quarta-feira, 26 de julho de 2023

O CASO MARIELE E A DELAÇÃO DE QUEIROZ

 

A penúltima operação relacionada com o assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista foi batizada com o nome da deusa grega Élpis, que personificava a esperança. Mas é pálida a esperança produzida pelo retorno do ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa à cadeia, uma vez que continua sem resposta a pergunta de 1 milhão: Quem mandou matar Marielle?
 
Segundo a promotoria, os criminosos repudiavam Marielle por sua pauta política e a executaram por "motivo torpe". A Polícia Civil fez coro: "Crime de ódio". O então governador Wilson Witzel soltou rojões: "É uma resposta importante que estamos dando à sociedade, a elucidação de um crime bárbaro?" Dava-se por encerrado um caso que continuava nebuloso.
 
Em fevereiro, o ministro Flávio Dino "federalizou" o inquérito, guindou a elucidação do caso ao patamar de "questão de honra" e impôs à Polícia Federal o desafio de provar que não existe crime perfeito, mas crime mal investigado. Na última segunda-feira, disse que a investigação "mudou de patamar" com a delação premiada de Élcio de Queiroz. Segundo, há elementos para chegar aos mandantes do crime "já nas próximas semanas". 
 
A ótima notícia é que entrada da PF no caso sacudiu em cinco meses a poeira de um inquérito que envergonha o Brasil há mais de cinco anos. A boa notícia é que Queiroz tornou-se colaborador. A péssima notícia é que, pelo que foi divulgado até momento, a delação tem a aparência de feijoada com muita água, pouco feijão e nenhuma carne.

ObservaçãoA amizade entre Queiroz e Lessa surgiu há mais de 30 anos, quando este começou a namorar uma amiga de infância daquele. Anos depois, ambos passaram a integrar o Batalhão de Choque da PM-RJ, e o relacionamento se solidificou até desmoronar com a delação. Mas a lua de mel começou a azedar depois que Lessa deixou de repassar o dinheiro para o pagamento do advogado de defesa do comparsa (além da quantia destinada para as despesas da família do ora delator). A quantia repassada era fruto de um acordo Suel. Os dois eram responsáveis por um esquema de gatonet na comunidade de Jorge Turco, nos bairros de Coelho Neto, Colégio e Rocha Miranda, na Zona Norte do RioEssa "mesada" vinha sendo paga desde 2019, quando R$ 5 mil eram depositados regularmente na conta de Queiroz. Mas o valor foi minguando, e fazia mais de um ano ele não recebia um tostão. 
 
Pela lógica das colaborações, peixes miúdos entregam tubarões. Queiroz dirigia o carro que perseguiu Marielle em março de 2018 e foi preso um ano depois do duplo assassinato, juntamente com o comparsa Ronnie Lessa, autor dos disparos. Ambos negavam as acusações e aguardavam presos a convocação de um júri popular para julgá-los, quando então o comparsa-delator resolveu entregar detalhes que permitiram aos investigadores confirmar o que já se sabia. 

Olhando para dentro, Queiroz confessou a própria participação no crime; virando-se para o lado, entregou Lessa e apertou um pouco mais o nó no pescoço de Suel; mirando sete palmos debaixo da terra, acusou o também ex-PM Macalé de chamar Lessa para a empreitada. O problema é que Macalé foi assassinado há dois anos e os executores não foram identificados.
 
No acordo de colaboração, Élcio disse que ouviu de Lessa a lorota segundo a qual o cúmplice decidiu matar Marielle por "motivação pessoal". No mundo em que as coisas fazem sentido, matadores de aluguel matam por encomenda. Agem por dinheiro, não por capricho. O otimismo de Dino será justificável se houver alguma informação desconhecida num anexo ainda sigiloso da delação. Do contrário, restará a impressão de que a colaboração é uma mistura de notícias velhas sobre investigações antigas com espertezas de um preso em busca de favores judiciais. 

Hoje, como ontem, continuam piscando no letreiro nacional um par de indagações cruciais: Quem mandou matar? Por quê? O caso só mudará de patamar quando essas perguntas forem respondidas.

Com Josias de Souza