sexta-feira, 22 de setembro de 2023

A SÍNDROME DO QUE ESTÁ POR VIR


No julgamento dos primeiros réus do 8 de Janeiro, a pena mais draconiana 
— fixada em 17 anos de prisão  deixou boiando na atmosfera do STF a percepção de que será o piso de futuras condenações dos réus mais graúdos, entre os quais Bolsonaro, tratado nos bastidores da corte como uma espécie de denúncia esperando na fila para acontecer. 

As duas togas bolsonaristas se portaram como se apalpassem o futuro ao isentarem Aécio Pereira do crime de tentativa de golpe de Estado e fixar as penas mais brandas. Os demais ministros seguiram o relator no entendimento de houve uma tentativa de reverter o resultado das urnas de 2022 e estabelecer no país um regime de exceção.
 
Bolsonaro, que requentou o julgamento na condição de sujeito oculto, tornou-se quase palpável quando André Mendonça declarou que não via na turba que promoveu o quebra-quebra potencial para dar um golpe. Segundo o magistrado, a deposição do governo recém-eleito dependeria de atos que não estavam ao alcance dos invasores. Gilmar Mendes fustigou: "A cadeira em que o senhor está sentado estava lá na rua." O ministro-pastor não se deu por achado: ecoando uma pregação disponível nos grupos bolsonaristas de WhatsApp, disse que não entende como o Planalto foi invadido com tanta facilidade. 

"Xandão" — como é chamado pelos bolsonaristas o ministro Alexandre de Moraes — disse que Flávio Dino não poderia ter acionado a Força Nacional de Segurança para suprir o déficit de policiais militares sem requisição do governo do Distrito Federal. Mendonça rebateu que a soldadesca poderia, sim, ter atuado na proteção dos prédios federais. O colega elevou o timbre: "É um absurdo, com todo o respeito, Vossa Excelência querer falar que a culpa pelo 8 de janeiro é do ministro da Justiça." De novo, o ministro bolsonarista reproduziu a retórica bolsonarista, insinuando que o chefe da pasta da Justiça de Lula deve explicações sobre o sumiço das imagens no dia do quebra-quebra. 

Anderson Torres, que foi ministro da Justiça sob Bolsonaro e respondia pela Secretaria de Segurança do governo brasiliense no dia dos ataques, foi colocado roda por Moraes — "Fugiu para os EUA, jogou o celular dele no lixo e acabou preso—, que, no auge da altercação, foi à jugular de Mendonça: "Vossa Excelência vem no plenário que foi destruído para dizer que houve uma conspiração do governo contra o próprio governo? Tenha dó!" E Mendonça: "Não coloque palavras na minha boca. Tenha dó Vossa Excelência." O embate resultou num pedido de desculpas recíproco, mas restou a percepção de que a eletrificação da sessão foi um ensaio do curto-circuito que se avizinha. 

Se as intervenções de Moraes serviram para alguma coisa, foi para sinalizar que esse tipo de alegação não terá livre trânsito na corte quando as investigações revelarem o que ainda se esconde atrás do manto diáfano que o capitão imagina protegê-lo. Dá-se de barato que a colaboração de Cid incluirá revelações sobre a tentativa de virada de mesa da democracia, inserindo na trama golpista o ex-chefe e seus generais palacianos. É nesse contexto que a pena de 17 anos de cadeia é vista como um piso, e Bolsonaro vive a síndrome do que está por vir.

Em tempo

Pesquisa Genial/Quaest aponta que o mercado financeiro não confia nem em Lula, nem em Haddad  47% dos entrevistados avaliaram o governo como negativo, 41% classificaram-no como como regular e apenas 12% como positivo. Já o deputado, Artur Maia, presidente da CPMI do 8 de Janeiro, tenciona entrar com um pedido de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental contra as decisões monocráticas do STF, que barraram a ida de dois depoentes à comissão nas duas últimas semanas. 

"Nós estamos brincando de fazer CPMIJá passa do momento que nós possamos fazer uma ADPF, que é justamente o questionamento ao Supremo da possibilidade de o ministro autorizar ou não autorizar uma convocação feita pelo Congresso. Como está na Constituição, nós temos o direito de fazer essas investigações, convocar as pessoas para virem aqui para dar os seus depoimentos que julgamos importante. Se não pode ter CPMI, se a regra constitucional foi mudada, então acaba a CPI. Tudo bem, também é um caminho a ser seguido. Agora, o que não é razoável é nós estarmos aqui fazendo esse papel", disse Maia.

Com Josias de Souza