A corrupção chegou ao Brasil travestida de nepotismo quando Pero Vaz de Caminha pediu a El-Rey que intercedesse em favor de seu genro (condenado por roubo e degredado para a Ilha de São Tomé). Mas a impunidade, velha conhecida dos lusitanos, logo desembarcou no país do futuro que nunca chega. Em 1543, quando o dinheiro para a construção de um aqueduto na cidade alentejana de Elvas acabou antes da conclusão da obra, a comissão parlamentar que auditou a contabilidade concluiu que o desembargador português Pero Borges desviara exatos 114.064 reais (valor correspondente a um ano do seu salário).
O julgamento se arrastou por anos a fio, mas Borges foi condenado a devolver o dinheiro e proibido de exercer cargos públicos por três anos. Parecia que a justiça havia sido alcançada, mas, 14 meses após a condenação, muito antes do fim do período de punição, o rei promoveu o condenado a ouvidor-geral do Brasil — cargo equivalente ao atual de ministro da Justiça. Em 15 de janeiro de 1549, duas semanas antes de partir para o Brasil, Borges recebeu de sua majestade a promessa de que, "se bem servisse", seria promovido a desembargador da Casa de Suplicação tão logo retornasse ao reino (mais detalhes em A coroa, a cruz e a espada: Lei, ordem e corrupção no Brasil, do jornalista e historiador Eduardo Bueno). Mas a coisa não parou por aí.
Em 17 de janeiro de 1949, El-Rey concedeu a Simoa da Costa, mulher de Borges, uma pensão anual de 40 mil reais a ser paga durante o tempo em que o marido estivesse no Novo Mundo. Para servir no Brasil como ouvidor-geral, Borges embolsava 200 mil reais por ano, mais que o salário nominal de um desembargador do Paço (170 mil reais), e contava com uma dúzia de cupinchas — entre os quais o escrivão Brás Fernandes (40 mil reais por ano) e o meirinho Manuel Gonçalves (20 mil reais anuais). E todos conseguiram receber seus salários antes de zarparem para o Brasil na frota do governador-geral Tomé de Souza, que já se encontrava fundeada no porto, aguardando por eles.