Ex-ministro da Justiça e secretário de Segurança Pública de Brasília nomeado por Ibaneis Rocha (e exonerado pouco antes de o próprio governador do DF ser afastado), Anderson Torres teve a prisão preventiva decretada após os atos golpistas de 8 de janeiro, enquanto gozava férias na Flórida, e foi preso pela PF no último sábado, ao desembarcar no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, em Brasília.
A análise comparada das declarações de Bolsonaro com a minuta de golpe travestido de "Estado de Defesa", encontrada na casa de Torres, indica que faltou apenas apoio para a concretização do plano. Na live de despedida, o capitão disse que buscou "uma saída" pretensamente legal "para isso aí" (referindo-se à posse de Lula), mas que, para "certa medida", precisaria do "apoio do Parlamento, de alguns do Supremo, de outros órgãos e de outras instituições". Segue a transcrição:
"São 30 de dezembro, está prevista a posse em 1° de janeiro. Eu busquei dentro das quatro linhas, dentro das leis, respeitando a Constituição, uma saída para isso aí, se tinha uma alternativa para isso, se a gente podia questionar alguma coisa ou não questionar alguma coisa, tudo dentro das quatro linhas. E sei que tem muita gente que me critica quando eu falo quatro linhas, mas eu não saí ao longo de quatro mandatos meus das quatro linhas porque ou vivemos a democracia ou não vivemos. Ninguém quer uma aventura. Agora muitas vezes dentro até das quatro linhas você tem que ter apoio. Alguns acham que é o 'pega a BIC e assine', 'faça isso', 'faça aquilo', 'está tudo resolvido', e repito: em nenhum momento fui procurado para fazer nada de errado, violentando seja o que for. Eu entendo que eu fiz a minha parte, estou fazendo até hoje a minha parte. Hoje são 30 de dezembro, até hoje eu fiz a minha parte dentro das quatro linhas. Agora, certa medida tem que ter apoio do Parlamento, de alguns do Supremo, de outros órgãos, de outras instituições. A gente não pode acusar apenas um lado, ou acusar a mim. Você que quer resolver o assunto por vezes, você pode até ter razão, mas o caminho não é fácil."
Os artigos 5°, 6° e 7° da minuta do decreto de intervenção no TSE confirmam a necessidade dos apoios citados pelo presidente, uma vez que elencam os envolvidos no processo subsequente e deixam claro o protagonismo dos militares na comissão de análise do resultado das eleições. Curiosamente, uma anotação sobre o artigo 6 registra que o convite a representantes de OAB, ONU e OEA — entidades não alinhadas ao bolsonarismo — ainda teriam sua pertinência avaliada.
Cerca de um ano antes da eleição, Felipe Moura Brasil publicou o artigo "Polarizar com Barroso e Moraes é estratégia eleitoral de Bolsonaro", cujo antepenúltimo parágrafo dizia: "Em resumo, a estratégia eleitoral de Bolsonaro consiste em polarizar com Barroso e Moraes, colando a própria imagem na das Forças Armadas e deixando no ar a hipótese intimidatória de intervenção militar, sempre narrada como reação legítima a um golpe alheio anterior, já que o bolsonarismo terceiriza suas responsabilidades e não admite derrotas antes, durante, nem depois."
O artigo 1° do pretenso decreto de intervenção confirma a estratégia, a narrativa e a insolência: "Art. 1° Fica decretado, com fundamento nos arts. 136, 140, 141 e 84, inciso IX, da Constituição Federal, o Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília, Distrito Federal, com o objetivo de garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022, no que pertine à sua conformidade e legalidade, as quais, uma vez descumpridas ou não observadas, representam grave ameaça à ordem pública e a paz social."
O cruzamento da live com a minuta evidencia que a "certa medida" apontada por Bolsonaro era a intervenção no TSE, sem prejuízo de outras alternativas golpistas eventualmente aventadas. Fica claro que, se dependesse apenas do "mito", já teria havido golpe, com um "Estado de Defesa" fora das tais "quatro linhas da Constituição".
Resta saber se haverá punição.