quarta-feira, 18 de outubro de 2023

DE VOLTA AO IMPEACHMENT

 

O impeachment — adaptação anglófona do francês "empêcher" (impedir) — é o elemento mais importante do sistema imunológico dos governos presidencialistas contra chefes de estado que, eleitos para um mandato fixo, incorrem em condutas que colocam em risco a ordem constitucional. No Brasil, é o Congresso que decide se o presidente deve ser afastado por crime de responsabilidade, mas a legitimidade do processo é garantida pelo STF. 
 
Há basicamente três fontes normativas que tratam do impeachment: a Constituição, a Lei 1.079/50 ("lei do impeachment") e o Regimento Interno da Câmara Federal (no parágrafos 1º e 2º do art. 218). Trocando e miúdos, a competência para dar seguimento às denúncias é do plenário da Câmara Federal, embora caiba ao presidente da Casa fazer uma análise preliminar de admissibilidade (em caso de indeferimento, cabe recurso ao Plenário). 

Ocorre que não existem anticorpos contra a inércia do presidente da Câmara, pois nenhuma das fontes retrocitadas estabelece um prazo para essa ele tomar essa decisão. O "recebimento" de que trata o § 2º do artigo 218 da CF remete ao juízo de admissibilidade da denúncia, não ao protocolo do pedido, e assim a determinação de que a denúncia deve ser "lida no expediente da sessão seguinte e despachada à Comissão Especial eleita" só é aplicável após a admissão do pedido. 

Para alguns juristas, a inércia do presidente da Câmara resulta em "indeferimento tácito", mas outros entendem que o regimento interno da Casa lhe dá um poder discricionário, ou seja, permite-lhe decidir quando e se vai analisar analisar a admissibilidade da denúncia. O problema com a primeira interpretação é saber qual seria o prazo para caracterizar o indeferimento tácito — findo o qual o plenário poderia acolher ou não a denúncia à revelia do presidente da Câmara — e, com a segunda, o excepcional poder de barganha que tal prerrogativa confere ao presidente da Câmara sobre o chefe do Executivo. 
 
Desde a Proclamação da República, houve 5 processos de impeachment — o primeiro foi contra Getúlio Vargas (o parlamento o rejeitou, mas a pressão ensejou "suicídio" do caudilho) — e ao menos quatro presidentes renunciaram — Deodoro da Fonseca em 1891; Vargas em 1945; Jânio em 1961; e Collor em 1992. No período "pós-ditadura", dois mandatários foram impichados: Collor, em 1992, e Dilma, em 2016. Bolsonaro foi um sério candidato a engrossar essa lista, já que foi alvo de 150 denúncias (mais que a soma das 31 de Temer, 68 de Dilma e 37 de Lula), mas Rodrigo Maia rejeitou quatro por problemas de assinatura e engavetou outras 56, e Arthur Lira se encarregou de mantê-las em animação suspensa, juntamente com outras 90 que foram protocoladas sob sua batuta. 

PT quer transformar a História do Brasil num despacho a ser publicado no Diário Oficial da União. Para os membros dessa seita infernal, a história é unicamente aquilo que Lula conta, como manda o catecismo básico das ditaduras. A fraude da vez é a anulação do impeachment de Dilma, deposta por ter praticado crime de responsabilidade. No mundo dos fatos, a decisão foi tomada por 367 votos a favor e 157 contra na Câmara e 55 a favor e 22 contra no Senado (uma das maiorias mais arrasadoras que já se formou no Congresso), e sob supervisão do STF. Mesmo assim, para os seguidores do Sistema L a mulher sapiens sofreu um "golpe de Estado". 

Essa obra de ficção vem sendo escrita há sete anos pela esquerda nacional, com apoio de artistas nacionais, de estrelas de Hollywood e até do Papa Francisco. É como dizer que Pilatos foi condenado por Cristo, mas a coisa vai além de uma mentira. PT e suas polícias no governo já cassaram o deputado federal que, quando era coordenador da Lava-Jato, acusou Lula, e agora querem cassar o juiz que o condenou por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. 

Além de livrar todos os milionários corruptos que confessaram seus crimes e devolveram dinheiro roubado, a corja vermelha quer abrir de novo o Tesouro Nacional para eles. Dilma se transformou numa ideia fixa para a esquerda em geral (e para Lula em particular), que se refere sistematicamente a uma decisão constitucional tomada pelo Legislativo e sancionada pelo STF como um "golpe"

No mundo de Lula e do PT, não se perde viagem. Todo peixe gordo que recebe o selo de mártir ganha junto a entrada para o paraíso do Erário Público. Dilma já levou a sua: um emprego na presidência do Banco dos “BRICS”, com cerca de R$ 300 mil mensais de salário, embora a gerentona de araque seja tão capaz de administrar um Banco quanto de pilotar uma nave espacial.

Como se não bastasse, o projeto, agora, é fabricar uma decisão “oficial” declarando que o impeachment não existiu e que a decisão do Congresso foi ilegal (ou alguma outra miragem da mesma família). Nessa balada, vão criar um passado novinho em folha para o próprio Lula, eliminando os fatos e empalando a população com a doutrina suprema da sociedade PT-Rede Globo: "O senhor não deve nada à justiça". 

Enquanto as limitações dos poderes do presidente da Câmara não forem estabelecidas, caberá às instituições da República lidarem com esse vácuo normativo. Nada disso ocorreria se, no plebiscito de 1993, o esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim tivesse optado pelo parlamentarismo.

Triste Brasil.

Com J.R. Guzzo