Na trilogia Mr. Mercedes, do mestre do terror Stephen King, o psicopata assassino Bill Hodges, em coma profundo, domina a mente de outras pessoas e as induz a cometer assassinatos. Recomendo a leitura.
Se Haddad tivesse derrotado Bolsonaro em 2018, teríamos um presidiário governando o país através de um patético preposto/bonifrate. Ironicamente, o dublê de mau militar e parlamentar medíocre tornou-se o pior mandatário desde Tomé de Souza. Seus arroubos antidemocráticos e negacionismo atávico resultaram em 150 pedidos de impeachment — que Rodrigo Maia e Arthur Lira cuidaram de manter na gaveta) e dezenas de investigações — que Augusto Aras matou no peito. Inelegível por 8 anos e delatado pelo ex-ajudante de ordens, o estrupício começa a vislumbrar a prisão em meio à síndrome do que está por vir. Caberá ao novo PGR tomar alguma providência — tentativa de golpe é crime.
Augusto Aras deixou o comando da PGR na última terça-feira (já vai tarde). No discurso de despedida, com uma cara-de-pau de deixar Bolsonaro roxo de inveja, o antiprocurador afirmou que as críticas à sua gestão são "falsas narrativas". Como se o desmonte da Lava-Jato e o enfraquecimento do combate à corrupção não passassem de ficção.
Não bastasse essa afronta à inteligência dos brasileiros, o ministro Dias Toffoli teceu rasgados elogios ao trabalho de Aras à frente da PGR e afirmou que "a força do silêncio" do antiprocurador defendeu o país de uma ruptura democrática. Vale lembrar que Toffoli foi presenteado por Lula com a suprema toga em retribuição aos "bons serviços prestados ao PT", a despeito de ter sido reprovado duas vezes em concursos para juiz de direito, e que anulou recentemente todas provas colhidas no acordo de leniência da antiga Odebrecht.
Observação: Na tentativa de se cacifar para uma recondução na PGR sob Lula, Aras publicou posts em que se distanciava de Bolsonaro e encampava o discurso de que sua gestão foi diligente na fiscalização de atos administrativos e gastos públicos destinados ao combate à Covid.
Em quatro anos, Aras desceu ao verbete da enciclopédia como o pior procurador-geral da República de todos os tempos. A pretexto de "despolitizar" o MPF, bolsonarizou a chefia do órgão. Visando ao desmonte da Lava-Jato, criou o lavajatismo com sinal trocado, que não denuncia ninguém acima de um certo nível de poder e renda. Para "descriminalizar a política", condescendeu com políticos criminosos. Remunerado pelo contribuinte para defender os interesses da sociedade, optou por defender os interesses de Bolsonaro. Simulando rigor com "averiguações preliminares", arquivou mais de 70 acusações, fechou os olhos para a política de estado letal na pandemia e enterrou os indiciamentos da CPI da Covid. Para abrilhantar ainda mais seu currículo luzidio, associou-se por omissão ao projeto golpista que passou pelo 7 de Setembro e desaguou no 8 de janeiro.
Na abertura do ano do Judiciário, com Bolsonaro devidamente defenestrado pelo eleitor, o ora ex-procurado-geral fez uma tríplice (e patética) declaração de amor ao regime democrático no plenário reconstruído do STF: "Democracia, eu te amo, eu te amo, eu te amo." Dias atrás, no mesmo plenário, apresentou-se como vítima de "incompreensões e falsas narrativas".
Abandonado pelo senso do ridículo, o ministro Dias Toffoli declarou que o ex-número 1 da PGR não usou o cargo como "um alpinismo para outros interesses". Balela! Sob Bolsonaro, dê olho na suprema toga, Aras caprichou no puxasaquismo; sob Lula, de olho num ambicionado terceiro mandato, escalou o antilavajatismo e amealhou inacreditáveis apoios no petismo. Mas Lula preferiu buscar uma "reencarnação de Aras" no corpo de outro antiprocurador.
Há 35 anos, quando o Congresso Constituinte presidido por Ulysses Guimarães converteu o Ministério Público numa entidade independente, imaginou-se que surgiria no país uma instituição respeitável. Se a gestão de Aras serviu para alguma coisa, foi para demonstrar que a respeitabilidade está sob ameaça.
Reza a Constituição que a Procuradoria Geral da República deve zelar pelos interesses da sociedade. A função de procurador-geral será exercida com maior eficácia se o titular for escolhido de forma republicanamente impessoal. Mas a impessoalidade, depois da diversidade, é o critério que menos interessa a Lula no momento. O que ele busca é algo muito parecido com um recomeço em falso.
Há 35 anos, quando o Congresso Constituinte presidido por Ulysses Guimarães converteu o Ministério Público numa entidade independente, imaginou-se que surgiria no país uma instituição respeitável. Se a gestão de Aras serviu para alguma coisa, foi para demonstrar que a respeitabilidade está sob ameaça.
Reza a Constituição que a Procuradoria Geral da República deve zelar pelos interesses da sociedade. A função de procurador-geral será exercida com maior eficácia se o titular for escolhido de forma republicanamente impessoal. Mas a impessoalidade, depois da diversidade, é o critério que menos interessa a Lula no momento. O que ele busca é algo muito parecido com um recomeço em falso.
O livro que Aras distribuiu aos amigos vale como um dossiê das culpas do pior procurador-geral da história. Numa obra que fala sobre a maneira como sua gestão "salvou vidas" durante a pandemia, fica difícil eleger o trecho mais mentiroso. O pior, no entanto, não é o pesadelo, mas a dificuldade que o Brasil tem de acordar dele.
Com Josias de Souza