Uma das coisas mais esquisitas, hoje em dia, é a facilidade com que as pessoas aceitam todo o tipo de absurdo. Pense numa aberração qualquer e ela estará bem na sua frente. Isso seria até admissível em algum fundão da África, mas o Brasil é um país metido a ser sério, onde há instituições independentes, comunicadores bem informados e políticos probos e letrados — nem todos, mas tivemos até um sociólogo como presidente da República.
Quanto mais pose o país faz, maiores e mais agressivos são os disparates que os brasileiros se dispõem a aceitar. Só para ficar num dos exemplos mais recentes de alucinação colocados à disposição do público, Antonio Dias Toffoli — guindado por Lula ao STF em 2009, a despeito de ter sido reprovado duas vezes consecutivas em concursos para juiz de direito em São Paulo —, não só anulou todas provas colhidas no acordo de leniência da antiga Odebrecht como determinou que a AGU, a PGR e o Ministério da Justiça coloquem o aparato estatal no encalço de procuradores e do hoje senador Sérgio Moro em busca de ilegalidades. Pode uma coisa dessas?
Observação: Como bem lembrou o jornalista J.R. Guzzo às vésperas de o ministro retrocitado assumir a presidência do STF, não existe limite para o pior. Além de ser "uma nulidade em matéria de direito, segundo o parecer dos examinadores que julgaram duas vezes a sua aptidão profissional", o dito-cujo é "um fenômeno de suspeição e parcialidade provavelmente sem similar no mundo civilizado". Guzzo anota ainda que o ex-advogado do PT ganhou a suprema toga por ter sido um alto funcionário do PT e do primeiro governo Lula, o que lhe impediria de julgar tudo que tivesse a menor relação com qualquer dos dois. Mas o que vem acontecendo desde então é justamente o contrário.
Não se sabe se a liminar teratológica será chancelada pela 2º Turma (ou pelo Plenário do Supremo), nem se produzirá os "efeitos secundários" ambicionados pelo magistrado, já que Lula é rancoroso — em 2019, Toffoli negou ao então presidiário mais famoso do Brasil o pedido de acompanhar o enterro do irmão Vavá —, mas seu despacho despachou para o lixo provas que reuniam a lista de políticos beneficiados por propina da Odebrecht e atribuiu à Lava-Jato o papel de "pau de arara do século XXI na caça a 'inocentes'". Como anotou Guzzo, o ministro e quem o leva a sério — a começar pelos colegas que o chamam de excelência — insistem todos os dias em tratar o Brasil como um país de idiotas. Esse é o fato da vida real, o resto é conversa fiada.
Na última sexta-feira, Lula viajou para Cuba e de lá seguirá rumo aos EUA, onde participará da Assembleia da ONU. Considerando que agora é moda apreender passaportes, talvez fosse o caso de confinar o petista aos limites do território nacional até o final do ano — não só para segurar um pouco o que ele, a mulher e o seu séquito estão torrando num cruzeiro de volta ao mundo "non stop" que já dura oito meses e é pago com o dinheiro de nossos impostos, mas também para interromper a sangria desatada de declarações cretinas que sua excelência começa a regurgitar tão logo põe os pés fora do país.
Em sua recente passagem pela Índia, Lula disse num único surto que "aqui vale “a lei brasileira”, e que prender Putin, como manda a lei internacional, seria desrespeitar nossa soberania. Lembrado de que existe uma ordem nesse sentido de um tribunal do qual o Brasil é Estado-membro, alegou desconhecer a existência do Tribunal Penal Internacional — que ele próprio citou expressamente em seu discurso de posse em 2003 e para o qual indicou uma juíza. Como a mirabolância fantasiosa pegou mal, ajuntou que o TPI é integrado exclusivamente por "bagrinhos" — qualificando como "menos desenvolvidos" 123 países, entre os quais a França, a Alemanha, a Itália e o Japão —, lembrou que EUA e China não são membros e (pasmem!) ameaçou retirar o Brasil do Estatuto de Roma. Depois de toda a merda que Bolsonaro vomitou durante seu abjeto desgoverno, a gente não precisava de mais esse vexame.
Volto rapidamente à teratologia de Toffoli, atribui-se a Sidarta Gautama — também conhecido como Buda — a máxima segundo a qual "três coisas não podem ser escondidas por muito tempo: o sol, a lua e a verdade". Com efeito, o poder detergente da luz mostrou que a narrativa do magistrado lulista, longe de ser uma comprovação técnica de supostas irregularidades da Lava-Jato, foi um ato político visando à reconciliação com Lula.
