terça-feira, 15 de novembro de 2022

LUA DE MEL OU DE FEL?

 

Quinze dias depois que o esclarecidíssimo eleitorado concedeu o terceiro mandato ao ex-presidente e ex-presidiário Lula (porque reeleger Bolsonaro não era um opção), nossa republiqueta de bananas comemora o 133º aniversário do golpe político-militar que substituiu a monarquia constitucional parlamentarista pelo presidencialismo republicano. 

 

Na semana passada, o relatório do Ministério da Defesa mijou no chope dos bolsonaristas inconsoláveis, que agora podem vestir suas camisetas verdes e amarelas na Copa do Mundo. Resta saber se haverá real disposição de investigar a confluência de interesses entre quem levou o gato para a tuba e quem financiou a estridência do miado golpista.

 

As conclusões dos militares deram a Bolsonaro uma aparência de Nero de escola de samba, anotou Josias de Souza em sua coluna. Mas, valendo-se de sofismas e estratagemas, forneceram material para as teorias conspiratórias. Mas a única coisa que o imperador do Alvorada conseguiu incendiar foi o que restava da reputação das Forças Armadas: prestando-se ao papel de vassalos do folião golpista, os signatários do documento entregue ao TSE submeteram ao ridículo as forças militares.

 

A passagem de Lula por Brasília deu ao Palácio do Planalto a aparência de sede de um governo de transição. Numa rodinha de políticos, o presidente eleito se referiu a Bolsonaro como "maluco". Lapidando articulações iniciadas pelo vice Geraldo Alckmin, alisa a pele do centrão. Antes, falava em acabar com o orçamento secreto; agora, cogita incluir na transação da transição até o pagamento de R$ 7,7 bilhões em emendas sigilosas que Bolsonaro prometeu, mas ainda não pagou.

 

Em visita ao STF, o petista restabeleceu a institucionalidade no convívio entre o Executivo e o Judiciário. Cumprimentou cordialmente as togas que Bolsonaro trata como gorjetas. Em entrevista que concedeu após a visita, repetiu o bordão da campanha segundo o qual certas despesas seriam "investimentos". Disse que, no dia seguinte à posse, já serão deflagradas obras públicas ao redor do país, para gerar empregos. Faltou explicar de onde virá o dinheiro. Da dívida pública? Da Petrobras? Do BNDES? Gasto ou investimento, nada se faz sem dinheiro. 

 

O Brasil atravessa uma época de faltas — de cordialidade, de equilíbrio fiscal, de dinheiro para o Bolsa Família, de merenda escolar, de remédio barato, de desenvolvimento econômico —, ao mesmo tempo em que vive uma época de excesso de ódio, excesso de orçamento secreto, excesso de concentração de renda, excesso de descaso com a educação, excesso de instabilidade econômica, excesso de ameaças à democracia. 

 

Na transição passada, Michel Temer ofereceu a Bolsonaro dados sigilosos do governo e a Granja do Torto para lhe servir de teto antes da posse. Hoje, Bolsonaro oferece a Lula descortesia, sabotagem e o relento — por alguma razão, Paulo Guedes se mudou para a Granja do Torto no início deste desairoso governo. Lula, que deve se mudar para Brasília depois de sua participação na conferência climática da ONU, terá de se instalar numa suíte de hotel ou numa casa alugada (a nossas expensas, naturalmente). 

 

Nesse contexto intoxicado, a ausência de contato entre o presidente eleito e o candidato à reeleição que restou derrotado é adicionada à rotina nacional como a parte da anormalidade que passou a compor o novo normal na política brasileira.


Triste Brasil.