sexta-feira, 11 de novembro de 2022

ESCOLHERAM O ARBÍTRIO E TIVERAM A CORRUPÇÃO


O primeiro-ministro inglês, Neville Chamberlain, e o colega francês, Édouard Daladier, foram a Munique, em 1938, encontrar Mussolini e Hitler, relembra Marcelo Godoy em sua coluna no Estadão. Visando apaziguar o alemão, entregaram a aliada Checoslováquia, pois havia milhões de razões para a paz e nenhuma para a guerra. Na Inglaterra, Winston Churchill pensava diferente. “Entre a desonra e a guerra, eles escolheram a desonra. E terão a guerra.”

 

Em junho de 2010, o general Carlos Alberto Santos Cruz foi exonerado da Secretaria de Governo devido a divergências com a chamada ala ideológica, e a partir de então passou a fazer fortes críticas ao presidente, a quem já chamou de “o grande traidor deste país” — mas não poupou Lula; numa entrevista concedida à Folha no final do ano passado, ele declarou que “os dois destruíram a democracia”. 

 

Santos Cruz foi sondado por vários partidos e recebeu propostas para se candidatar ao Planalto, ao Senado e até ao governo do Distrito Federal. Acabou se filiando ao Podemos, mas não disputou nenhum cargo nas eleições desse ano. Em setembro, desfiliou-se da legenda; no primeiro turno, declarou apoio a Simone Tebet; no segundo, questionado por Veja, recusou-se a declarar seu voto.

 

No livro "Democracia na Prática — Por um Brasil Melhor", recém-lançado pela editora Almedina Brasil, o general pondera que as eleições de 2018 trouxeram esperanças ao Brasil, que Bolsonaro dizia o que grande parte da população queria ouvir, mas que, mais uma vez, o país foi vítima de uma enganação eleitoral. O caminho da união foi subjugado pelo populismo. Adotou-se a cartilha dos momentos de extremismo da história: o fanatismo; o raciocínio binário: amigo x inimigo, direita x esquerda, para manipular a opinião pública; a desinformação; a mentira; a covardia; as fake news; o assassinato de reputações; o culto da personalidade; e o aparelhamento das instituições. A transparência e o combate à corrupção foram substituídos pelo que existe de pior em prática política: irresponsabilidade e desrespeito institucional, funcional e pessoal. 

 

Na entrevista que concedeu ao UOL no último dia 3, Santos Cruz disse que "Ir para frente dos quartéis é um problema de manipulação da população, com a ideia de que precisamos de uma intervenção militar para salvar o Brasil. É uma ideia que o governo vem tentando, ao se confundir com a instituição militar, desde o início, falando 'minhas Forças Armadas', 'o meu exército'. Isso vai criando um ambiente que Forças Armadas são a salvação. Salvação é o povo e suas instituições."

 

Observação: Dois dias após perder nas urnas, Bolsonaro quebrou o silêncio e fez um pronunciamento. Com um discurso de dois minutos e três segundos, ele agradeceu os votos recebidos no último dia 30, mas não reconheceu a vitória do adversário.

 

O general disse ainda que não votou em Bolsonaro e que o voto em branco era uma opção. Na sua avaliação, o capitão criou as condições de retorno do PT. Sobre o próximo governo, pediu transparência, foco nos mais pobres e o fim da possibilidade de reeleição. A seu ver, não não existe risco de golpe militar: "Não tenho contato hoje, mas estou falando pela experiência que tenho no Exército. Os comandantes são pessoas preparadas, filtradas, passaram por processo seletivo. Eles não vão tomar uma atitude fora da Constituição e desrespeitar o resultado de uma eleição em que maioria do povo brasileiro fez sua opção."

 

Ao Estadão, referindo-se à confissão do senador Marcos do Val, Santos Cruz disse que o orçamento secreto (manobra que conduz milhões para parlamentares como forma de o governo Bolsonaro domesticar o Congresso) é vergonhoso. O problema não se resume a R$ 50 milhões para um parlamentar. São bilhões para alguns. É um mensalão de última geração, um mensalão orçamentário. É imoral. Só não é crime porque se legalizou a imoralidade. O problema é o Brasil perder a capacidade de indignação. Um país anestesiado. Um governo e os Poderes que banalizaram absurdos, fanfarronices, covardias, manipulações da opinião pública e desrespeitos à população”. 

 

A confissão de do Val parece coisa do passado, envelhecida, diante da rapidez com que as tragédias se empilham sobre os restos da moralidade e da ordem pública no Brasil. O assassinato do tesoureiro do PT Marcelo Arruda não o surpreendeu. A desumanidade e o arbítrio estavam presentes nos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, na destruição da Amazônia e nos 680 mil mortos pela Covid por um governo que escolheu a cloroquina em detrimento da vacina. O negacionismo escondeu o ouro dos pastores da Educação, quis impor o voto impresso, aparelhou com militares a Esplanada e aprovou a PEC Kamikaze.


Em 1939, Churchill se mostrou correto: a 2.ª Guerra começou e devastou a Europa. No Brasil de Bolsonaro, o primeiro-ministro britânico diria que, entre o arbítrio e a corrupção, os generais do Planalto escolheram o arbítrio. E tiveram a corrupção.