Bolsonaro estava tão certo de que nada o atingiria que esqueceu de maneirar durante os quatro anos de mandato. Fez do cartão corporativo uma espécie de rachadinha de plástico. De acordo com a penúltima notícia sobre o tema, o cartão de crédito corporativo cedido ao ex-presidente pagou pelo menos R$ 697 mil durante viagens de campanha. Os gastos incluem de hospedagens a lanches coletivos em motociatas. Um acinte.
A imoralidade se torna rotineira quando o processo normal perde um elemento essencial à autocontenção de gestores públicos: o recato. Numa evidência de que o imoral é contagioso, o então vice-presidente Hamilton Mourão torrou R$ 3,8 milhões com cartão corporativo nos quatro anos de mandato — em valores atualizados, a conta vai a R$ 4,1 milhões, perfazendo média superior a R$ 80 mil por mês.
O Partido Liberal, que recebeu verbas do fundão eleitoral para pagar as despesas eleitorais de Bolsonaro, não quis falar. O ex-presidente também não. Mourão disse que o cartão não ficava com ele. "Existiam agentes que recebiam suprimentos de fundos, seja para as despesas do Palácio Jaburu, seja para as viagens", ele explicou.
Sabe-se que o magnata grego Aristóteles Onassis não gostava de manusear dinheiro. Passava anos sem tocar numa cédula. Tinha acompanhantes para pagar todas as suas despesas. A diferença é que ele gastava seu próprio dinheiro e exigia minuciosa prestação de contas.
Os novos ricos do cartão de crédito corporativo gastam verba pública como se fosse dinheiro grátis. E o controle é precário. Quando a imoralidade atravessa os governos impune, acaba concluindo que o recato é um trissílabo desnecessário.
Com Josias de Souza