sábado, 12 de novembro de 2022

OS PROTESTOS E A INTERVENÇÃO MILITAR


Em sua estréia na Gazeta do Povo, Deltan Dallagnol comparou os brasileiros a passageiros que compartilham o mesmo avião, disse não gostar do piloto e achar que seus companheiros fizeram a escolha errada, mas que vai lutar, como cidadão e deputado, para que o nosso voo siga pelas melhores rotas para o nosso país. 

Eu também não gosto do piloto, só que que a escolha errada, a meu ver, foi feita no primeiro turno; no segundo, reeleger o sociopata era tão impensável quando votar no bonifrate do presidiário em 2018.  

Dallagnol escreveu que a eleição de Lula — um símbolo visível e gritante da impunidade no Brasil — lhe causou profunda indignação. "O Padre Antônio Vieira já chamava atenção para essa impunidade em meados do século XVII", relembra o ex-coordenador da Lava-Jato em Curitiba a deputado federal eleito pelo Paraná. "Dizia que os ladrões de galinha roubavam e eram enforcados, enquanto os verdadeiros ladrões, os governantes, roubavam e enforcavam. Mais do que garantir sua impunidade, promoviam retaliações e vinganças."
 
Há várias outras razões para estar indignado com a eleição de Lula e é legítimo protestar neste momento, como sempre foi e sempre será numa democracia. Mas isso deve ser feito dentro da lei. Bloqueios em estradas violam o direito constitucional de ir e vir, causam desabastecimento, prejudicam as exportações, o comércio e atrapalham até mesmo o transporte de pacientes por motivo de saúde. Pedir “intervenção federal” não é a maneira adequada de contestar o resultado de uma eleição. Segundo Constituição e a legislação eleitoral, o poder de rever uma votação compete exclusivamente ao TSE

Tentar desacreditar as urnas eletrônicas (usadas no Brasil desde 1996) é mais uma estultice do verdugo do Planalto, que se elegeu cinco vezes deputado federal (e uma vez presidente da República) por esse sistema. Mesmo assim, no dia seguinte ao da invasão do Capitólio por trumpistas despirocados, Bolsonaro vaticinou: se não houver voto impresso em 2022, algo similar pode acontecer no Brasil.
 
O relatório divulgado na última quarta-feira pelo Ministério da Defesa não apontou provas de fraude eleitoral, mas estimulou bolsonaristas inconformados a prosseguir com as manifestações golpistas defronte aos quartéis. Ou, como escreveu Carlos Graieb, os militares pariram um camundongo grávido de um derradeiro enigma: será, oh dúvida cruel, que o fato de os computadores do TSE terem acessado um ambiente de rede (o que não é o mesmo que a internet) no momento de compilação do código-fonte das urnas não permitiu que pérfidos hackers infectassem o sistema com um comando do tipo “sacanear o Bolsonaro”? 
 
Observação: Vale destacar que o desejo de alongar a tensão em torno das eleições não deve ser atribuído às FFAA, mas ao Ministério da Defesa. Em menos de dois meses, esses militares deixarão o governo — juntamente com seu comandante-em-chefe —, e o país poderá se ocupar dos problemas reais que precisa enfrentar.
 
Lula classificou manifestações golpistas de "protestos sem pé nem cabeça", cobrou a identificação dos financiadores e reafirmou que a urna eletrônica "uma conquista do povo brasileiro". Disse que "não há mais tempo para vingança, raiva ou ódio" e que se candidatou com o compromisso de "recuperar a harmonia entre os poderes" e de mostrar que é "plenamente possível recuperar a normalidade da convivência entre as instituições brasileiras que foram atacadas, violentadas". 
 
É difícil acreditar no que Lula diz, mas não há o que fazer senão torcer para que ele cumpra esses compromissos. O que não será fácil, considerando que quem integrou a tal "frente ampla democrática" vai querer uma boquinha no governo. Isso sem mencionar que abrilhantam o currículo do presidente eleito o mensalão, o petrolão, duas condenações que somavam 26 anos de reclusão quando foram anuladas por togados camaradas e 580 de "férias compulsórias" numa cela da PF em Curitiba.
 
Lula retornará ao Planalto com uma oposição composta não por adversários, mas por inimigos figadais — a fala do general Heleno foi uma amostra do que está por vir. Como bem pontuou Elio Gaspari em sua coluna na Folha, a política brasileira passa por uma fase tóxica. Quando integrava a guarda pretoriana da Collor, o então deputado Roberto Jefferson nunca atirou nos outros. 

Bolsonaro intitula-se líder da direita, mas de uma direita primitiva e radical como ele. Ao longo de toda sua trajetória na política, Lula só enfrentou algo parecido no breve período de sua demonização pela Lava-Jato. Agora, terá que conviver com isso no exercício do mandato. A ideia de que foi eleito por uma frente ampla é bonita, mas quimérica. Essa frente se formou para elegê-lo porque o naufrágio da terceira via não deixou alternativa; a verdadeira frente só poderá surgir na formação do governo e no seu funcionamento.

Triste Brasil.