Preso desde 3 de maio, Mauro Cid já contabiliza três advogados. O primeiro rodou porque soava mais interessado em salvar o pescoço de Bolsonaro do que em afastar seu cliente da forca, e o segundo, especialista em delações, abdicou da defesa sem converter o vassalo do suserano em colaborador.
O causídico recém-contratado tenta vestir farda nos crimes do fardado. Tão logo assumiu, afirmou que, por sua formação militar, seu cliente "sempre prezou pelo respeito a chefia, pela obediência hierárquica, e é exatamente essa obediência a um superior militar que há de afastar a culpabilidade dele", parecendo buscar inspiração no ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que cunhou o lema: "Um manda e outro obedece".
Atualização: O advogado Cezar Roberto Bitencourt deu declarações confusas e divergentes sobre a suposta decisão de Cidinho no caso da venda de joias. Na quarta, disse que não sabia detalhes das acusações porque havia recém-assumido a defesa e ainda não tinha encontrado seu cliente, mas adiantou que "assessor cumpre ordens do chefe". Depois do primeiro encontro com Cid, o criminalista disse que já havia concedido muitas entrevistas e que a atitude poderia "irritar o outro lado também". Questionado sobre quem seria o "outro lado", ele respondeu: "O chefe dele, é claro". Disse ainda que o objetivo da PF era chegar até Bolsonaro, e que a chance de seu cliente partir para uma delação premiada era "nula". Horas depois, em mais uma nova versão, o doutor afirmou que Cid decidira confessar a atuação na venda das joias e declarar que havia cometido o crime por ordem de Bolsonaro. "Ele vai confessar o que ele praticou, comprou e vendeu, o atestado das vacinas. Ele vai confessar", completou. Ontem, outra reviravolta: "Não, não tem nada a ver com joias! Isso foi erro da Vejs (sic) não se falou em joias!", escreveu Bitencourt na mensagem. Mais tarde, ele disse que o caso não se trata de joias, mas de somente uma: um relógio Rolex, e que não se trataria de uma confissão, mas "esclarecimentos" a serem feitos aos investigadores, e que Cid não ia culpar o ex-presidente: "Tem muitas coisas que não tem nada a ver. Na realidade houve um equívoco, houve má-fé. Em primeiro lugar [é um equívoco] que o Cid vai dedurar o Bolsonaro".
Mesmo sem delatar, Cidinho pode mijar no chope do capetão, e sua defesa se arrisca a tropeçar numa obviedade: o militar não responde a inquéritos militares, mas por crimes ordinários em extraordinários processos que correm no STF. O general Santos Cruz, expurgado por Bolsonaro de um ministério palaciano por se recusar a ser um Pazuello, já ensinou que "farda não é pano de chão; hierarquia e disciplina são princípios nobres, não significam subserviência e nem podem ser resumidos a uma coisa 'simples assim, como um manda e o outro obedece', como mandar varrer a porta do quartel."
Até a semana passada, Bolsonaro tinha: 1) o general Lourena Cid para segurar a língua do filho; 2) a cumplicidade muda de Frederick Wassef; 3) as orações de Michelle e 4) a solidariedade dos seus milicianos políticos. Hoje, ele precisa se certificar da fidelidade do mensaleiro ex-presidiário Valdemar Costa Neto, que pode ser a última coisa que lhe resta.
Tratado pela PF como membro da "organização criminosa" das joias, o Cidão parece mais preocupado com sua autodefesa do que com a autocombustão do filho — cujo novo advogado realça uma obviedade: a quadrilha não é acéfala, e Cidinho, militar disciplinado, apenas interpretou ao pé da letra o nome do seu cargo. Nessa versão, quem deve pagar pelos crimes é o chefe, não o ajudante cumpridor de ordens.
O dublê de advogado e mafioso de comédia apelidado de "Wacéfalo" — por ter transformado a operação de recompra de um Rolex numa lambança com aparência de confissão — adicionou um drama novo à rotina do defensor do ex-presidente. Cada vez que o perdigueiro jurídico da família da rachadinha rosna, o causídico precisa explicar por que seu cliente é amigo dele.
Fred perdeu as prerrogativas de associado da OAB. Autoconvertido de advogado em delinquente, sofre batida policial em público e tem 4 celulares apreendidos pela PF numa churrascaria. Michelle já não tem tanto tempo livre para as preces: com as contas pessoais em desalinho, prestes a ser intimada a prestar depoimento, precisa construir uma defesa. Madame ainda acredita que Deus existe, mas começa a suspeitar que Ele não é full-time.
O lixo que vaza pelas bordas do tapete que Cid filho hesita em levantar expõe varrições que estão mais próximas do Código Penal do que da porta do quartel. É improvável que a nova pregação da defesa alivie suas culpas, mas a lealdade, já bem extenuada, parece chegar ao limite.
Bolsonaro precisa examinar periodicamente a rigidez do dedo indicador da esposa, pois delações domésticas não são incomuns na política brasileira. No final de 2021, ele disse que havia três alternativas para seu futuro: a prisão, a morte ou a vitória. Como não obteve a vitória e nem morreu, só lhe resta a prisão. Em privado, até Costa Neto já o vê atrás das grades.
Convém não discutir com um especialista.
Com Josias de Souza