Churchill disse que não há melhor argumento contra a democracia do que cinco minutos de conversa com um eleitor mediano;
Figueiredo, que um povo que não sabe escovar os dentes não está preparado para votar;
Saramago, que a cegueira é uma questão particular entre as pessoas e os olhos com que nasceram;
Ferreira Gullar elogiou a ascensão de um operário à presidência, mas lembrou que
Fernandinho Beira-Mar também veio do "seio do povo"; e
Karl Marx ensinou que "a história sempre se repete como tragédia ou farsa".
No Brasil dos nossos dias, porém, está cada vez mais difícil saber o que é tragédia e o que é farsa.
Lula é tido e havido como um "animal político", mas Arnaldo Jabor o definiu como um "fenômeno religioso", "de fé" — como as igrejas que caem e matam fiéis, e os que sobram continuam acreditando. Com um povo analfabeto e manipulável e emparedando instituições democráticas e poderes moderadores, o petista criou uma igreja para seu partido dirigir. E eleger o "anticristo", em 2018, só piorou o que já era bastante ruim.
O ato em memória de Cleriston Pereira da Cunha — convocado para o último domingo por Silas Malafaia e apoiado por Jair Bolsonaro e seus miquinhos amestrados — foi o cinismo levado às fronteiras do paroxismo. Os hipócritas agem como se não tivessem nada a ver com o peixe, mas o espelho revela o olhar cínico e deslavado da culpa.
Os principais jornais falaram "alguns milhares" de manifestantes, mas a adesão ficou ficou muito aquém da esperada — o que não desanimou o ex-ministro bolsonarista Ricardo Salles e sua trupe de contestar (mais uma vez) o resultado das urnas e incitar o confronto com o Supremo, como se o capítulo eleitoral de 2022 não tivesse terminado.
Em decisão proferida na véspera do dia nacional, o ministro Dias Toffoli (indicado por Lula para o STF em retribuição aos bons serviços prestados ao PT) declarou imprestáveis as provas oriundas dos acordos de leniência da Odebrecht e, de quebra, perorou que a prisão de seu benfeitor foi "o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia, um dos maiores erros judiciários da história do país". A decisão foi criticada por diversas associações de advogados e dos Juízes Federais. No dia seguinte, o Instituto Não Aceito Corrupção afirmou que a linguagem foi "exageradamente politizada" e fugiu à "técnica imparcial" que deveria ser aplicada numa decisão do STF.
Observação: Tanto o Executivo quanto o Legislativo e o Judiciário merecem todo o respeito como instituições. mas o mesmo não se aplica aos presidentes dos Poderes, parlamentares e magistrados. Respeito não se impõe, conquista-se, e agentes públicos que não se dão ao respeito não podem exigi-lo daqueles a quem eles deveriam servir.
Em meio às rusgas entre o STF e o Congresso, os senadores aprovaram a toque de caixa uma PEC de conteúdo anódino. Eliminados os excessos e os retrocessos, a sobra mais relevante foi o bloqueio liminares monocráticas contra decisões do presidente da República e leis do Congresso. É improvável que a proposta seja chancelada pela Câmara —
a reação dos ministros deve estimular Arthur Lira, que é cliente de caderneta das liminares protetivas do STF, a enfiá-la no gavetão dos assuntos pendentes (que ele costuma abrir
conforme sua conveniência).
Os togados exageraram em sua reação à PEC. Sob refletores, o mais enfático foi Gilmar Mendes, que chamou a proposta de "cadáver outrora enterrado", criticou "investidas desmedidas e inconstitucionais" do Legislativo" e disse que a Corte não é composta por covardes e que "os autores dessa empreitada" são "inequívocos pigmeus morais". Horas depois, acompanhado dos colegas Moraes e Zanin, o semideus das togas foi ao Alvorada a convite de Lula, que convocou um regabofe para jogar água na fervura.
O general-senador Hamilton Mourão postou nas redes sociais que "alguns ministros se dizem traídos pelo governo", ensejando a suposição de que "houve um acordo", e sugere que o propósito era a eleição do petista-mor. Assiste razão ao ex-vice-presidente. O devido processo legal não deveria frequentar palácios nem magistrados jantar ou negociar com partes processuais.
Do alto de seu Olimpo particular, os supremos togados demoram a perceber que guardar ressentimentos é como tomar veneno na suposição de que os adversários serão intoxicados. Reza a Constituição que os Poderes da República devem ser harmônicos e independentes entre si. A harmonia foi para o beleléu há tempos. Consolida-se agora a subversão da independência.
Triste Brasil.