sexta-feira, 11 de agosto de 2023

NÃO FOSSE TRÁGICO SERIA CÔMICO

 

No Ministério da Justiça e na Secretaria de Segurança do DF, Anderson Torres associou-se ao golpismo estimulado por Bolsonaro. O comportamento golpista lhe deu orelhas de lobo, focinho de lobo e dentes de lobo, mas, exemplo do fez ao depor à Polícia Federal, o personagem se apresentou na CPMI como uma inocente vovozinha disfarçada. 


Como ministro, Torres testemunhou ataques de golpistas que desceram do acampamento do QG do Exército para promover arruaças na área central de Brasília e observou a tentativa de explodir uma bomba nas imediações do aeroporto. Transferido para a Secretaria de Segurança do DF, desprezou o cheiro de queimado e sentiu-se à vontade para viajar em férias para os EUA na antevéspera da invasão às sedes dos Poderes. Alegando que caberia às polícias a aplicação do Protocolo de Ações Integradas que diz ter deixado pronto antes da viagem, deixou órfã a cidade que deveria guarnecer.

 

Do ponto de vista prático, o depoimento de Torres à CPMI foi inservível, pois apenas ecoou o lero-lero entoado nas inquirições na PF e na Justiça Eleitoral. Mas a repetição em público da cantilena recitada a portas fechadas deixa o cenário da Comissão mais surrealista do que o habitual: o depoente classificou a minuta golpista apreendida em sua casa de "documento imprestável para qualquer fim, uma verdadeira aberração jurídica" e disse que "o papel não foi para o lixo por mero descuido". Detalhe: a minuta foi encontrada dentro do armário, no interior de uma pasta ornamentada com o brasão da República. Nunca o lixo foi guardado com tanto esmero.

 

Do ponto de vista jurídico, a prisão de Silvinei Vasquesex-chefe da Polícia Rodoviária Federal, é mais uma fagulha para incendiar as redes antissociais bolsonaristas contra o STF. Sob a ótica política, o novo encarceramento potencializa a percepção de que o bolsonarismo desmedido transforma biografias em prontuários e dá cadeia. Acuado pelas evidências de que conduziu uma operação para retardar o acesso de eleitores de Lula às urnas, o policial se junta ao seleto grupo que já inclui Mauro Cid, preso no QG do Exército com uma aparência de camelô de farda, e Torres, que arrasta sua reputação deformada e uma tornozeleira eletrônica em prisão domiciliar.

 

Todo escândalo tem uma fatalidade própria. A excentricidade do flagelo bolsonarista é a acefalia. A quadrilha do golpe é uma organização sem capo. Nesse enredo, o ex-mandatário reivindica o papel de cego atoleimado. Finge desconhecer todas as perversões. Enquanto administra os R$ 17 milhões que os devotos lhe repassaram via PIX, diz torcer que os ex-auxiliares tenham como se explicar à PF


No tempo em que o Brasil ainda tentava fazer algum sentido, os valores pareciam mais nítidos. Bolsonaro era um messias onipresente e personagens como Silvinei, Cid e Torres eram meros paus-mandados. Subitamente, a nitidez perdeu a função. Nada é o que parece. A cada nova prisão, ressurge a mesma indagação incômoda: E o Bolsonaro?

 
Mudando de um ponto a outro: Para supresa geral, a Selic caiu antes do Vasco. Segundo o Copom, a decisão foi tomada não por ser a melhora para a economia, mas para Lula poder falar de outras coisas. O Centrão, que já assumiu o ministério do Turismo, deve abocanhar outra pasta em breve. Enquanto isso, Simone Tebet está com um pé na porta e Geraldo Alckmin, cotado para assumir o ministério do Confiei no PT e me Ferrei.
 
O inquérito militar sobre os atos golpistas descobriu que o atual governo financiou tendas para os terroristas com o programa Meu Barraco, Minha Vida, além de facilitar a venda de camisas verdes e amarelas para os endividados com o Desenrola. Lula foi até acusado de quebrar o relógio de Dom João VI, mas, em mais uma declaração polêmica, disse que a culpa foi de Flávio Dino, que achou que tinha comida dentro.
 
A CPMI do Vai Dar em Nada analisa os emails de Cid negociando a suposta venda do suposto Rolex que seu suposto ex-chefe supostamente ganhou de presente do suposto ditador Mohammed bin Salman. Cid queria R$ 300 mil pelo relógio — que, segundo a Comissão, marcava o minuto do golpe. O dinheiro iria para a vaquinha criada por Bolsonaro para pagar multas pelos crimes que ainda vai cometer, mas o ex-ajudante quer evitar que o chefe tenha de voltar mais uma vez à PF para devolver um objeto surrupiado, pois desconfia que já há uma sala reservada para evitar tanto vai e vem — uma sala que abre somente pelo lado de fora.
 
O que não faria Carlos Manga — o mais icônico diretor de chanchadas da Atlântida — com um roteiro em que um dublê de tenente-coronel e ex-ajudante de ordens do ex-presidente negocia à sorrelfa a venda de uma joia ofertada por um governo estrangeiro, e um hacker estelionatário é convocado para ajudar os militares a montar uma estratégia que comprove a suposta violabilidade das urnas eletrônicas?
 
O papel dos fardados nessa pantomima ganha contornos cada vez mais bizarros. A cena do Rolex foi o ponto mais alto até agora, mas é igualmente degradante o caso chefe da quadrilha que roubou o material que destruiu a Lava-Jato e ensejou a anulação das condenações de Lula e sua volta à disputa pela Presidência em 2022. 

Bolsonaro passou a campanha inteira chamando o adversário de "descondenado", defendendo a Lava-Jato e buscando respaldo em Sérgio Moro — que desembarcou do governo quando viu que o combate à corrupção era uma falácia e que punições não se aplicavam aos membros de seu clã. Derrotado pelo ex-presidiário, aproximou-se do hacker através da deputada Carla Zambelli, elogiou-o por ter desmoralizado a Lava-Jato e mandou um assessor levar "o garoto" ao ministério da Defesa, onde uma comissão de fardados havia sido criada para desacreditar o sistema eleitoral brasileiro. O que dizer de um hacker condenado ter acesso a uma comissão especial do ministério da Defesa? 

Não fosse trágico, seria cômico.

Com Josias de SouzaSensacionalista e Merval Pereira