segunda-feira, 6 de março de 2023

O OLIMPO DAS TOGAS (PARTE 4)

 



Diz-se garantista o magistrado que assegura a liberdade do réu até a dissipação da derradeira dúvida, mas também há garantistas de ocasião, que só o são quando o réu não é de tendência política contrária. 

A "ala garantista" da cúpula do Judiciário alega que é preciso "libertar geral" para evitar o crescimento insustentável da população carcerária, mas um estudo feito por juristas da FGV concluiu que mandar para a cadeia os réus condenados em segunda instância aumentaria cerca de 0,6% a população carcerária.

De acordo com o ministro Luís Roberto Barroso, a interpretação que interdita a prisão anterior ao trânsito em julgado representa uma proteção insatisfatória de direitos fundamentais, como a vida, a dignidade humana e a integridade física e moral das pessoas. No momento em que se dá a condenação do réu em segundo grau de jurisdição, estabelecem-se algumas certezas jurídicas: a materialidade do delito, sua autoria e a impossibilidade de rediscussão de fatos e provas. Nesse contexto, retardar infundadamente a prisão do réu condenado estaria em inerente contraste com a preservação da ordem pública. A afronta à ordem pública torna-se ainda mais patente quando consideramos o baixíssimo índice de provimento de recursos extraordinários, inferior a 1,5% (em verdade, inferior a 0,1% se levarmos em conta apenas as decisões absolutórias). Ao evitar que a punição penal possa ser retardada por anos e mesmo décadas, restaura-se o sentimento social de eficácia da lei penal. Iniciando-se a execução da pena desde a decisão condenatória em segundo grau de jurisdição, evita-se que a morosidade processual possa conduzir à prescrição dos delitos.

 

Já o ex-ministro Marco Aurélio defendia o induto de Natal  uma tradição nacional, segundo ele. Tradição ou não... bem, assista a este vídeo e tire suas conclusões. O problema da superlotação carcerária não se resolve soltando os presos, mas construindo mais presídios e gerenciando melhor os que estão em funcionamento. Alguns magistrados, porém, pensam diferente. "Tempos estranhos", dizia com irritante regularidade o primo de Collor, notadamente quando sua opinião não era acatada pelos pares).


Nas últimas oito décadas, exceto no período entre 2009 e 2016, a prisão do réu condenado (em primeira ou segunda instâncias) foi regra. No julgamento do HC 84.078, relatado pelo então ministro Eros Grau, passou-se a exigir o trânsito em julgado para execução da pena, mas o próprio Grau declarou posteriormente que: “Neste exato momento, até fico pensando se não seria necessário prender em primeira instância esses bandidos que estão aí —inclusive do Lula; se ele foi condenado depois de uma série de investigações, é porque é culpado.”

Naquele intervalo de 7 anos, políticos corruptos e outros criminosos de colarinho branco fizeram a festa, recorrendo a todos os itens do cardápio de chicanas procrastinatórias para empurrar os processos até que a prescrição os livrasse da cadeia (entenda-se por prescrição a perda da pretensão punitiva estatal em razão do decurso do lapso temporal previsto em lei).

 

Diferentemente do que alegam os "garantistas" e quem mais reza pela mesma cartilha, a presunção de inocência e a garantia da liberdade e a proibição da prisão arbitrária são coisas diferentes. Juízes devem julgar de acordo com a lei, mas não devem ficar atrelados à letra fria da lei, sob pena de distribuírem mais injustiças do que Justiça. Por outro lado, como qualquer um de nós, eles também estão sujeitos a paixões e ideologias.

 

Devido ao fiasco do governo Bolsonaro, uma parcela considerável dos brasileiros parece ter a intenção de canonizar Lula em vida, ou, no mínimo, promovê-lo a Imperador Vitalício do Brasil. E algumas decisões jurídicas sugerem que as sentenças dos amigos e amigos dos amigos só "transitarão em julgado" no Dia do Juízo Universal. A pergunta que se impõe é: quantas vezes o sujeito precisa ser condenado para começar a pagar sua dívida com a sociedade


Duas vezes, como acontece na maioria de países livres, civilizados e bem-sucedidos, são mais que suficientes. Se houver um erro na condenação em primeira instância, o juízo colegiado poderá repará-lo; se não o fizer, é porque não houve erro. Isso não significa impedir os réus de apelar aos tribunais superiores, mas impedi-los de recorrer em liberdade, sob pena de eles virem a ser presos no dia de São Nunca.


Nosso sistema penal conta com quatro instâncias, e cada uma delas oferece uma vasta gama de chicanas ― para o gáudio dos criminosos e dos criminalistas que os defendem, que cobram gordos honorários para ingressar com toda sorte de embargos, visando empurrar o processo com a barriga até o advento da prescrição. A defesa de Luis Estevão ingressou com 120 recursos até seu cliente finalmente ir para a cadeia, e a de Paulo Maluf protelou a prisão do réu por quase 40 anos, mas foi mandado para casa por Dias Toffoli, que alegou "razões humanitárias". A condenação de Lula no caso do tríplex foi objeto de mais de 400 recursos até transitar em julgado no STJ


ObservaçãoNa Suprema Corte americana, a média anual é de apenas 80 julgamentos; no Tribunal Constitucional alemão, menos de 2 mil; no STF Brasil são mais de 100 mil. Isso se deve em parte ao fato de que, para além de corte constitucional, o tribunal ter se tornado uma espécie de quarta instância. "O Supremo se tornou um tribunal de pequenas causas da política”, ensina Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola de Direito paulista da Fundação Getúlio Vargas. O excesso de atribuições resultou num desenho institucional ruim, e com desenho institucional ruim, é difícil funcionar bem. O deslocamento de determinadas competências para o âmbito das Turmas, partindo do pressuposto de que colegiados com menor número de integrantes decidem os feitos em menor espaço de tempo, não foi suficiente para resolver o problema. Aliás, muito se fala em "judicialização" da política, mas o fato é que o Congresso se acostumou a jogar seus conflitos no colo dos togados.

Continua...