segunda-feira, 14 de novembro de 2022

DEIXA O HOMEM TRABALHAR?

 

Bolsonaro sumiu do cercadinho, e a agenda presidencial no site do Planalto informa: "Sem compromisso oficial". Não que ele fosse "chegado no batente". Em 2019, sua média diária era de 5,6 horas; em 2020, 4,7 horas; em 2021, 4,3 horas; neste ano, até o mês passado, 3,6 horas; depois da derrota nas urnas, 36 minutos por dia. 
 
O estudo "Deixa o homem trabalhar?", de Dalson Figueiredo, Lucas Silva e Juliano Domingues, dá conta de que Bolsonaro trabalha, em média, 18 horas por semana a menos que um trabalhador celetista e 14 a menos que um servidor público federal da administração direta. Se parece pouco, saiba que a média de 4,8 horas só foi alcançada quando se contabiliza o tempo de suas viagens. 
 
Em 2019, por exemplo, houve dias em que nosso esforçado mandatário trabalhou 12 horas, mas cargas horárias superiores a 5 horas/dia só foram registradas quando ele estava em trânsito (como em 18 de novembro de 2021, quando voou de Doha, no Catar, para Brasília). Se aplicado o mesmo critério, o tempo gasto com motociatas pelo país, ou comendo farofa nas ruas de Brasília, ou passeando de jetski no Guarujá seria considerado jornada de trabalho. 
 
Ao longo de sua gestão, Bolsonaro gastou mais tempo em almoços (média de 1,3 hora) do que em reuniões com ministros de estado (menos de 1 hora). Durante a pandemia, ele participou apenas de cinco eventos "envolvendo explicitamente o tema vacina", investindo em média 0,9 hora por compromisso, totalizando 4,3 horas — o que equivale, em unidades de tempo presidencial, a três almoços. 

Na manhã do dia 8 de julho de 2021, mês em que o Brasil ultrapassou as 500 mil mortes pela Covid, Bolsonaro conversou durante 50 minutos com devotos, no cercadinho defronte ao Alvorada (a maior parte do tempo foi gasta com piadas e o presidente chegou mesmo a dizer que sua agenda andava “meio folgada”).
 
Como alguém precisa trabalhar nesta banânia, Lula et caterva deslocaram o epicentro do poder do Palácio do Planalto para o Centro Cultural Banco do Brasil, onde funciona o governo de transição. Como assinalou Josias de Souza em sua coluna, o petista foi compelido pelas circunstâncias a governar antes de tomar posse — recluso no Alvorada, Bolsonaro já não administra adequadamente nem os seus rancores.
 
Nos períodos de transição, a perda de força do presidente que está em final de mandato é normal. A diferença no caso de Bolsonaro é que a reclusão voluntária do derrotado torna o enfraquecimento ainda mais intenso. O próprio conceito de autoridade acaba debilitado quando o presidente troca o seu papel institucional de condutor da transição pelo estímulo cúmplice ao movimento de rua que prega o desrespeito ao resultado das urnas. 
 
Desconectado da realidade, Bolsonaro assiste a um processo de feudalização do poder. Seus apoiadores deslizam mansamente para o colo de Lula — cujos desafios incluem instalar na sua transição uma porteira, pois será necessário administrar um grande número de adesões.
 
Triste Brasil.