O principal argumento usado do ministro — a Lava-Jato não teria feito um pedido de cooperação jurídica internacional para obter as provas de corrupção da Odebrecht, depositadas nos sistemas do departamento de propinas da empreiteira, chamados de Drousys e MyWebDay — foi baseado num ofício do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça de Flavio Dino, segundo o qual não fora encontrado no órgão registros de cooperação internacional para trazer ao Brasil cópias dos sistemas da Odebrecht. A informação era falsa como uma nota de R$ 3, como o próprio Ministério Público anotou nos autos, mas Toffoli deu de ombros.
Corroborando a fala do ex-coordenador da Lava-Jato no Paraná, Deltan Dallagnol, a Associação Nacional dos Procuradores da República afirmou que a Lava-Jato fez o pedido de cooperação — e recorreu da decisão de Toffoli na segunda-feira 11. Também repudiaram o despacho do ministro a Associação dos Juízes Federais do Brasil, a Transparência Internacional e o Instituto Não Aceito Corrupção).
Observação: A Corregedoria Nacional de Justiça encaminhou aos conselheiros do Conselho Nacional de Justiça um resumo do pente-fino realizado pelo órgão na 13ª Vara Federal de Curitiba. As conclusões, segundo matéria publicada por Veja há duas semanas, deixam Moro e outros magistrados que por lá passaram em péssima luz. A questão mais evidente no documento é a falta de transparência na gestão de recursos financeiros obtidos a partir de delações e de ações da força-tarefa. Se isso não é caça às bruxas, então eu não sei o que é.
Depois da pressão das entidades, da imprensa e da sociedade, o ministro Flavio Dino — o mesmo que até hoje não enviou as imagens do 8 de Janeiro para a CPMI, alegando que elas foram apagadas, e que disse a Toffoli não ter encontrado a cooperação jurídica internacional —, informou que o documento "foi encontrado". Segundo Dallagnol, isso mostra quem falta com a verdade quando o assunto é a Lava-Jato, e que a decisão esdrúxula de Toffoli — e não a condenação de Lula — foi um dos piores erros da história da Justiça.
Durante toda a quarta-feira 13, os porta-vozes do lulismo tentaram emplacar a falácia de que o pedido de cooperação internacional só teria sido formalizado um ano depois do acordo da Odebrecht, e que os investigadores tentaram "esquentar" as provas. O próprio ministro da Justiça encampou a falsa narrativa — segundo Dino, a Lava-Jato utilizou em 2016 provas que só foram objeto de procedimento formal em 2017. No entanto, de acordo com Dallagnol, a cooperação internacional foi peticionada em 16 de maio de 2016, e o acordo com a Odebrecht só foi firmado 7 meses depois do pedido. Resta saber se Dino vai mandar a PF investigar sua fake news do mesmo modo como mandou investigar o jornalista Alexandre Garcia, ou se isso só acontece com adversários políticos.
Dallagnol disse ainda que a própria Odebrecht entregou voluntariamente as provas e os arquivos de seu departamento de propina, o que obviamente não depende nem se confunde com a cooperação internacional (que ocorreu em paralelo ao acordo). Essas informações constam do autos do processo em que Toffoli anulou as provas, mas foram intencionalmente ignoradas, a exemplo da sindicância instaurada pela Corregedoria do MPF para apurar se houve irregularidades na cooperação internacional e no acordo de leniência da Odebrecht.
Observação: Se a investigação durou mais de um ano e concluiu que tudo foi regular, por que Toffoli continua ignorando essas provas — que, vale repetir, estão no processo que ele mesmo decidiu? E por que o resultado da investigação foi colocado em sigilo, quando se deveria dar conhecimento dele para a sociedade?
Examinados em conjunto, esses fatos deixam claro que a Lava-Jato agiu de acordo com a lei. Todos os atos processuais de procuradores e juízes foram exaustivamente examinados e submetidos à revisão dos tribunais, desde o TRF-4, passando pelo STJ e até o STF. Os investigados e réus, inclusive os colaboradores, foram assessorados pelos melhores advogados e bancas criminalistas do país, que não conseguiram comprovar qualquer irregularidade, a despeito de acompanhar com lupa todos os procedimentos.
Dallagnol reitera que a Lava-Jato sempre deu respostas de forma coerente e convincente, amparadas em fatos, documentos e provas, enquanto "o outro lado", que quer reescrever a história a qualquer custo e punir os agentes da lei que combateram a corrupção, recorre a novas versões, procura "pelo em ovo" e, quando não encontra, inventa narrativas inconsistentes e especulações fantasiosas.
Triste Brasil.