domingo, 2 de julho de 2023

TCHAU, QUERIDO. JÁ VAI TARDE!

 

Após semear muitas ventanias e disparar inúmeros raios que os partam, Bolsonaro colheu sua primeira tempestade no TSE. Para se abrigar da intempérie, ele contava com os préstimos de Nunes Marques: "Tenho certeza de que ele será isento e fará o possível para mostrar que eu não tenho culpa.

Mesmo que o ministro-tubaína fizesse um gol contra a lógica exposta nos autos, o resultado final estava nas mãos de duas togas ofendidas pelo encrencado, já que o destino, caprichoso, colocou um ofensor indefeso na marca do pênalti e escalou dois ofendidos para a cobrança. 
 
Chamados por Roberto Jefferson, o herói da resistência bolsonarista, de Cármen-Lúcifer e Xandão, os julgadores ganharam a aparência de artilheiros que batem pênalti com consciência. Nesse contexto, nem Deus ousaria desviar a bola para cima da trave ou pelas balizas laterais. A condenação foi consumida antes mesmo de ser consumada pelo TSE

O ministro bolsonarista Raul Araújo frustrou parcialmente os desejos da defesa ao se abster de formular o pedido de vista protelatório encomendado publicamente. E ainda que ele tenha votado pela absolvição do ex-presidente, seus argumentos foram triturados pelo ministro Floriano de Azevedo Marques, segundo o qual "alguém pode acreditar que a terra é plana e integrar a confraria da borda infinita, mas que, se for professor da rede pública, não pode lecionar inverdades científicas aos alunos, pois isso seria desviar as finalidades educacionais do docente." 

Floriano explicou ainda que, se alguém põe fogo no edifício, o fato de os bombeiros chegarem a tempo de apagá-lo não elide a intenção do incendiário, pois isso seria seria premiar a conduta ilícita pela eficiência de quem a coíbe. Até uma criança que o ouvisse compreenderia que, ao tentar tocar fogo na democracia, o ex-presidente desencadeou um processo de autocombustão que resultou na sua exclusão da cédula nas eleições de 2024, 2026 e 2028.
 
Moraes votou de olho no retrovisor. Rememorou uma sessão de 28 de outubro de 2021, na qual o TSE livrou a chapa Bolsonaro-Mourão da cassação. Na oportunidade, ele avisou que quem repetisse em 2022 o modelo de difusão de mentiras que caracterizou a campanha bolsonarista em 2018 iria para a cadeia. Disse a Justiça é cega, mas não é tola, e insinuou que Bolsonaro não pode alegar que desconhecia os riscos, pois havia sido alertado um ano antes das eleições de 2022. 

Observação: Moraes soou esquisito ao falar sobre prisão durante sessão de uma Corte eleitoral. Daí a relevância do termo. A sentença sobre a inelegibilidade de Bolsonaro será enviada à PGR para a análise das providências a serem adotadas na seara penal. Vale lembrar que o magistrado conduz no Supremo inquéritos sobre milícias digitais e difusão de fake news. Quer dizer: a excursão do capitão pelos nove círculos do inferno está apenas começando.
 
Ao tomar conhecimento da decisão da corte eleitoral, Bolsonaro protestou: "Abuso de poder político? Por defender algo que eu sempre defendi quando parlamentar [o voto impresso]?" Ele se faz de bobo, mas sabe muito bem que sua punição se deveu ao uso da infraestrutura e do status de chefe de Estado para disseminar uma campanha de desinformação contra o processo eleitoral do próprio país. 

Bolsonaro fez críticas indiretas ao ministro Alexandre de Moraes, afirmando que ninguém pode ser o dono da verdade, e que única magistrado toma medidas de acordo com sua cabeça. Mas a decisão de torná-lo inelegível foi tomada por 5 dos 7 ministros que compõem o TSE. Além disso, seus argumentos e insurgimentos não são meros enganos ou erros de interpretação, mas, sim mentiras deslavadas. À luz dos estragos que as mentiras podem causar às instituições republicanas, torçamos para que o devota da cloroquina seja punido também por isso.
 
Enquanto o TSE julgava Bolsonaro por ter tentado implantar uma ditadura absoluta no Brasil, Lula afagava Fidel e Chávez, dizia "ter orgulho de ser chamado de comunista", que a Venezuela é uma "democracia relativa" e que "essa coisa de ditadura" não passa de "narrativa" dos adversários (no que foi prontamente contestado pelos presidentes do Uruguai e do Chile). 
Se o antigo gabinete do ódio quisesse adubar o antipetismo que fez florescer a ultradireita nacional, não encontraria um jardineiro tão competente quanto Lula. 
 
Dizer que o TSE fez história é uma meia verdade. Quem fez história foi o eleitorado, que sonegou a um mandatário precário o prêmio da reeleição. O problema das meias verdades é o risco de prevalecer justamente a metade mentirosa. 

Bolsonaro ensinou que democracia é o nome que os políticos dão ao povo quando precisam dele para evitar um mal maior. Para derrotá-lo, Lula cooptou Alckmin e costurou uma fantasiosa frente ampla. Quem votou nele para salvar a democracia já percebeu que um mal menor não deixa de ser um mal. Do jeito que a coisa vai, o petista disputará com o ex-genocida do Planalto o posto de líder da oposição.
 
Observação: A defesa de Bolsonaro sinalizou que pretende recorrer ao TSE e ao STF. Tanto os embargos declaratórios quanto o recurso extraordinário têm prazo de três dias, mas o primeiro suspende a contagem do prazo para a apresentação do segundo. Ainda que as chances de reverter a condenação sejam próximas de zero, nunca é demais lembrar o caso de Lula, que passou da cadeia para a cadeira presidencial.
 
O patriarca do clã das rachadinhas e mansões milionárias compradas com panetones e dinheiro vivo pisoteou e cuspiu em todas as instituições democráticas do Brasil. Sua psicopatia e o espírito autocrata não pouparam nada nem ninguém — do STF à imprensa, passando pelo Congresso e pelo TSE, todos foram atingidos pelos perdigotos antidemocráticos do "mito". 

Já tivemos no Planalto aberrações Sarney — o criador do Centrão —, Collor — o caçador de marajás de araque —, Lula — o ex-presidiário ex-condenado — e Dilma — o desastre socioeconômico sem precedentes —, mas nenhum conspirou contra o estado democrático de direito nem tentou um golpe de Estado. 
 
Bolsonaro feriu fundo nossa frágil democracia, e as lesões permanecerão em carne-viva por anos, talvez décadas, pois as convicções antidemocráticas de seus seguidores não arrefeceram — haja vista o 8 de janeiro. A decisão que o afastou das urnas até 2030 é um alento, mas uma solução "mais permanente", por assim dizer", exige que o povo brasileiros aprenda a escolher melhor seus representantes e governantes.

Triste Brasil.