domingo, 7 de maio de 2023

FILHO DE PEIXE PEIXINHO É

 

Na Famiglia Bolsonaro, quem sai aos seus não endireita. O MPRJ colecionou evidências capazes de transformar em denúncia formal a suspeita de que o gabinete de Carlos Bolsonaro na Câmara Municipal do Rio é mais uma filial — com trocadilho — do conglomerado familiar da rachadinha. O diminutivo não atenua a gravidade do crime, e o esquema mantém o método do patriarca, que desfrutou de 32 anos de mandatos, elegeu três filhos e com eles construiu a holding da rachadinha. Passaram pelos gabinetes da família, entre ex-mulheres, parentes e laranjas, 102 pessoas que se deixaram extorquir, cedendo parte do salário.

Descobriu-se que o chefe de gabinete Jorge Luiz Fernandes, visto como uma espécie de segundo pai de Carluxo, recebeu algo como R$ 2 milhões em créditos provenientes de contas de seis servidores levados à folha do legislativo municipal pelo vereador. Parte do dinheiro pagou contas do dono do gabinete. A promotoria jogou luz sobre os calcanhares de vidro do pitbull do clã quando se descobriu sete parentes de Ana Cristina Valle, ex-mulher de Jair Bolsonaro e madrasta do vereador, foram empregados no gabinete, mas não compareciam ao trabalho. 

Observação: Já havia chegado ao ex-presidente e à cúpula do PL a informação de que "está se fechando o cerco" da investigação que o MPRJ conduz sobre Carluxo, que comprova, como revelou o GLOBO, a prática de 'rachadinha' no gabinete do vereador — um pedido de prisão não é descartado pelos correligionários da sigla.


A investigação começou em 2019, primeiro ano do capitão na Presidência. Por uma emboscada do azar, o inquérito amadurece depois que o pai do suspeito, fora do Planalto e crivado de processos, já não dispõe de poder para blindar o filho, como fez com o primogênito. Entende-se agora o porquê de Zero Dois ter propalado, dias atrás, que deixaria de administrar as redes sociais do pai. Ele passou a ter outras prioridades.

E.T. — A versão tupiniquim de El Cid — que nada tem a ver com o nobre guerreiro castelhano que viveu no século XI, época em que a Hispânia estava dividida entre reinos rivais de cristãos e mouros — segue numa unidade militar de Brasília. Valendo-se de intermediários, o esbirro do capetão mandou dizer ao chefe que pretende assumir sozinho a responsabilidade por tudo que a provas colecionadas pela PF tornarem irrefutável. A lealdade do tenente-coronel orna com o enredo construído pela vice-procuradora Lindôra Araújo, mas destoa da percepção do ministro Alexandre de Moraes, segundo a qual "não é crível" a narrativa de que o ajudante de ordens pudesse ter comandado operação criminosa destinada a beneficiar Bolsonaro e a filha dele sem "no mínimo conhecimento e aquiescência" do chefe. 

 

De resto, consolida-se a impressão de que a expressão "eu não sabia" passará à história como uma frase-lema do Brasil pós-ditadura. Será lembrada quando, no futuro, quiserem recordar a época em que o país era regido pelo cinismo. Lula recorreu ao "eu não sabia" no escândalo do mensalão petista. O tucano Eduardo Azeredo repetiu a frase no processo do mensalão tucano. Agora, Bolsonaro se vale do mesmo subterfúgio. Usada assim, tão desavergonhadamente, a expressão já virou uma espécie de código. Quando ela aparece, já se sabe que o país está diante de mais um desses escândalos que, de tão escancarados, intimam o brasileiro a reagir, nem que seja com uma cara de nojo. Mas sempre há quem se disponha a conceder aos encrencados um deixa-pra-lá preventivo, que transforma culpados e cúmplices notórios em cegos atoleimados.

 

A excentricidade da crise do bolsonarismo é a transgressão acéfala, a máfia sem "capo", a quadrilha sem chefe. Estão na cadeia Daniel Silveira, Anderson Torres e Mauro Cid. Na aparência, são seres diferentes; na prática, igualam-se nas bolsonobabaquices. Os três são ex-alguma coisa — ex-deputado, ex-ministro, ex-ajudante de ordens — e se encrencaram por seguir e obedecer ao pior mandatário que esta banânia amargou desde Tomé de Souza. Presos, passaram a ser ignorados pelo líder e ex-chefe. Com um ano de atraso, o Supremo anulou o indulto presidencial que o capetão concedeu a Silveira — cujas férias compulsórias serão longas, já que a sentença de oito anos e nove meses de cana voltou a valer... e Bolsonaro se finge de morto.

 

No caso das muamba das arábias, o verdugo do Planalto disse à PF que não sabe por que Cid correu para tentar reaver as joias. Jura que não ficou cobrando ninguém, e tampouco encomendou cartões de vacina falsos para ele e para a filha. Pelo andar da carruagem, quando for interrogado sobre os atos terroristas e 8 de janeiro, esse repugnante dublê da carcinoma e ajudante do vírus SARS-CoV-2 talvez verta lágrimas (prática cada vez mais frequente) e pergunte: "Quem é Anderson Torres?" 


O capetão virou um antilíder que finge humildade reivindicando o papel de cego abobalhado. Não viu, não soube e não pediu coisa nenhuma. Não vai colar.


Com Josias de Souza