembrar que as análises se diferem das torcidas porque não se baseiam em preferências pessoais, mas sim em evidências.
Ficou evidente que os franco-favoritos da récua de descerebrados deram com os burros n'água no debate, e que os "azarões" Simone e Ciro tiveram seus quinze minutos de glória. Talvez isso não mude muita coisa, mas o imprevisto sempre pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, e o simples fato de Lula e Bolsonaro agirem como se estivessem imbuídos de uma missão divina não os torna imortais.
O assunto corrupção, que estava latente nas campanhas, foi despertado por Bolsonaro e pode vir a ser um dos eixos de sua propaganda eleitoral (resta saber se seu telhado de vidro resistirá ao contra-ataque). Mas o tratamento grosseiro que o presidente dispensou à jornalista Vera Magalhães foi visto pelos marqueteiros palacianos como seu pior momento no debate.
É possível que o orçamento secreto, os indícios de corrupção no governo e as rachadinha do clã Bolsonaro, entre outros temas que ficaram de fora ou foram abordados superficialmente, sejam explorados nos próximos debates. No deste domingo, Lula mostrou-se claramente indeciso entre ignorar as acusações ou respondê-las. E, quando respondeu, não convenceu — até porque não há uma resposta que desmonte as evidências. De olho num provável segundo turno, o petralha tentou afagar Ciro e Simone, que não morderam a isca e devolveram o afago com ataques à corrupção da era petista.
Lula e Bolsonaro sempre se esquivaram dos confrontos propostos pelos jornais. Só confirmaram presença na véspera do debate promovido pelo Grupo Bandeirantes, TV Cultura, portal UOL e Folha de S. Paulo.
Há em nossa história republicana recente exemplos de debates que foram cruciais para o eleitor definir seu voto, como o de Lula x Collor em 1989. O fato de as redes sociais terem ganhado relevância não desobriga os candidatos de debateram cara a cara seus retrospectos, posições ideológicas e propostas sociais e econômicas, pois é justamente desses confrontos que emergem as inconsistências de seus discursos.
Observação: Vera publicou em sua coluna que o Brasil regrediu a tal ponto em termos civilizatórios e de maturidade política que os candidatos a presidente da República vão a debates como se estivessem prestando um favor à imprensa e ao eleitorado, quando se trata na verdade de um dever elementar de quem tem a pretensão de merecer o voto para comandar os destinos do um país pelos próximos quatro anos.
Acabou que o enfrentamento dos líderes das pesquisas ficou abaixo da expectativa. Lula não botou Bolsonaro nas cordas e tampouco respondeu com veemência a seus ataques. Pareceu aborrecido, mas ao mesmo tempo desinteressado, quando o rival exaltou o Auxílio Brasil e a retomada do emprego, atacou a corrupção do PT, chamou de ex-presidiário e se referiu a seu governo como "cleptocracia".
Observação: Os ataques de Ciro Gomes contra os dois eram mais que esperados. No geral, Ciro se saiu bem, mas Simone Tebet foi ainda melhor. Se isso resultará em intenções de voto, as próximas pesquisas dirão.
Militantes de esquerda cobram nas redes sociais uma reação mais enfática de Lula (o "encantador de serpentes", segundo Ciro) aos ataques dos adversários. Uma corrente sugere que o ex-presidente (e ex-presidiário) explore as "rachadinhas" e a evolução patrimonial do clã Bolsonaro, mas a cúpula da campanha acha melhor não dar enfoque ao tema.
"Só interessa a quem não tem propostas ficar falando do passado", disse o advogado Cristiano Zanin, que integra a coordenação jurídica da campanha. Sobre a resposta que o capo di tutti capi deu sobre corrupção, Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, assim se pronunciou: "Lula falou sobre os seus processos, falou o que aconteceu, que foi perseguido para não ser presidente da República. Acho que foi bem satisfatório".
De acordo com aliados, o demiurgo de Garanhuns se queixou do formato do debate, que não permitia respostas imediatas. Gleisi disse que a campanha irá avaliar os próximos "convite a convite". O que é natural: conforme a eleição se aproxima, há cada vez menos margem para erros.
Bolsonaro desistiu da entrevista que daria à Jovem Pan na última segunda-feira. Ainda não se sabe se ele falará à Rede TV nesta quinta, ao SBT na sexta, e à Jovem Pan na próxima segunda. Embora tenham relativizado seus ataques contra mulheres no último domingo, os marqueteiros preferem evitar novas sabatinas.
Ao fim e ao cabo, foi de Simone Tebet a melhor frase do debate: "Não vi o presidente da República pegar a moto dele e entrar em um hospital para abraçar uma mãe". Dona da melhor participação, a senadora recebeu afagos de Ciro, que chegou a dizer que ela "brilhou". Segundo a colunista Monica Bergamo, os dois ensaiam uma aproximação.
Resta ver até que ponto a incompetência do eleitorado nos levará. Triste Brasil.