quinta-feira, 12 de outubro de 2023

CONGRESSO X STF


Nossa 7ª Constituição em 200 anos de independência tornou-se a terceira em longevidade (a do Império durou 67 anos e a primeira da República, 39 anos). Em 5 de outubro de 1988, às 15h50, o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães (que dorme com os peixes há 31 anos) promulgou a Constituição que chamou de "Cidadã" e encerrou a Assembleia com um discurso memorável, no qual reconheceu que ela não era perfeita, "como ela própria ela própria o confessa ao admitir a reforma".
 
Passados 35 anos, os presidentes da corte que a Constituição nomeou sua guardiã se tornaram figuras públicas, populares, sapateiros que já foram muito além da sandália. Em seu discurso de posse, o atual presidente do Supremo resumiu que cabe ao tribunal, além de interpretar a Constituição, preservar a democracia e promover os direitos fundamentais. Como bem pontou o jornalista Alexandre Garcia, que vez por outra dá uma dentro, supõe-se que o ministro quis dizer defender e respeitar os direitos fundamentais, já que as promoções não caberiam bem numa suprema corte. 
 
Ironicamente, os direitos fundamentais não têm sido respeitados pela própria corte. Barroso descarta hegemonia, mas é claro como o dia que as togas vêm invadindo reiteradamente a competência do Congresso, e que a agenda que ele sugere mais parece um programa de governo do Executivo. Como costumava dizer ex-ministro Marco Aurélio, "vivemos tempos estranhos". De Ulysses ao STF de hoje há uma distância histórica desafiando as intenções dos constituintes.
 
Operando no modo chantagem, a CCJ do Senado aprovou em 42 segundos uma PEC que prevê, entre outras coisas, que decisões monocráticas sejam submetidas ao colegiado em até quatro meses, institui mandato com prazo fixo para os ministros, determina que pedidos de vista passem a ser coletivos e fixa prazo de 6 meses (renováveis por mais 3) para a devolução processos. Salta aos olhos o casuísmo e o espírito revanchista dos parlamentares, notadamente ao permitir que o Congresso anule decisões do STF. No mérito, a proposta é escandalosa. Mesmo que o propósito declarado seja o de reequilibrar os Poderes, seu resultado seria o esvaziamento da corte constitucional.
 
Ainda que se possa (e se deva) debater se o Supremo vem abusando do ativismo e invadido a seara legislativa, é descabido votar matérias de tal impacto institucional sob o ânimo da briga política. O Judiciário, recorde-se, é um Poder sem voto que muitas vezes precisa desempenhar um papel contramajoritário. Sua força reside em ter a última palavra no que diz respeito à interpretação da lei ao deliberar sobre temas controversos, mas a corte deve fazê-lo sem pretender legislar. De sua parte, o Congresso não pode tentar intimidar magistrados.
 
Cortes Supremas de diversos países democráticos têm sido contestadas pelo poder político, tanto por governos de esquerda quanto de direita. Trata-se do poder eleito enfrentando o não eleito, que interfere cada vez mais. No Brasil, a ação dos parlamentares é mais um capítulo da disputa ferrenha entre o STF e os ativistas de extrema direita, que teve início durante o desgoverno Bolsonaro. 
 
As decisões individuais dos ministros levam em conta suas posições pessoais, não raro em detrimento da letra da lei. A Lava-Jato — a maior e mais bem-sucedida operação anticorrupção da história deste país — foi crucificada por alguns ministros, que usaram como pretexto as "prisões preventivas alongadas" e delações premiadas "obtidas mediante tortura psicológica". Curiosamente, ninguém se arvorou em crítico desses mesmos métodos quando eles foram usados contra os terroristas-golpistas de 8 de janeiro.
 
Em última análise, o propósito da CCJ não é melhorar o sistema judicial, mas emparedar as togas que julgam os golpistas. Prova disso é que, em sua campanha pela presidência do Senado, Davi Alcolumbre vem encampando a agenda de enfrentamento ao STF como estratégia para se aproximar dos bolsonaristas. 
 
Triste Brasil.